A Presidente e o Ladrao

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No fundo, eu estava torcendo para que alguém ligasse para a polícia o mais rápido possível, porém, como afirmou Isabela e deixou o pessoal de queixo caído, ele é o afilhado da prefeita e ainda era um colega meu de infância.
Quando o avistei dentro do rodízio, ele não parecia ser aquele menino que brincava comigo e ainda implicava. Estava diferente demais nos aspectos físicos e faciais. Eu nunca o reconheceria dessa maneira e, se fosse comigo, eu já estaria com ele e os policiais dando uma conversa.
Infelizmente, isso não aconteceu, pois ficamos ali parados no mesmo local, porque minha madrinha ligou para a prefeita imediatamente. Esperei na porta da pizzaria, contando quem entrava ou quem saía inutilmente. Nessa brincadeira, eu não havia reparado o amigo dele saindo do estabelecimento.
José Henrique ficou ali parado perto da minha mãe e ela o encarando feio. Ela tem motivos para ficar revoltada, pois aquele carro era caro demais e ela havia conseguido muitos momentos doidos dirigindo nele, como o dia em que ela me levou pra escola no primeiro dia de aula cantando no caminho juntos.
Caminhei até ele, chamando atenção com um chute leve em sua canela. Ele me olhou de cima a baixo, cruzando os braços como se estivesse me desafiando. E vem briga...
- Você não mudou nada. - riu baixo - Até parece que continua com a mesma altura e carinha de gay.
Eu não havia dado essas liberdades para ele falar assim comigo.

- Por isso não te reconheci. - respondi. - Está parecendo que fez uns altos bicos na esquina. - sorri de canto - A prefeita sabe que você saí à noite para isso?
- E a sua? Sabe? - jogou o rosto para trás - Se você fosse assim, sensual tipo eu, você atrairia menos clientes. Pena que eu não trabalho junto contigo.
Que cara metido!
- Claro. Você é de outra esquina - eu já estava perdendo a paciência com ele, estava desviando totalmente do assunto central - Cadê o seu amigo?
- O Lucas? Ficou lá pagando a conta. Ele mora aqui e não queria me levar para casa hoje, então eu iria roubar o carro da sua mãe. - responde com naturalidade, como se esse crime fosse a coisa mais normal do mundo.
- Mas isso é crime...
- Mas eu gosto de roubar! - elevou a voz - Algum problema com isso?
- Todos! Quer ser pego pela polícia?
José Henrique começou a rir baixo, abafando a risada de leve com a mão esquerda. Estranhei na hora.
- Posso morar com a Alissa, porém posso ser preso. O delegado Gabriel nunca desconfiou dos meus roubos, já que há muitos ao mesmo tempo e ele vive sempre ocupado.
- E a sua madrinha?
- Óbvio que ela sabe. Por isso está querendo me "despachar" da cidade quando as férias acabassem. - revira os olhos ao falar dela, mas logo depois um sorriso travesso surge em sua face - Ainda tem tempo. Aproveitando que você está aqui, posso te roubar um pouquinho.
- Sem chance, José Henrique! - me afasto, protegendo os bolsos.
- Rick. - corrigiu - Me chama de Rick, ou Henrique como você dizia antes. E te chamar de Bernardo me cansa.
- Pode chamar de Lareia ou Bear. Menos Gato, isso é coisa da Gabi.
- E eu te chamaria de Gato? Coisa que você não é? - riu sarcástico.
- Olha quem fala - murmuro.
- Eu sou lindo, Lareia. Muito lindo. - ajeitou o cabelo e ainda piscou para mim. Eu não terei paciência para atura-lo.
Do outro lado da rua, uma BMW foi estacionada logo em frente ao rodízio. Ouvi um barulho de um salto alto ao tocar no chão e vi uma mulher de cabelo escuro sair dali. Ela era magra, vestia roupas formais e irradiava um ar de superioridade. Quando ela nos encarou, pude ver que em suas feições era descendente de asiáticos. Ela só pode ser a prefeita.
A asiática fechou s porta do carro e atravessou a rua, com um olhar de ódio. Estremeci, mas percebi que ela não estava se direcionando a mim. Em uma reação inesperada, chegou perto de Henrique e puxou sua orelha.
- Olha aqui moleque, não aguento mais seus roubos nessa cidade. À anos estou escondendo você do Gabriel, mas prometeu que iria parar. Estou doida para que vá junto com Isabela e sumir da minha frente! - soltou sua orelha, com a voz ameaçadora o suficiente para que o Rick arregalasse os olhos - Você está acabando com o meu mandato!

Com a maior coragem do mundo, minha mãe tocou-lhe o ombro. Eu pensei que ela iria atacar, ou algo parecido, mas só a olhou como um predador.
- A prefeita, não é? - se apresentou - Sou Mariana, a dona do carro. - estendeu a mão.
Alissa a analisou de cima a baixo, como se estivesse a conhecendo. Deu um sorriso e a abraçou.
- Oi Mari! Eu lembro de você...- do nada ela mudou de expressão - Quer dizer, prazer.
- Alissa Gente! - minha mãe se empolga, porém volta a posição pois cera um assunto sério. - Bem, como eu iria dizendo, desculpa tirar dos seus afazeres, mas seu afilhado tentou roubar meu carro.
- Estou sabendo disso. Ele tem que aprender uma coisa chamada limite - dá um tapa discreto na cabeça do moreno, fazendo resmungar baixo.
- Eu iria usar rápido para ir em casa! Eu iria devolver! - mentiu.
- Se estivesse querendo ir para casa, teria me ligado ou chamado um táxi! - responde, dando-lhe outro tapa.
- Alissa! - gritou Isabela, saindo de trás de Gabi e lhe dando um abraço, em que a mesma retribuiu. - Como está?
- Um pouco mais ocupada agora. Fiquei sabendo que o Kaio, o meu vice, foi atropelado enquanto atravessava a rua por uma motorista de tranças no cabelo. Então, para ele, está um pouco complicado para andar e eu estou assumindo suas responsabilidades.

Ficamos em silêncio e olhamos minha mãe. Minha madrinha deu um sorriso malicioso, Maria disfarçou um pouco fingindo estar desinteressada no assunto e Gabi fez uma expressão incrédula, levando sus mão esquerda no rosto. Por um lado, minha mãe estava arrependida e, pelo outro, interessada em saber sobre o cara que admirou. Estou prevendo um novo padrasto.
- Bem...Ele vai melhorar. - disse Mariana, um pouco corada.
- Eu tenho que ir. - virava-se Alissa - Estou ocupada demais hoje.
- E o José Henrique? - pergunta Gabi, apontando para ele com desdém.
- Ele poderia vir com a gente... - sorriu travessa minha madrinha, estremecendo o Rick - Ficar uns dias lá comigo.
- Não precisa! - levantou rapidamente. - Eu pego um táxi e vou pra casa. Agradeço e desculpa pelo roubo - suas palavras saíram trêmulas e seu andar é desesperado - A gente se vê, Bear. - acena.
- Manda notícias, Rick. E não deixe ser pego - acenei de volta, mas ele nen havia reparado, pois estava caminhando apressadamente.
Maria deu uma olhada na sua tia, que bufou pesado. Que estranho. Por que ela quer tanto estar perto do Henrique? Tem muita coisa aí...

Já era um pouco mais tarde do que esperávamos ficar no Centro e eu bocejei de leve. Eu queria chegar logo em casa, mas antes de sair, esperei as mulheres mais velhas pagarem a conta do rodízio. Gabi encostou-se do meu lado, abraçando minha cintura, arrancando um sorriso da minha boca. Me aproximei do rosto dela, enlaçando os braços em torno do seu ombro, lhe dando um beijo de língua.
Eu adorava a Gabi, mas não tanto quanto um namorado. Acho que alguma coisa com ela era apenas atração, afinal é uma garota bonita. Ela possui pele clara, cabelo castanho, magra e olhos esverdeados. Não era muito baixa, mas de uma altura normal para mim.
Do nosso lado, estava Maria Eduarda, nos olhando com nojo. Eu entendo o caso dela, porque ninguém merece aceitar uma viagem para ficar segurando vela. Só de propósito, dei alguns beijos na Gabi e olhava para ela, rindo.
- Vocês me dão nojo.- resmunga, avistando a mulher de tranças e minha voltarem, sendo a primeira a entrar no carro.
Todos adentraram no veículo, agradecendo a todos os deuses existentes pelo carro ainda inteiro e conosco. Agora sim podemos continuar nossa viagem, apesar de ainda estar com fome de não yer comido o suficiente no rodízio, ou seja, quase nada. Porra, Rick!
Aquela confusão do carro quase roubado, amigo de infância ladrão e a prefeita assustadora havia me deixado cansado. Aos poucos eu iria relaxando no banco de trás e encostando a cabeça nos ombros da minha namorada, que já estava adormecida.
Do nada apaguei, na minha mente estava tudo escuro, mas não por muito tempo.
***
Inesperadamente, apareceu a imagem de uma praia. Era de noite, pouca iluminação, apenas uma fogueira na imensa areia e afastada das ondas. Ali havia um menino baixo, moreno, sentado próximo ao fogo e em frente ao mar.
Pude ouvir os soluços do mesmo, cobrindo a cabeça entre os braços e os joelhos. Ele estava chorando baixo e parecia ser escondido. O menino era familiar.
Logo após apareceu a imagem de outro garoto, um pouco menor que ele, correndo na areia e ofegante, com o suor escorrendo da sua face. Ao fitar o outro sentado, o garotinho deu um sorriso.
- Te achei! - exclamou alegremente. - Vamos Rick! Temos que voltar pra casa! Minha mãe está preocupada conosco!
- Eu não quero ir pra casa - respondeu entre soluços, sem revelar o rosto - Não agora.
- Por quê? Está todo mundo lá! A gente fez uma festa! Está muito legal lá dentro. - tentava anima-lo.
- Não adianta, Bear! Não vou.
Agora eu estava reconhecendo. O menino chorando era o Rick e o outro era eu! Eu nunca tinha me recordado disso!

Olhei em volta, tentando reconhecer onde eu estava. Era uma praia extensa e o mar era um pouco distante da área urbanizada, vendo de longe as casas e até aqui apenas areia.
Uma daquelas casas me chamou a atenção. Uma com um muro branco, pintada com um leve tom de bege por fora, com um portão de madeira e uma varanda com o apoio feito de madeira também, com um terraço e telhas avermelhadas na cobertura. Típica casa de praia. Aquele portão estava aberto e havia algumas pessoas ali, que avistavam a fogueira.
- Vá. - disse Rick baixinho para o eu mais novo - Volte para a festa e aproveite o último dia aqui.
- Só volto se for com você! - fez uma cara emburrada e sentou do lado do Rick menor, abraçando-o.
O mesmo olhou-o, com o rosto inchado e vermelho, sorrindo um pouco. Confesso que isso foi uma cena fofa, mas eu nunca imaginei ter feito algo assim quando era criança. Rick retribuiu o abraço, puxando-o ainda mais para perto, ne deixando sem palavras.
Senti uma mão tocar o meu ombro, um hálito quente em meu pescoço, arrepiando minha pele toda. A pessoa encostou a face perto do meu ouvido e sussurrou:
- Por que não poderíamos voltar a ser assim?
Virei-me para trás, avistando Rick, da maneira como estava hoje, de cabeça abaixada como ele estava na versão menor. Arregalei os olhos, quando tudo se apagou novamente, sentindo duas mãos nos meus ombros me sacudindo.
***

- Bernardo, chegamos. -minha mãe sorriu, me despertando.
Bocejei um pouco, percebendo que já estava no pôr-do-sol. Observo em volta, vendo que já estava na garagem da casa que eu havia sonhado. Saí do veículo, abrindo o porta malas para tirar as minhas coisas que estavam faltando para serem retiradas de lá. Sorte que eu não havia levado muita coisa.
Adentrei na sala, vendi que as meninas já estavam sentadas no sofá. Estava tudo em perfeito estado, sem nenhum pozinho que minha mãe obrigaria a tirar no dia seguinte. Suspirei, subindo as escadas até o quarto.
Como eu iria dormir junto com Gabi, deixei minha mochila ao lado da mala roxa dela, abrindo a enorme janela feita de madeira, avistando o litoral e o sol se pondo aos poucos. Senti ums brisa bater em minha pele, mas nem havia ligado para isso.
Encostei ali, ouvindo o barulho das ondas. Posso odiar praia, menos a vista maravilhosa da minha janela. E ali fiquei, com as imagens do meu sonho voltando a me assombrar.

Continua...

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