CAPÍTULO 1

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-Mamãe não me deixe- Foi tudo o que eu podia dizer quando abracei o corpo dela já sem vida. Foi naquele momento da minha vida que eu percebi que já não poderia viver também. Eu não tinha uma só lembrança na minha vida que não fosse ao lado dela, eu não tinha ninguém por mim naquele momento, eu sabia o que tinha que fazer, mas mesmo assim eu não queria.

Eu sabia que quando a emergência chegasse aqui, eles irão me levar para um lar de adoção eu já tinha ouvido falar sobre isso e não é o que eu quero, eu quero poder ficar em casa e tomar o chá da tarde todos os dias com a minha mãe, eu quero sujar a minha mão de terra do parque todos os domingos depois da igreja. Mas eu vou ser a boa menina que a mamãe pediu que eu fosse e vou deixar que eles me levem e que a levem também.

-Eu vou ser a boa menina mamãe, eu prometo- Eu sussurro em seu ouvido e vou correndo ate o orelhão na próxima rua e faço o que tem que ser feito.

- Emergência bom dia, em que posso ajudar? Pergunta a voz do outro lado.

-Alo? Emergência em que posso ajudar?- Repetiu mais uma vez.

-Minha mãe ela está caída no chão e não me responde.

- Me diga qual seu endereço para que eu possa encaminha a Aju..

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20 anos depois...

Cada vez que eu me lembro do dia em que eu fiquei só, eu me arrepio toda e tenho muito medo de que isso volte a acontecer novamente. Só de me lembrar dos anos em que fiquei no orfanato, com aquelas bruxas só porque o meu pai não me queria eu tenho vontade de vomitar. Cada vez que eu apanhei das mãos que deveriam me proteger eu tenho vontade de morrer. Cada vez que me lembro que o meu pai existe é a minha morte. Fico pensando o que mamãe viu nesse homem que nunca se importou conosco, a abandonou gravida e nunca nem ligou para saber como estávamos nunca veio me ver, me conhecer. Não sei como meu pai é de verdade, nunca o vi e hoje também não tenho a mínima vontade de conhecê-lo. Se ele não quis ficar comigo e com a mamãe quando ela descobriu a gravidez não vai ser agora que vai conquistar o meu carinho. Foi por causa dele que mamãe morreu tão jovem, foi por causa dele que tive que viver meus piores anos naquele orfanato, mas não é por ele que me tornei a pessoa que sou hoje.

Quando mamãe morreu eu tinha apenas 8 anos, era apenas uma criança que precisava da família, mas mamãe se foi muito rápido.

Mamãe sempre foi saudável, era jovem, bonita, mas a doença foi implacável e em pouco tempo Deus a levou.

Vivi naquele inferno durante 10 anos, foram os piores anos da minha vida e não desejo o que vivi nem para o meu maior inimigo. Assim, quando consegui atingir a maior idade sai dali jurando que um dia iam pagar por tudo o que fizeram comigo e com as outras crianças que ali viviam. Como eu não tinha ninguém por mim, dormir vários meses em emergência, pontos de ônibus, estações de metrô. Passando frio, fome, dores e angústias, sendo tratada como um lixo pela sociedade. O ódio que eu tinha do meu pai só foi crescendo. Como uma pessoa pode deixar um filho viver numa situação dessas? Realmente ele não merece meu carinho.

Já estava muito magra e desidratada quando fui dormir na porta do hospital Santa Marcelina, um hospital público de Itaquera zona leste de São Paulo. Foi ali que conheci o Dr. Motta Strauz me lembro como se fosse hoje, eu estava deitada no chão quando ele se aproximou de mim...

10 anos atrás..

- Oi? Tudo bem? Sente-se, por favor. - Ele falou com uma voz mansa e gentil. Sentei-me olhando esse estranho, a rua é um lugar muito perigoso, ninguém ajuda ninguém, ninguém te da um pão para matar a fome, então quando alguém chega perto da gente devemos tomar todos os cuidados. Mas esse senhor não, ele me parece ser bem simpático, é um senhor de uns 40 anos, um pouco mais baixo que eu, estava usando um jaleco branco, deve ser médico aqui.

Uma sombra na escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora