Ao meu alcance

III

Talvez aquele tenha sido o dia mais longo de toda minha vida. Devia ser por esse clima estranho, dessa cidade estranha, com essas pessoas estranhas.
Eu não estava pronto para voltar para casa, então peguei minha moto no estacionamento e fui até o lago em que eu costumava ir com a minha irmã antes de tudo acontecer. Ela costumava ser minha melhor amiga; eu poderia contar qualquer coisa para ela e ela me entenderia (ou tentaria), como da vez que que vi meu tio batendo na tia Hannah mas não fiz nada.
Ainda lembro do dia em que cheguei em casa e aqueles oficiais da polícia estavam empurrando minha mãe, algemada, como se ela fosse um nada. A herança de minha vó foi o suficiente para pagar a fiança, mas não para apagar tudo aquilo que as pessoas gritavam para mim, e ecoava dentro da minha cabeça.
O balanço ainda estava lá, como da ultima vez.
- Mais alto, Lou. Por favor! - ela sorria como se tivéssemos 8 anos novamente. E eu a empurrava, cada vez mais alto, pra ela se sentir um pouco mais perto do céu, e mais longe de seus problemas.
Droga. Eu odiava chorar, e ela sabia disso, e agora eu estava chorando por sentir sua falta. Meu pescoço doía pois estava a alguns minutos observando o céu; então notei que começava à chover, e eu não gostava de andar se moto na chuva, então eu precisava ir.
Mesmo indo devagar, o vento batia contra meus olhos fazendo chorar novamente, mas dessa vez era involuntário.
Quando me dei conta, já estava no meu velho bairro, observando todas aquelas casas com suas pinturas vibrantes e a minha, com um cinza desbotado pelo tempo. Uma música alta tocava, e eu quase podia ter certeza que os gritos de Kurt Cobain estavam vindo da minha casa.
Abri a porta e me vi diante de uma mulher com expressão cansada, cabelos ruivos desgrenhados e uma garrafa de whisky, que dava alguns goles entre um verso e outro da música que estava cantando junto do rádio. Era minha mãe.