Jardim de Ossos - Parte 2

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Meu irmão quase caiu pra trás com a minha sugestão.
-Dididi-jeeeito-neeenhum.-gaguejou de forma humilhante.
Revirei os olhos tentando parecer corajoso e o puxei pela camisa.
-Faça silêncio. - disse pra ele e reforcei a ordem colocando a mão sobre a sua boca.
Assustado ele concordou movimentando a cabeça. O sono que antes que envolvia agora havia desaparecido por completo. Desci degrau por degrau da velha escada empoeirada e estava quase arfando quando cheguei a sua base e dei de cara com a porta. Disse pra mim mesmo que se ela estivesse fechada eu daria meia volta e esqueceria o ocorrido. No entanto, quando girei a maçaneta está abriu com facilidade, o que é bem estranho convenhamos, já que aquela porta em questão estava abandonada a séculos. Mas parecia que alguém lhe colocará um olhinho nas juntas recentemente. Abri a porta por completo e entrei no porão. O lugar estava realmente sujo e havia casas de aranhas nos mais diversos lugares. Mas o que era realmente estranho e intrigante eram as posições dos móveis, que pelas marcas no chão pareciam ter sido movidos recentemente. Felizmente não havia ninguém lá. Andei mais um pouco pelo lugar, sempre sendo seguido pelo medroso do meu irmão. E estava quase indo embora quando notei o brilho da luz. Algo completamente estranho em um lugar sem qualquer iluminação além da lanterninha do meu celular. Andei em direção à luz e encontrei uma portinha baixa e larga que dava diretamente para o jardim.
Baixei-me energicamente e passei por ela, incentivando o meu irmão a fazer o mesmo. Depois de algum tempo me aborreci com a indecisão de Julian e seguir em frente sozinho.  Quando este notou que acabaria por ficar sozinho rapidamente me seguiu. Fiquei tremendamente aliviado pelo sucesso do meu plano.
Foi meu irmão que arduamente cutucando meu ombro me chamou a atenção para as pegadas no chão. Eram pegadas grandes e visivelmente masculinas. Corajosamente seguimos o rastro até um grande arbusto alto. Embreei-me no meio do mato e puxei meu irmão atrás de mim. Parei no meio do percurso quando ouvi o barulho. Havia alguém cavando o terreno. Olhei em volta, estávamos na parte mais distante da casa, no fim do jardim onde ficava a velha e abandonada casinha de flores que era rodeada de um terreno abandonado e cheio de entulhos e vegetação rasteira e espinhosa. A direita de onde estávamos visualizei uma figura masculina. Demorei um pouco para identificar tal silhueta e acabei por descobrir que se travava do velho jardineiro da casa. Trabalhador antigo que foi mantido pelo meu pai. Era desdentado e ranzinza, mas não costumava perturbar ninguém. Estava quase ficando aliviado, afinal o velho devia apenas esta prolongando seu horário de trabalho. Infelizmente o alívio durou pouco. Aqui vão os dois principais motivos da minha súbita agonia. 1° A vala era grande demais para plantar florezinhas e 2° O saco preto que estava ao lado do velho era grande demais pra ser de mudas.

Acredito que meu irmão também notou o fato, pois acabou por gritar assustado. Denunciando assim nossa localização. O puxei para fora dos arbustos e corri o mais rápido que pude. Não havia andando muito quando tropecei em algo e cai. Senti meu estômago revirar e tive ânsia de vômito ao notar sobre o que eu havia tropeçado. O grito saiu agudo e assustado quando levantei a mão e toquei o rosto da caveira que se sobressaía no chão. Levantei debilmente e tive apenas tempo de notar o porquê de não nascer mais nada naquele terreno em questão. Ele já estava ocupado demais. Ossos dos mais diversos lugares agora se deixavam aparecer. Fiquei tão horrorizado com aquela visão que não percebi a chegada do jardineiro. Este puxou meu irmão pelos cabelos e bateu-lhe nas costas com a pá. Meu irmão caiu desmaiado, sangue vivo escorrendo. Tentei me arrasta em meio aos ossos apodrecidos. Mas ele me puxou pela perna e me arrastou. Fui levado até a cova onde já se encontrava o saco preto e fui atirado lá dentro. Tentei me levantar e meus esforços inúteis apenas servirão para mover o saco o suficiente para que eu pudesse ver o rosto desfigurado do meu pai. Gritei com todas as minhas forças enquanto o velhote jogava terra sobre a vala e gargalhava tremendamente.
-Vocês garotos facilitaram bastante o meu trabalho- seu sorriso era muito aberto e mostrava os poucos dentes já podres, baba escorria no canto da boca. -Sua mãe também está aqui que tal da um "oi" pra ela.
Deixou a pá de lado e puxou outro saco preto. Levantou o cadáver inerte de minha mãe e segurando sua mão fez ela me da um último aceno. Minhas lágrimas se misturavam com o sangue do meu pai.
A terra continuou a cair sobre mim, e ao longe eu ainda podia ouvir o som estridente da música que eu havia escolhido e que se misturava com as gargalhadas do jardineiro. Agora era minha marcha fúnebre. Aquele velho jardineiro não parecia satisfeitos em plantar rosinhas. Seu mais querido jardim era constituído de nenhuma cor, de nenhuma vida e de um caloroso medo. Aquela gargalhada estridente foi o último som que ouvi.

Jardim de Ossos - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora