A cena me fez querer ser Lucy por um momento.
Mas no momento seguinte eu estava apavorada, meus cabelos da nuca e do braço se arrepiaram e eu senti uma súbita ameaça pairando no ar.
Os olhos de Antony brilharam e ele voltou a beijar Lucy na parede.
Eu corri o mais rápido que pude para fora e comecei a arfar sem entender nada.
Não entendi o que senti e não entrava na minha cabeça qual era a relação deles. Ele gostava ou não de Lucy? E eles faziam aquilo sempre, de deixar os lábios sangrando?
Não sei. Talvez fosse algo entre eles que eu não entendia.
Chamei um táxi no aplicativo, olhei ao redor, ainda com a visão meio turva, e vi Lucy sair da festa vindo em minha direção. O carro apareceu depois de uns minutos, entrei dentro dele enquanto minha amiga se aproximava.
Antony encarava o carro de longe, agora com olhos amêndoa novamente, escorado na porta do carona de sua SUV preta. Eu fiquei olhando ele de dentro do táxi, ainda decidindo o que eu estava sentindo.
O cara loiro que me cumprimentou na festa cochichou algo no ouvido de Antony, este por sua vez deu uma última olhada no táxi, entrou no carro e saiu.
—E ai? Curtiu a festa? -perguntou Lucy-
—Não tanto quanto você -sorri incomodada, ela me devolveu um sorriso travesso - Então o que foi aquilo? Foi só um affair ou é algo mais sério?
—Sempre foi mais sério, ele é teimoso no entanto. -Lucy suspirou- A primeira vez que o vi houve uma explosão no posto da rodovia e ele me ajudou, me tirou da fumaça. No começo era gratidão, mas depois se tornou atração. Ele passou a aparecer mais. Começou a frequentar a mesma escola e o café onde eu trabalhava. No fim, nos beijamos em uma festa e daí ele me olhou com um olhar frustrado, decepcionado e foi embora, meio que cortou o contato comigo. Quando fui atrás, ele me disse aquilo que já lhe contei.
—Sinto muito -passei a mão em seu ombro- Mas vocês se acertaram?
—Não sei. -ela estava pensativa- Ele não disse nada depois daquele beijo, só passou a mão na testa e saiu.
Quando terminamos nosso pequeno diálogo, vi uma coisa pela janela, pedi para o motorista parar e ele freou bruscamente ao notarmos um corpo no chão.
Era o corpo do rapaz que me abordou na festa, ele agora estava jogado no chão, sangrando.
—O que foi? Esqueceu algo? -Lucy perguntou-
—Não. -apontei pela janela- Tem um cara jogado ali.
—Deve ser um bêbado que brigou com alguém. -ela bocejou- Vamos embora.
Enquanto seguimos caminho, liguei para uma ambulância, Lucy desceu na casa dela e fui para a minha.
Cheguei cansada, bêbada e meio perturbada com a cena de Antony e Lucy. Eu não entendo, mas vê-los juntos me incomodou, talvez por saber do histórico deles, talvez por estar minimamente interessada nele. Tirei a maquiagem, tomei uma ducha e fui dormir.
Ao amanhecer fui tentar fazer o trabalho de história.
Primeiro li o livro sobre as tribos e suas lendas. Achiara possuía um diferencial na questão indígena. Os índios que habitaram a cidade previamente eram greco-indígenas, ou seja, eram uma mistura de gregos imigrantes com índios nativos.
Contudo, segundo as histórias da tribo explanadas no livro, todos os gregos imigrantes foram caçados e famílias dizimadas, pois os índios nativos haviam descoberto a maldição que eles trouxeram para suas terras.
A "Maldição da Lua", tornou os filhos de índios nativos com gregos, os mestiços, escravos da Lua e todas as vezes que ela aparecia em seu ponto mais forte, a Lua cheia, eles ficavam submissos à sua fúria e poderiam matar até mesmo sua família.
Apesar de que os lobos eram parte sagrada das tribos, os índios os caçavam pela manhã como tentativa de acabar com as mortes por ataque de lobo, pois a maldição fazia com que os mestiços se tornassem lobisomens, de forma que não havia como distinguir os lobos de verdade dos mestiços.
O número de lobos, porém, já era imenso e logo ultrapassaria o número de não-lobos. Dessa forma os índios decidiram migrar para outras partes da mata e alguns foram para as áreas urbanas. Essa história explicaria o motivo de vários lobos morarem na floresta e esta ser no mínimo perigosa.
Segundo a história da tribo Bøthan, uma curandeira apareceu na região e prendeu os lobisomens em algum tipo de cúpula, que os impede de sair dali. Além disso contaminou a água do rio com uma substância que os enfraquecia e deixava sua transformação descontrolada apenas no primeiro dia da fase mais forte da Lua, isso significa que no primeiro dia de cada Lua Cheia, os lobos estariam fora de si por uma noite.
Já estava ficando fascinada com a história quando recebi um telefonema da minha tia Ellen.
—Oi tia? -atendo-
—Kal você sabe onde fica a entrada para o porão certo? -ela perguntou- Embaixo do tapete do escritório. -ela mesma respondeu-
—Sei... -respondi imaginando quando ia terminar a conversa para voltar a ler o livro-
—Poderia acalmar o coração da sua tia e dormir por lá hoje? -ela disse com voz de quem mastigava algo- Fiquei sabendo pela meteorologia que provavelmente vai chegar um tufão em Achiara. Pode fazer isto?
—Tudo bem. -falei- Te vejo daqui uns meses tia... te amo também. -terminei a ligação-
Peguei meus cobertores, comida e notebook e levei-os para o porão. Arrumei a coisa toda de moro a ficar bem confortável para continuar minha leitura. Voltei a ler, fascinada nas lendas de lobisomens.
Eu era uma pessoa muito apegada aos contextos culturais e aquilo claramente me chamou atenção. Tinha noção de que tudo era muito fantasioso, mas saber que existem pessoas que cultivam essas histórias era no mínimo intrigante.
Lembro-me de uma vez na matéria de história inglesa, que eu fiz uma pesquisa detalhada da árvore genealógica da família real, só para ter conhecimento sobre as situações que cercavam o contexto da Guerra das Rosas e eu me senti naquele tempo. Para quem conhece essa sensação, sabe o quão empolgante é, e eu estava sentindo isso novamente.
O livro também citava uma coisa que a curandeira fez, uma coisa conhecida como Maldição do Alpha, porém a página seguinte havia sido arrancada.
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Fadada ao Alpha
Про оборотней"Toda tribo possui lendas, maldições, rituais e tradições. Em um desses episódios, um lobo em especial foi castigado e passou essa punição aos descendentes. Desde então todos os Alphas da tribo são amaldiçoados." Kalena é uma colegial comum, que pas...