Dominic - I

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- Horizonte Azul -

Reclinado na varanda, diante daquelas enormes construções, uma coleção de arranha-céus, o fim do dia se aproximava com o sol dando seu adeus lento e reluzente, escondendo-se aos poucos no horizonte, um horizonte tomado de prédios, aquela modernidade me causava repulsa.

Entrei em meu apartamento, que fazia questão de me lembrar o quão hipócrita eu sou, repudiando a modernidade e vivendo nela, talvez o verdadeiro significado de repúdio seja enojar aquilo que se queria ter mas não se pode. Mas ao menos eu tentava disfarçar a modernidade com meu excêntrico gosto rústico e extremamente amadeirado, com uma sala que lembrava mais um pequeno palacete de madeira. Peguei meu cigarro e me acomodei em uma poltrona, a fumaça subindo lentamente, enquanto meu ânimo fazio o oposto.

Incrível como num aglomerado de pessoas como as cidades, você ainda consegue ficar sozinho, era patético ter que ser um único joio no meio do trigo, a plantação perfeita que vive no campo perfeito, era questão de tempo até o joio ser ceifado.

Me levantei calmamente, peguei aquele quadrado assimétrico e coloquei na lingua, aquilo era patético, eu sabia que era só uma distração, só me fazia ser menos, e eu repugnava qualquer que usasse isso, mas como um grande hipócrita praticante eu mesmo usava, sem saber por quê, sem ter motivo, nada é motivo pra isso, mas eu não esperava entender minha relação e aquele sorriso. Aliás, acho que era o único sorriso verdadeiro que eu via em anos, mereceu até uma olhada no espelho.

No reflexo eu pude ver o rapaz que eu era, mesmo com uma certa idade, 25 anos pra ser exato, já tinha minhas rugas em contraste com os cabelos bem arrumados e a boca delineada da juventude, coberta pela barba mais fina que eu já havia visto. O sorriso na minha língua estava me olhando, mas pude ver a linha torta do seu desenho.

- Imperfeito... - falei mordendo a quadrado.

Suspirei.

- Vai começar.

Voltei para a varanda e voltei a me apoiar sobre a mesma

Devagar, o efeito da droga veio tomando conta de mim, e eu me via no reflexo do arranha-céu na frente da minha varanda. Queria poder enxergar meus olhos, pra ter certeza que era eu mesmo.

Fiquei ali, me encarando, a figura esbelta, sem modéstia da minha parte, e tentava entender o que eu era, ou melhor, o que eu não era.

Meu amigo surge do meu lado, um ser corpulento e pálido, com uma máscara azul, seu cabelo colorido brilhando com a luz do entardecer. Ele nunca falava muito, só me abraçava, e falava que eu não estava só, eu não sabia quem ele era nem de onde vinha, mas era bom ter sua companhia. Sempre impecável, com seu terno cor de creme, e não preenchido com seu corpo magro, ele usava uma gravata azul, combinando com a máscara. Eu deveria me assustar, mas sabia que ele não era real, era mais outro alguém passageiro da incrível trajetória do magnata Dominic.

- Hoje vai ser diferente - ele falou calmamente com sua voz áspera - me abraçe antes de começar.

- Tá bom - eu falei me aproximando dele.

Nos abraçamos. Mas percebi que ele me levava devagar pra perto do parapeito, perto demais.

Quando percebi, estávamos a um ponto de cair. Eu encarei aquela face coberta pela máscara azul sem expressão, esperando o que ele ia fazer. Mas não demorou muito, até que a máscara sólida soltasse um sorriso perverso e me empurrasse edifício abaixo.

Suspirei antes de cair, olhando para aquele lindo céu do entardecer, que outrora fora alaranjado, e agora estava azul, o azul mais o escuro que eu já vira.

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