Princípio do Fim

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"O otimista é um tolo. O pessimista um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso."  

Ariano Suassuna


Era uma tarde de domingo e o céu estava completamente coberto por nuvens escuras e cinzentas, nenhum raio de sol à vista. O calor, como de costume, continuava escaldante. Um termômetro na esquina marcava intensos 49 oC, mas como fora combinado, lá estavam eles, os três sócios da GreatGens. Estavam sentados no terraço do Bootstrap Café. O vento soprava de leve e os juazeiros do jardim amenizavam um pouco aquele mormaço infernal. Pelo visto já haviam pedido um café e pareciam animados, provavelmente discutindo assuntos da semana passada.

Como outras pessoas que ali estavam eles também quiseram sentar do lado de fora. No interior daquele local o calor parecia mesmo muito pior. Com os racionamentos de energia cada vez mais frequentes, raramente se ligava o condicionador de ar. Com a língua de fora e sentado no chão, bem ao lado deles, também estava Giko, que acompanhava Enrique por quase todas as partes, até mesmo em Marte, se preciso fosse.

Enrique conheceu Giko quando ele era apenas um filhote fugindo em meio a um protesto de ativistas ultrarradicais contra as práticas duvidosas de um laboratório de engenharia genética. Além de uma evidente heterocromia, provavelmente Giko possuía alguma outra mutação genética, que apesar de desconhecida, não afetou em nada o seu desenvolvimento canino.

Assim, Giko cresceu saudável e muitos o confundiam agora com um distinto Jack Russel Terrier de olhos bicolores, um cinza e outro verde. Ele era um cão de pequeno porte, tinha o pelo curto, levemente arrepiado e todo branco, com exceção da cabeça, onde o pelo nascia caramelo. O focinho, marrom-café.

Giko usava apenas uma velha coleira vermelha de identificação. Era moderado e proativo em praticamente tudo. Ele parecia sempre atento às conversas dos humanos e, claro, parecia que já nascera inteligente, dinâmico e corajoso. Sem dúvidas, Giko era um desses grandes amigos que muitos gostariam de ter por perto.

Apesar do calor nada confortável, eles estavam ali porque era o ponto de referência mais próximo da empresa deles, a GreatGens. Além do café, é claro! Eles aguardavam Paulo, um velho amigo de Enrique que estava trazendo um curioso material biológico, que em breve deveriam analisar. Até aonde sabiam, esse material se tratava de um raro e desconhecido besouro capturado nas redondezas do Parque Nacional Serra da Capivara e que fora interceptado no aeroporto, graças à ação dos guardas do IBAMA e agentes da Polícia Federal.

O Parque Nacional Serra da Capivara está localizado no Estado do Piauí e fica a cerca de 950 km de distância de Campina Grande, que também era conhecida como Cidade da Inovação e onde eles estavam nesse exato momento.

...


De volta ao inesperado acidente com o DroneBee, a coisa mais terrível sobre isso, talvez, fosse a mensagem implícita de alerta sobre os grandes riscos que se aproximavam. Bom, pelo menos assim se mostrava a situação para aquelas três pessoas ali sentadas, que na verdade já não aparentavam a mesma tranquilidade de antes.

― É... Parece que isso está se tornando cada vez mais comum, principalmente em dias mais quentes, exatamente como hoje! Outro dia também encontrei uns desses caídos na janela da cozinha lá de casa. Mas... se não me engano, deviam ser de outra empresa. As cores desse aqui são diferentes, comentou Judith, posicionando a câmera do tablet para escanear o QR Code, que geralmente identificava a empresa responsável pela produção daqueles minúsculos insetos eletrônicos. Ela aproveitou e também tirou uma fotografia.

― Mas vejam que gracioso... O mundo está a mínguas e você pensando no álbum de fotos, comentou Rafael, expondo aquele seu senso de humor peculiar de sempre.

― Relaxa Rafael, as melhores fotos são espontâneas e inesperadas. Judith deu uma boa gargalhada assim que tirou uma foto de Rafael com a camisa suja e os óculos ainda embaçados com resquícios de café. Giko se levantou, deu um latido e começou a balançar a cauda. No mínimo concordava com Judith.

― Boa Judith! Quero ver essas fotos com calma depois. Quando puder, me envia no e-mail todas que você já tem, por favor. A temperatura global desse jeito que vai e a falta de lítio no mercado só piora a situação para todos. Afinal de contas, sabotagem ou interferência cruzada na comunicação desses drones é quase impossível... Pelo menos, com essa criptografia inviolável que dizem ter. Quanto à temperatura, Enrique se referia à perda de funcionalidade das baterias de íons lítio, muito comum acima dos 40oC.

- É verdade, esses bichinhos usam criptografia quântica. Bom, pelo menos todos sabem que precisamos encontrar uma solução urgente para tudo isso ou... Judith defendia seu ponto de vista quando foi interrompida por Rafael:

- Ou... pelo menos já temos alguém para fotografar nossos últimos momentos aqui na Terra... Judith apenas respondeu olhando-o de canto, com desdém e sorriso de revanche.

Esses pequenos drones em forma de abelhas se tornaram muito comuns a partir de 2030 e estavam presentes por praticamente todas as partes, principalmente nas proximidades de grandes plantações. Foram criados com o objetivo de mimetizar o sagrado trabalho das abelhas, já que um fenômeno, aparentemente misterioso e conhecido como Distúrbio do Colapso da Colônia, havia dizimado praticamente todas as espécies de abelhas em todo o mundo. 

Esse fenômeno havia sido observado pela primeira vez, muito esporadicamente, na década de 1990, mas voltou com enorme intensidade a partir de 2006, em várias partes do planeta. Inclusive, nesse mesmo ano, um terço da população de abelhas dos EUA havia desaparecido, misteriosamente. E claro, além de deixar agricultores e apicultores preocupados, isso passou a despertar grande curiosidade e certo desespero entre a comunidade científica global.

Logo no início desse fenômeno, houve um grande temor de que as abelhas pudessem se reduzir a uma quantidade tão elevada, que se tornaria praticamente impossível recuperá-las. Aliás, ninguém menos que Albert Einstein haveria alertado a todos sobre mais essa sutil possibilidade em nosso sistema solar: se um dia as abelhas desaparecessem, seguiríamos o mesmo destino em poucos anos. O grande perigo, talvez, fosse o mundo se acabar em trágicos conflitos muito que os alimentos. 

Infelizmente, a primeira parte dessa sua previsão catastrófica, de fato, acabou acontecendo e, por muito pouco, todos não sucumbiram de uma vez. Afinal de contas, as abelhas sempre foram as grandes responsáveis pela polinização de inúmeras plantas. Sem elas, graves desequilíbrios ambientais poderiam ter acontecido, prejudicando inclusive cerca de dois terços da alimentação humana ao redor do mundo. Enfim, entre o bater de asas da última abelha e o derradeiro fruto colhido no campo, o Caos poderia ter sido mesmo irreversível. (8)

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INS3CTUMWhere stories live. Discover now