CAPÍTULO 2

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Amor à primeira vista? Baboseira! Mas antipatia à primeira vista? Muito plausível.

Ainda não sabia as razões que me levaram a não simpatizar com o affair de Daryl; talvez a invejasse, ocorreu-me. Talvez o invejasse também por ter seguido em frente e superado nosso transitório romance. Estas eram as razões superficiais, todavia. Afogada pela voz da futilidade, o instinto que tanto me alertara nos últimos meses sobre ameaças de todos os tipos enviava certas vibrações negativas sobre a garota Lisbeth. Paranoia? Possível opção, no entanto, tratar este tipo de alerta com leviandade nunca me beneficiara.

Mas essa noite? Essa noite eu queria esquecer. Este era um dos raros momentos onde poderia desfrutar da liberdade que nunca valorizei, das interações com os humanos que sempre desprezei. Quem diria que Melissa Saccer, a garota antissocial, sentiria falta de coisas tão triviais? O mundo é mesmo a droga de um lugar cheio de surpresas.

Minha rotina de estudos voltaria ao normal amanhã. Não sabia que meios o Clã bolara para me monitorar — dispositivos de rastreio e câmeras de segurança espalhadas em cada centímetro do prédio acadêmico? — mas, por experiência pessoal, sabia que me faria querer berrar e bater a cabeça contra a parede um milhão de vezes. No lugar disso, virei dois shots de tequila em menos de dez segundos com um punhado de estranhos excitados me incentivando.

No centro do salão, me entreguei à dança com as minhas amigas Chloe, Peighton, Sharon e Megan. Nós rimos e nos divertimos ao som de Elliphant. Por fim, os sentimentos inflamados em meu peito cederam, e eu me sentia surpreendentemente relaxada. Megan se encarregara de me apresentar a dezenas de pessoas que seriam da nossa turma esse ano, enfatizando que eu havia sido a última rainha do baile de boas-vindas. Eu revirava os olhos e dizia que isso não era grande coisa, um comportamento blasé que não me vestia bem.

A festa cumprira seu papel de sedativo, impedindo-me de sentir o doce veneno das aflições correndo por minhas veias, transportando-me para um lugar entre o Paraíso e o Inferno.

— Preciso ir ao banheiro — eu disse, em meio à partida de poker.

— Eu vou com você — fez Megan, lambendo um pirulito em formato de coração.

Abanei a mão.

— Não se preocupe. Volto em um minuto.

— Tem certeza? Você parece bem alta.

— Só não mexam nas minhas cartas. Na volta, devíamos tentar um pouco de strip poker — pisquei para meus amigos à mesa, que riram com entusiasmo enquanto eu me distanciava encenando com a mão um gesto que insinuava sexo oral em mulheres.

A música alta rimbombava entre as paredes, fazendo as estruturas da casa em estilo georgiano estremecer. Segui através do corredor de linóleo do primeiro andar. Um casal conversava calorosamente à esquerda. Duas garotas deitadas ao chão precisavam arrumar um quarto. Deixei minha garrafa de cerveja aninhada ao lado da soleira da porta do banheiro e entrei. Bufei de meu reflexo no espelho: olhos duplamente pesados, maquiagem negra borrada. Ah, a ressaca de amanhã me mataria. Quando terminei de lavar as mãos com um sabonete líquido que tinha cheiro de baunilha, saquei um cigarro e meu isqueiro, abrindo a porta com o pé simultaneamente. Foi então que me esbarrei com toda força no peito de um cara.

Merda — sibilei, observando o cigarro partido ao meio entre meu indicador e dedo médio. Ignorei o sujeito que me pedia desculpa e perguntava se eu estava bem, peguei minha garrafa de bebida e fui embora.

Passando ao longe por meus amigos, que pareciam concentrados enquanto Hierro parecia contar alguma de suas muitas piadas sórdidas, rumei para o meu carro. Meu cigarro havia acabado, mas lembrara de trazer uma carteira de reservada novinha em folha.

Trilogia O Círculo dos Imortais Vol. 2 - Do Silêncio à CondenaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora