Kiawah Island, Carolina do Sul, Estados Unidos

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  Na primeira manhã depois do Natal, no amanhecer antes do nascer do
Sol, Thomas Clarke fazia uma caminhada ao longo da praia de
Vanderhorst Plantation. Ele foi o primeiro, entre os amigos que
estavam na casa de praia, a saudar o dia. A festa da noite anterior
tinha sido muito animada, com vinho e uísque correndo à vontade, e a
maioria de seus amigos bebera até cair. Thomas mostrou mais
controle, mas apenas porque seus pensamentos estavam em outra
parte.
  Ele se arrependera de ter vindo da capital, Washington. Não fora
ideia dele. Seu melhor amigo, com quem estudou Direito, tinha
ouvido falar sobre Priya e o convidara para passar o Natal na ilha.
Thomas estava grato por Jeremy querer fazer companhia a ele, mas toda aquela diversão tinha causado o efeito contrário. Havia muitos
anos que ele não se sentia tão só.
  Ele atravessou as dunas até a praia. O cenário diante dele era
pitoresco - um céu sem nuvens de um rosa pálido, ondas brilhantes
açoitadas por um forte vento e uma enorme faixa de areia.
  Colocando as mãos nos bolsos do casaco, ele caminhava em direção
à linha da água e, então, se virou para o leste, contra o vento. Com
1,89 metro de altura e pesando 80 quilos, seu corpo era talhado para
exercícios. Em circunstâncias diferentes, ele teria feito uma longa
corrida. Mas, nesse dia, ele estava preocupado. Com passadas firmes e
jogos mentais, ele tentava desviar o pensamento buscando assuntos
mais leves. Mesmo assim, de vez em quando, sua mente se rebelava e
via sua mulher em pé ao lado do táxi, lhe dizendo adeus.
  Seu nome era Priya, que significa "bem-amada". Ele se lembrou de
como repetia essas palavras para si mesmo, muitas e muitas vezes,
quando se encontraram pela primeira vez. A inocência dos primeiros
tempos agora parecia surreal. Aconteceram tantas coisas. Tantas coisas
mudaram. Os golpes que vieram tiveram um efeito devastador, e a
trilha que deixaram atrás de si foi de total destruição. Seu olhar,
quando partiu, dizia tudo. Para além da amargura, raiva e desespero,
para além das próprias emoções, havia um vazio. Ela não olhava
propriamente para ele, senão para além dele. Sua história teve muitos
capítulos, muitas etapas. Algumas claras, mas a maior parte foi uma
confusão de culpa e dor. Houve momentos de tragédia e traição,
lealdade relativa e frases não ditas, além de um abismo cultural, que,
na verdade, nunca foi transposto. Mas, muitas vezes, é isso o que
acontece na vida. Sem que se possa prever, um terreno firme se
transforma em areia movediça. A razão dá lugar à loucura e pessoas
bem-intencionadas perdem a cabeça.
  Thomas caminhou até a ponta oeste da costa e fez a volta. A praia
deserta de Vanderhorst Plantation era fria no ar invernal, mas o Sol
nascente cintilando sobre as águas conferia uma sensação de calor. No
caminho de volta para a casa de praia, Thomas apertou o passo. Ele
havia sido criado pelo campeão de atletismo e ex-fuzileiro, que agora
atuava como juiz principal da Corte Distrital Americana no Distrito
Leste da Virgínia, o honorável Randolph Truman Clarke. Jurista de
olhar duro, e mestre dos ritos sumários, era um ardente defensor de
castigos matinais e acordava Thomas e seu irmão mais novo, Ted, para
que pudessem aproveitar o poder estimulante do vento frio no rosto e
a visão do nascer do Sol.
  Quando alcançou a plataforma que o conduziria através das dunas, Thomas parou por um momento, permitindo que a cadência das ondas
acalmasse a sua mente. Ele teria um longo dia pela frente. Esse
pensamento o fez se encolher, mas ele não podia adiar por mais
tempo.
  Durante o período em que ele e Priya viveram na cidade, sempre
passavam a noite de Natal com sua família em Alexandria. E esse ano
ele quebrara a tradição sem maiores explicações. Seu pai manifestara
seu desagrado em poucas palavras, como costumava fazer, mas sua
mãe não conseguira disfarçar seu desapontamento. Ela perguntou,
então, sobre seus planos, mas ele não deu nenhum detalhe. Ele não
tinha forças para contar a ela que Priya havia partido. Entretanto, eles
conseguiram prensá-lo. Sua mãe insistira e insistira para que eles
viessem visitá-los, antes ou depois do feriado, não fazia diferença. Ele
tentou se esquivar, colocando a culpa no excesso de trabalho no
escritório de advocacia, mas o juiz pegou o telefone e interveio.
  - O dia seguinte ao Natal é um domingo - disse ele. - Ninguém vai
trabalhar neste dia. Tenho certeza de que você também pode tirar
uma folga.
  - Mas a festa no escritório ficou para essa noite - Thomas tentou
novamente.
  A manobra ia bem até que o juiz perguntou a que horas começaria
a festa.
  - Oito e meia - ele disse.
  - Então você passa aqui primeiro - o juiz respondeu.
  Ele retornou à casa de praia e fez suas malas. A maioria dos seus
companheiros ainda dormia e a casa estava um desastre. Havia pratos
sujos e copos jogados por toda parte, e o ar ainda estava carregado
com o cheiro da bebida. Ele não invejou Jeremy por ter que cuidar da
limpeza. Seu amigo o encontrou na sala, vestido com uma camiseta
cinza e shorts.
  - Vai sair tão cedo? - perguntou. - Vou fazer panquecas mais tarde.
É o combustível para a viagem.
Thomas passou a mão pelos cabelos escuros.
  - É tentador, mas preciso voltar. A festa do Clayton será essa noite,
e antes eu tenho que jantar na casa dos meus pais.
  - Às vezes tenho a sensação de que o feriado não acaba nunca -
Jeremy respondeu com um sorriso.
  - Muito obrigado por se lembrar de mim - disse Thomas.
  Jeremy bateu em seu ombro.
  - Sei que não é a mesma coisa que passar o Natal com Priya, mas
foi bom vê-lo outra vez. Se eu puder ajudar de alguma forma...
  - Obrigado - Thomas sorriu meio sem graça, pegou sua mala e
partiu.
                                  * * *
  Ele dirigiu até o portão, sentindo-se atordoado e não estava
propriamente satisfeito com a expectativa de dez horas de viagem até
Washington. Ele deixou a propriedade e rumou em direção à cidade
de Charleston. Não havia muito trânsito e ele chegou em 40 minutos.
Ele não estava com pressa, mas a ausência de policiais na estrada o
encorajou a acelerar. Ele fez o máximo para não pensar na casa vazia
esperando por ele em Georgetown, ou no cheiro de jasmim do
perfume de Priya que ainda recendia nos lençóis.
  Totalmente absorto pela pista da Rodovia Interestadual 95, Thomas
sintonizou o rádio em uma estação de música clássica e simplesmente
ignorou o limite de velocidade. O carro rodava tão tranquilo a 140
km/hora como o fazia a 90 km/hora. Pelo meio-dia ele parou para
abastecer e se lembrou de que não havia tomado o café da manhã. Por
sugestão do atendente do posto de gasolina, comprou um sanduíche
de pernil meio engordurado e dirigiu uns oitocentos metros até o
jardim botânico de Cape Fear. A temperatura estava agradável o
suficiente para que comesse um lanche ao ar livre.
  Ele estacionou no local reservado para visitantes e entrou a pé nos
jardins. Era um lugar idílico, com um verde exuberante. Havia alguns
casais passeando; um senhor idoso jogava milho para os pombos e uma
mulher loira tirava fotografias de um homem com óculos de sol
fazendo pose sob um carvalho. Não muito longe dali, uma jovem mãe,
com uma menina de 10 ou 11 anos de idade, seguia pela trilha que ia
dar no Children's Garden. Thomas observava a menina correndo na
frente da mãe e sentia uma angústia familiar. Quando Priya ficou
grávida, ele teve um sonho com sua filha Mohini dando os primeiros
passos no parque Rock Creek. Foi um dos muitos sonhos destruídos
com a morte da menina.
  Ele caminhou até um coreto no meio de um campo gramado, se
sentou nos degraus e ficou olhando até que mãe e filha
desaparecessem no meio da folhagem das árvores. Logo, a moça com a
máquina fotográfica perdeu o interesse em fotografar seu
companheiro e começou a apreciar os canteiros de flores. Ajeitando as
lentes e procurando o melhor ângulo para os cliques, ela vagueava
pelos jardins na direção da trilha que levava ao Children's Garden,
com seu companheiro atrás dela.
  Thomas desembrulhou seu sanduíche e começou a comê-lo. Ficou
observando as nuvens se movendo lentamente e saboreando a tranquilidade do lugar. Passado um tempo, ele olhou para o gramado e
viu que o homem idoso havia se sentado em um banco próximo à linha
das árvores. Todos os outros sumiram de vista. E, por um breve
instante, tudo era serenidade. O ar estava tranquilo, a floresta,
imperturbável, e o Sol de dezembro pendia do céu como uma grande
lanterna.
  Então, de repente, o silêncio foi quebrado por um grito.
Thomas largou o sanduíche e ficou em pé. Ouviu um novo grito.
Era a voz de uma mulher e vinha do Children's Garden. Sua reação foi
instintiva. Em segundos ele estava correndo pela trilha na direção das
árvores. E ele não tinha dúvidas. O grito tinha algo a ver com a
menina.
  Ele entrou correndo na floresta. A trilha estava deserta e escura
sob a ramagem verde. Quando saiu, em meio ao campo, viu a jovem
mãe caída, apertando o estômago com uma das mãos e seu rosto com a
outra, repetindo o mesmo nome sem cessar - Abby.
  Thomas olhou em torno.
  A menina havia desaparecido.
  Ele correu até a mulher e se ajoelhou ao lado dela. Sua face
estava lívida e mostrava os primeiros sinais de uma mancha roxa. Ela
olhou para ele desesperada.
  - Por favor - ela disse com uma voz rouca. - Eles a levaram! Eles
levaram minha Abby! Me ajude!
  O coração de Thomas deu um salto.
  - Quem fez isso? - ele perguntou enquanto olhou outra vez na
direção das árvores.
  - Uma mulher com uma câmera - ela gaguejou, tentando se
levantar. - E dois homens. Um deles me agarrou por trás. - Ela foi
andando na direção das árvores que separavam o jardim do
estacionamento. - Eles foram por ali! Faça alguma coisa! Por favor!
  Nesse momento, Thomas escutou um motor de carro sendo ligado e
logo depois o som de pneus passando sobre o chão de cascalho. Ele
hesitou apenas um momento antes de correr em direção à floresta.
Galhos batiam em seu rosto e ele tropeçou em um tronco, mas,
mesmo assim, não reduziu a marcha de sua corrida. Ele só pensava em
uma coisa - na menina.
  Thomas saiu da floresta bem a tempo de ver um veículo utilitário
preto deixando o estacionamento e tomando o rumo norte, pegou o
telefone celular e discou o número da emergência. A ligação foi
completada imediatamente.
  - Houve um sequestro - disse ele, sem fôlego e tentando pegar suas chaves com a outra mão. - Foi no jardim botânico. Levaram uma
menina de uns 10 anos de idade. A mãe dela está aqui e foi ferida.
Pude ver uma SUV preta, mas não consegui enxergar a placa.
  Ele desligou o celular antes que o atendente pudesse responder.
Abriu a porta do carro, se jogou no banco do motorista, pisou na
embreagem e manobrou o carro até a entrada da rodovia, fez um
desvio para o Eastern Boulevard cantando os pneus e seguiu na direção
do Middle River Loop. Ele dirigiu por uns dois quilômetros na via
expressa acelerando o dobro da velocidade permitida na esperança de
localizar a SUV antes que ela pegasse uma via secundária. Não havia
trânsito, e, mesmo assim, não havia sinal de uma SUV. Dirigiu por mais
uns dois quilômetros na direção da I-95 sem avistar a SUV e, então,
passou para a lateral da via expressa, olhando desesperadamente para
todos os lados. Cada segundo perdido diminuía a chance de sucesso. O
terreno ao norte do Middle River Loop era coberto de florestas e
colinas. Ele olhava alternadamente para os dois lados da estrada,
tentando vislumbrar uma mancha preta contra o fundo verde. Poucos
veículos circulavam pela rodovia, mas não havia sinal da SUV.
  Thomas agarrou com força o volante do carro. A brutalidade do
crime o enraivecia. Na pior das hipóteses, a SUV tinha um minuto de
dianteira. Pelas leis da Física, não poderia estar muito longe. Mas ele
não conhecia a região, e os sequestradores, com certeza, sabiam onde
estavam.
  Depois de um tempo, ele fez o caminho de volta ao ponto de
partida. Durante sua ausência, a entrada do jardim botânico havia sido
cercada por quatro carros de polícia e uma ambulância, todos com as
luzes piscando. Dois policiais estavam postados atrás da ambulância,
observando os paramédicos atenderem a mãe da criança. Outro
policial falava pelo rádio e um quarto estava mais distante, tirando
fotografias.
  Thomas se aproximou do policial que se comunicava pelo rádio e
esperou. O homem falava sem parar e parecia não ter percebido sua
presença. E, antes que Thomas pudesse se apresentar, alguém o
segurou pelo braço. Ele se virou e viu a mãe da menina. Seu olhar
brilhava e suplicava.
  - Por favor, diga que os encontrou - ela implorou, afastando a
enfermeira que tentava levá-la de volta para a ambulância. - Por
favor, diga que sabe para onde eles a levaram.
  Ele apenas balançou a cabeça, com o fracasso pesando sobre seus
ombros.
  - Oh, meu Deus! - a mulher gritou. - Oh, meu Deus do céu - Ela extravasava sua dor através das palavras. - Ela faz 11 anos hoje. Eu
queria levá-la ao cinema, mas ela preferiu passear no jardim botânico.
- E, de repente, ela se jogou nos braços de Thomas e afundou a
cabeça em seu peito.
  - Eu devia ter dito que não! - Ela chorava e soluçava
descontrolada. - Como é que isso pôde acontecer? - Thomas não sabia
o que fazer. Ele trocou um olhar com um dos policiais, que tentava
intervir, mas ele tinha um jeito seco e pouco afetuoso. Passado certo
tempo, a mulher conseguiu se recompor e se soltou dele. - Desculpe-
me - disse ela, dando um passo para trás. - É que... - Ela envolveu o
próprio corpo com os braços. - Abby é tudo o que tenho. Eu não posso
perder minha filha. Eu não sei o que faria.
  Aproveitando a oportunidade, a enfermeira segurou sua mão.
  - Venha, Sra. Davis. A polícia fará tudo que estiver ao seu alcance.
Vamos cuidar da senhora.
Dessa vez a mulher não fez nenhuma objeção.
  Thomas se manteve imóvel, ao mesmo tempo comovido e
perturbado pela cena.
  O policial que falava ao rádio começou a lhe fazer perguntas sobre
o incidente e ele as respondia, mas seu pensamento estava em outro
tempo e lugar; vagava por um outeiro no cemitério de Glenwood,
colocando flores no túmulo de sua filha.
Foram necessários quinze minutos para completar seu depoimento.
Quase no final, um carro sem identificação parou no estacionamento e
dele saiu um homem alto com roupas civis. Depois de falar com um
dos policiais que estavam perto da ambulância, o homem se
aproximou de Thomas.
  - Sou o detetive Morgan e trabalho para o departamento de polícia
de Fayetteville. Fui informado que foi o senhor que ligou para a
emergência.
  - Fui eu - Thomas confirmou.
  - Posso saber por que o senhor tentou perseguir o veículo?
  Thomas deu de ombros.
  - Sei lá. Acho que queria ajudar.
  - O policial Velasquez, que está ali, informou que o senhor viu os
suspeitos.
  - Eu os vi de longe. Eles pareciam qualquer outro casal que você
encontra em um shopping center. Na hora, não notei nada de
diferente neles.
  - Você seria capaz de fazer o reconhecimento deles?
  - Não tenho certeza. O homem pode ser que eu reconheça, mas a mulher não.
  O detetive olhou para ele com curiosidade e perguntou:
  - Com o que você trabalha, se não se importa que eu pergunte?
  - Sou advogado em Washington. Por quê?
  O detetive sorriu com ironia.
  - Um advogado altruísta. Não existem muitos no mundo.
Foi um comentário inútil e Thomas sentiu uma ponta de irritação.
Ele deu uma olhada na ambulância e viu que a mãe da menina estava
sendo tratada de lacerações nos punhos. Havia algo sobre o incidente
que o incomodava. Algo não batia.
- O que aconteceu aqui? - perguntou. - Como isso aconteceu em
plena luz do dia? Quanto mais eu penso, mais acredito que houve
premeditação.
O detetive cruzou os braços.
  - Não sei o que responder.
  - Você está me dizendo que este é um crime comum? Estamos na
Carolina do Norte, não no México.
O olhar do detetive escureceu.
  - Não vou dizer que foi um crime comum, nem que não foi. -E
abaixou o tom da conversa. - Se isso servir de consolo, vai ter muita
gente boa trabalhando nesse caso. Pode ser que a polícia federal seja
chamada. Faremos todo o possível.
  - Não duvido. Mas isso significa que vão encontrar a menina?
O detetive desviou o olhar para a floresta e, por um instante,
baixou a guarda.
  - Eu não vou mentir para você. As estatísticas não são boas.
  Thomas respirou fundo, sentia-se como se alguém tivesse enfiado
uma faca em suas entranhas. Ele agradeceu ao detetive e se despediu
com um aperto de mão. O detetive lhe deu um cartão.
  - Aí tem meu telefone, se você se lembrar de mais algum detalhe
sobre o caso. E verifique sua caixa de e-mail. Pode ser que a gente
tenha mais perguntas a lhe fazer.
  Thomas assentiu com a cabeça e foi andando de volta ao seu carro,
com as palavras da mãe da menina ressoando em sua cabeça: "Abby é
tudo o que eu tenho. Eu não posso perdê-la". Tentou esquecer o
desespero da mulher, mas foi inútil.
                                 * * *
  Ele passou o restante da viagem até Washington em um estado de
torpor mental. As cenas do sequestro se reproduziam em sua mente
sem cessar. Se pelo menos tivesse pressentido o perigo e avisado à
mãe de Abby para não seguir pela trilha. Se tivesse percebido as más intenções daquela mulher com a câmera e de seu companheiro. Se
tivesse agido mais rápido e pegasse o carro antes de ligar para a
emergência. O que será que os sequestradores pretendiam fazer com a
criança? Será que pediriam resgate, ou seria pior?
  Ele chegou à cidade um pouco antes das 18 horas. Seguiu pela
margem do rio Potomac antes de cruzar a ponte para Georgetown,
encontrou uma vaga em frente de sua casa e deixou sua bagagem no
vestíbulo. Nas três semanas que se passaram desde que Priya tinha ido
embora, ele ainda não tinha se acostumado ao silêncio do lugar.
Acendeu algumas luzes, subiu até o quarto e trocou de roupa. Depois
de vestir um conjunto de moletom, se olhou no espelho e viu círculos
negros ao redor de seus olhos. Sua mãe comentaria que ele não estava
se cuidando bem. E ela teria razão.
  A viagem até a parte antiga de Alexandria passou como um borrão
luminoso. Ele estacionou na calçada em frente à modesta casa estilo
Tudor de seus pais e ficou ali sentado em silêncio. Depois, subiu os
degraus da frente e parou diante da porta. O som da voz suave de
Gene Autry
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lhe deu boas-vindas. O antigo artista cantava uma canção
sobre Papai Noel. Por um momento, ele sentiu como se estivesse em
um sonho. Havia um ano, ele e Priya tinham estado naquele mesmo
lugar, de mãos dadas; ela estava grávida e ansiosa por se tornar mãe, e
ele estava satisfeito com a vida que levava. Ele era uma estrela em
ascensão na empresa Clayton Swift, defendendo Wharton Coal em um
caso importante que poderia mudar o rumo de sua carreira. Eles iam
bem financeiramente. Como foi possível que tudo tivesse dado tão
errado?
  Bateu duas vezes na porta. Elena Clarke foi encontrá-lo no hall,
enrolada no avental e com o rosto brilhando de suor por causa do
calor do forno. Ela franziu a testa quando percebeu que ele estava
sozinho. Eles permaneceram em silêncio por um momento, nenhum
dos dois com disposição para dar o primeiro passo. Então, Thomas se
acalmou para falar.
  - Priya não virá. Ela me deixou há três semanas. - Finalmente
deixou de ser segredo.
  Sua mãe arregalou os olhos em choque, mas conseguiu se recompor
rapidamente.
  - Você não nos disse nada - ela disse com brandura.
  - Eu não sabia como contar.
  - Para onde ela foi?
  Ele respirou fundo.
  - Ela voltou para casa.
  Elena se aproximou dele, um pouco hesitante, a princípio, e,
depois, com mais confiança. Ele aceitou seu abraço sem resistência.
  - Nós sabíamos que seria muito difícil, mas tínhamos esperança de
que não chegasse a isso.
  Ela se afastou e olhou novamente para ele.
  - Como é que você está se sentindo?
  Ele deu de ombros.
  - Já estive melhor.
  Elena assentiu com a cabeça.
  - Seu pai está no escritório - disse, fazendo uma careta. - Está lá,
lendo alguma obra impenetrável sobre as guerras do Peloponeso.
  Thomas esboçou um sorriso.
  - E quais são as novidades por aqui?
  E foi caminhando pelo corredor, passando por fotografias
emolduradas de seu tempo de escola, até que entrou no santuário de
seu pai. O cômodo parecia mais uma biblioteca que um escritório. O
juiz estava sentado em uma poltrona de couro, com uma almofada no
colo e uma caneta tinteiro nas mãos. O livro diante dele era de um
tamanho incomum, quase tão grande quanto um dicionário. Thomas
podia ver incontáveis grifos e anotações nas margens de cada página.
  O juiz marcava tudo o que lia.         Profissionalmente, ele atuava como um
árbitro de destinos, mas os autores sem rosto também eram presas
fáceis para ele.
  Seu pai ergueu os olhos.
  - Feliz Natal, Thomas.
  - Feliz Natal, pai. - Ele ficou ali parado, sem saber direito o que
dizer.
  O juiz falou por ele.
  - Eu ouvi o que você disse a sua mãe sobre Priya. Foi por causa do
que aconteceu com Mohini ou o caso Wharton foi demais para ela?
  Thomas recuou. Seu pai não era ele mesmo sem sua brutalidade.
  - Um pouco de cada, eu acho - ele respondeu, omitindo o fato de
que a história era um pouco mais complicada, que eles eram tão
culpados quanto as circunstâncias.
  - Ela nunca gostou do maldito caso Wharton - seu pai foi em
frente.
  - É difícil gostar de uma empresa que destrói uma escola, matando
muitas crianças.
  O juiz concordou e se levantou.
  - A maldição do litigante - disse e se dirigiu para a sala de jantar -
é que não pode escolher seus clientes.
  -Priya discordaria do senhor.
  - Eu sei - o pai respondeu. - Ela sempre foi uma idealista. - Voltou-
se e pôs a mão no ombro de Thomas. Não muito longe o relógio bateu
as horas. Sete badaladas. - Eu sinto muito, meu filho. De verdade.
Você passou por maus bocados nos últimos seis meses.
  - Obrigado, pai - disse Thomas, comovido com essa rara
demonstração de afeto.
  Elena foi encontrá-los na sala de jantar com um cesto cheio de
pães frescos.
  - Peru, purê de batatas, o recheio, amoras, brócolis, de tudo um
pouco - disse ela, tentando aliviar a tensão. - Ted e Amy comeram
todo o recheio na ceia de Natal, mas eu fiz mais um pouco.
  O aroma era delicioso e Thomas se permitiu um sorriso. Seu irmão
mais novo trabalhava em uma financeira em Nova York e sua mulher,
Amy, era modelo para um monte de revistas de moda. Apesar de suas
importantes carreiras, os dois eram, na verdade, bem pés no chão.
  - Tenho certeza de que Ted é mais responsável pelo prejuízo do
que a Amy - Thomas disse com ironia.
  Seu pai deu risada.
  - Parece que ela nunca come nada.
  - Olha, sinto muito não ter vindo - disse Thomas com um sorriso.
  Ele não imaginava que diria isso, mas percebeu que foi sincero no que
disse.
  - Estão todos perdoados - disse a mãe. - Agora, vamos comer.
                               * * *
  Durante o jantar, todos tentaram conduzir a conversa para assuntos
mais leves. Mas a gravidade dos eventos recentes os pegou quando
terminavam a refeição. A mãe perguntou a Thomas se ele tinha ouvido
falar do tsunami no Oceano Índico.
  - Eu ouvi alguma coisa pelo rádio - respondeu Thomas.
  - Sua mãe ficou grudada à televisão a tarde toda - disse o juiz.
  - É inconcebível - disse Elena, balançando a cabeça. - Todas
aquelas pessoas... - Sua voz foi se enchendo de emoção. - Como pôde
acontecer uma coisa assim?
  - Não sei dizer - disse Thomas. Pela segunda vez no mesmo dia ele
teve que se confrontar com esta pergunta. Então, ele se lembrou da
mãe de Abby chorando em seus braços e se virou para o pai:
  - Enquanto estamos falando de coisas tristes, pai, eu queria sua
opinião sobre uma coisa que me aconteceu na viagem para casa.
  Contou ao juiz sobre o sequestro e sobre sua conversa com o
detetive Morgan. Contar o caso ao juiz tinha um propósito. Seu pai ocupava o cargo mais alto de um dos distritos judiciais mais poderosos
do país. Se existia alguém com uma visão panorâmica sobre o crime
nos Estados Unidos, essa pessoa era seu pai.
  Quando Thomas terminou seu relato, seu pai coçou o queixo.
- Humm, forte Bragg é em Fayeteville. - Depois de uma pequena
pausa, ele prosseguiu: - Pode não ter sido um sequestro comum. Nós
observamos um aumento no número de casos de tráfico no ano
passado.
  Thomas franziu o semblante.
  - E o que o forte tem a ver com isso?
  - É muito simples, na verdade. O forte oferece aos intermediários
uma base sólida de clientes.
  Elena fez o sinal da cruz, se levantou de repente e começou a
recolher a louça. Trocando um olhar com seu pai, Thomas se levantou
para ajudá-la. Depois disso, eles se retiraram para a sala de estar.
Thomas bebericava uma caneca de eggnog
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, enquanto seu pai atiçava
as brasas da lareira. Eles se juntaram ao redor da árvore de Natal e
Elena pegou uma velha Bíblia de couro. Ela abriu no evangelho de
Lucas, como fazia todo ano no Natal, mas ficou simplesmente olhando
para a página. Depois de um momento, ela fechou a Bíblia.
  - Acho que não vou conseguir ler agora - disse ela.
  - Pode deixar que eu leio - disse o juiz pegando a Bíblia das mãos
dela.
  Ele abriu na passagem sobre o Advento e leu as palavras
desgastadas pelo tempo.
  Thomas ouviu, como sempre fez desde que nasceu, mas a passagem
não significava mais muita coisa. Ele foi crismado, como qualquer
garoto católico, mas o que aprendeu no catecismo foi se desgastando
e desaparecendo durante seus anos em Yale. No mundo real, a única
certeza era a dúvida.
  Quando o juiz terminou a leitura, Elena pegou um pequeno pacote
embrulhado em papel dourado sob a árvore de Natal e o entregou a
Thomas. Ouvir as palavras das Escrituras pareceu acalmá-la. Ela sorriu
para ele e olhou para o juiz.
  - Foi seu pai que escolheu - disse ela.
  Thomas rasgou o papel e abriu uma caixa de joias contendo um par
de abotoaduras de prata. Em cada abotoadura estavam gravadas as
iniciais: TRC. O "R", de Randolph.
  - Priya estava sempre insistindo para que você usasse aquelas
camisas afetadas com punho francês - disse seu pai com um leve
sorriso. - Achei que isso poderia ajudar.
  Ela estava sempre insistindo para que eu fizesse um monte de
coisas - disse Thomas.
  Elena pegou um segundo pacote.
  - Eu comprei isso para ela - disse Elena com tristeza. - Encontrei
em uma loja de livros usados. Achei que podia ficar comigo, mas eu
ficaria mais feliz se você o levasse.
Thomas sacudiu a cabeça.
  - Ela não vai voltar, mãe. Não vejo motivo.     - Ele não pretendia ser
agressivo, mas também não queria que restasse nenhuma dúvida.
Elena respirou fundo.
  - Seja como for, leve-o com você. Por favor.
  Thomas recebeu o presente com relutância.
  - Devo desembrulhar?
  Sua mãe fez que sim com a cabeça.
  Debaixo do papel ele encontrou um pequeno livro de poesias de
Sarojini Naidu.
  - Boa escolha - ele disse. - Ela adorava Naidu.
  - Por que você não lê alguma coisa para nós? - Sua primeira reação
foi dizer que não, mas ele não queria desapontar a mãe, então abriu o
livro na página onde havia um poema intitulado "Transitoriedade" e o
leu em voz alta. A estrofe possuía uma beleza pungente, mas soava
vazia em seu coração.
  Não, não chore; nova esperança, novos sonhos, novos
rostos,
  E a alegria não vivida dos anos que estão por vir
  Vai mostrar que o coração pode enganar o sofrimento,
  E que os olhos podem as próprias lágrimas iludir.
  A sala ficou silenciosa depois que ele terminou a leitura. Ninguém
sabia o que dizer. Foram socorridos pelo relógio do avô. Oito
badaladas.
  - Desculpem a minha pressa - disse Thomas, tentando disfarçar seu
alívio. - Mas ainda tenho que trocar de roupa antes de ir para a
cidade.
  - Tudo bem - disse Elena, embora seus olhos demonstrassem grande
tristeza.
Seus pais o acompanharam até a porta. Contrastando com a alegria
que aparentavam no início do jantar, suas expressões agora se
mostravam sérias.
  - Telefone se precisar de alguma coisa - disse Elena. - A qualquer
hora do dia ou da noite, estaremos aqui.
  - Eu vou ficar bem - Thomas respondeu, dando um beijo na mãe e apertando a mão do pai. - Não se preocupem comigo.
  Mas ele sabia que não os convencera.
                              * * *
  Voltou para a cidade e deu uma rápida passada em casa para vestir
seu smoking. Sentia-se profundamente aborrecido. Ele fora um tolo ao
viajar até a Carolina do Sul para passar o Natal. As festas têm seus
méritos, mas, mesmo em um bom ano, toda essa socialização lhe
deixava com dor de cabeça. Ele precisava de um drinque. Essa era
praticamente a única vantagem de comparecer à festa de Clayton,
bebida em quantidade ilimitada.
  Ele tomou um táxi até o Hotel Mayflower. O táxi o deixou na porta
às 21 horas. Ele sabia, por experiência própria, que seu atraso não
seria notado. As festas do Clayton viravam a noite.
  Ele cruzou o imenso lobby da galeria de Belas Artes e ouviu o som
de vozes. O escritório de Washington da empresa de Clayton, um dos
vinte espalhados pelo mundo, era a própria casa para duzentos
advogados e o dobro de funcionários da equipe. Quando todo o grupo
se reunia e a bebida era servida, as pessoas tinham que gritar para
serem ouvidas acima da vozaria.
  Ele entrou no salão principal e cumprimentou um grupo de amigos.
Depois de algumas piadas e um pouco de fofoca de escritório, pediu
licença e foi pegar uma bebida. Em um dos bares, ele pediu um
Manhattan e ficou apreciando o barman misturar uísque, vermute e os
amargos. Pegou a bebida e sorveu um gole, enquanto olhava aquele
mar de rostos corados de entusiasmo e embriaguez. Sempre se sentia
agitado em meio a essa multidão. Clayton possuía um dos escritórios
de advocacia de maior prestígio em todo o mundo. Na última década,
especialmente, o aquecimento do mercado imobiliário, o aumento de
fusões e aquisições internacionais, e a expansão global do setor
energético transformaram os sócios majoritários da empresa em
multimilionários e deram aos associados, como Thomas, uma amostra
da boa-vida que estava por vir.
  Priya, por outro lado, detestava tudo que dizia respeito à empresa.
Ela fez muita pressão contra Thomas quando ele enviou seu currículo
ao Clayton. Ela defendia que o trabalho em organizações sem fins
lucrativos era o único modo de alcançar a verdadeira satisfação
profissional. Ele escutava o que ela dizia, sempre escutava, porém
tinha que discordar. Trabalhar feito um escravo, a troco de migalhas,
para um grupo de direito civil, pode ser emocionalmente gratificante,
mas para fazer carreira era um buraco sem saída. Ele desejava
conquistar o mesmo que seu pai havia conquistado - uma cadeira em um tribunal federal. E, para chegar lá, tinha que jogar nos times da
primeira divisão.
  - Olá, estranho.
  O som daquela voz o surpreendeu. Ele se virou e deu de cara com
os olhos azuis de Tera Atwood.
  - Liguei para você durante todo o fim de semana - disse -, mas
você não atendeu. - Ela se aproximou e tocou seu braço. - Foi a algum
lugar divertido?
  Tera se graduou na Chicago Law e era associada havia menos
tempo do que ele. Ela era inteligente, alegre e bonita. Nessa noite,
usava um vestido bordado com lantejoulas prateadas que a fazia
parecer mais com uma atriz de cabaré do que uma litigante de uma
empresa importante.
  - Eu viajei para a praia com uns amigos - disse, olhando em volta
para ver se alguém os observava. - E esqueci meu smartphone.
  Ele tentava relaxar, mas não conseguia. Tera exercia sobre ele um
efeito avassalador. A presença dela podia ser resumida em duas
palavras: desejo e culpa.
  Ela deu um sorriso coquete.
  - Nós podíamos dar o fora daqui e ir a um lugar com mais
privacidade.
  Sua culpa aumentou ainda mais.
  - Não acho que seja uma boa ideia.
Tera pareceu confusa e um pouco magoada.
  - Thomas, querido, você esqueceu que Priya o deixou? O que você
tem a esconder?
  Ele olhou para a multidão.
  - Eles não sabem disso.
  - Por quanto tempo você pretende manter segredo?
  - Não tenho certeza - ele respondeu, desejando que essa conversa
não estivesse acontecendo.
  - Você tem vergonha de mim, Thomas? - Seu tom de voz era suave,
mas a pergunta era direta.
  - É claro que não - ele respondeu depressa. Por que ele estava tão
interessado em acalmá-la?
Tera tornou a colocar a mão sobre o braço dele.
  - E amanhã?
  Ele viu um dos sócios da divisão de litígios olhando para eles e
evitou seu olhar.
  - Amanhã é melhor - ele disse, esperando que ela entendesse a
dica e o deixasse sozinho.
  - Mal posso esperar - ela disse e foi cumprimentar um conhecido.
Ele a viu partir e desejou que ela desaparecesse para sempre. Tera
era uma das partes obscuras da sua história. Ele desprezava a cultura
extravagante da firma: as intrigas, as trocas de olhares entre colegas,
as amantes. Sua devoção era sempre para Priya. Tera trabalhou com
ele por três anos no caso Wharton, mas ele a considerava uma amiga,
nada além disso. Então, ocorreu a tragédia e as regras foram
subitamente alteradas.
  Ela começou a se insinuar para ele no momento mais errado,
quando a tristeza de Priya se transformou de sofrimento silencioso
para amargura brutal.
  O caso começou de modo bem inocente: uma risadinha aqui, um
toque no ombro ali e nada mais. No entanto, entre o turbilhão que os
envolveu na preparação do julgamento de Wharton e a depressão
cáustica de Priya, ele cruzou o limite que separa a simples atração de
uma louca paixão e foi ficando até mais tarde no escritório, com mais
frequência, temendo as críticas que enfrentaria em casa para cada
falha que Priya percebia ou inventava. Não podia conversar com a
mulher sobre Mohini, de quem ela nem mesmo pronunciava o nome, e
estava totalmente vulnerável. Tera se mostrava disponível, mais do
que isso, ela estava enfeitiçada. Ele resistiu aos seus avanços até Priya
ir embora, mas, nas últimas três semanas, ele tinha estado por duas
vezes no seu apartamento em Capitol Hill. Ele nunca passara a noite
lá. Sentia-se muito culpado para isso. No entanto, ele cedeu à
tentação de dormir com ela porque era sensível e bonita, e sua esposa
tinha ido embora.
  Olhou o relógio e viu que eram 22 horas, se aprumou, circulou
pela festa, trocou comentários espirituosos com os dois principais
sócios e foi embora. Saiu a pé do Mayflower e foi caminhando para o
sul pela rua 18 até a rua K. A noite estava fria e límpida. As estrelas
mais brilhantes podiam ser vistas através da névoa causada pela
poluição. Thomas se embrulhou no sobretudo, considerou chamar um
táxi, mas pensou melhor e foi caminhando. Vinte e cinco minutos
depois, ele chegou em casa se sentindo ligeiramente revigorado. Foi
direto para a cozinha e se serviu de um scotch. Levou a garrafa
consigo para o sofá e tentou esvaziar a mente. Mas continuava se
sentindo culpado por seu encontro com Tera.
  Ele tornou a se lembrar do sequestro em Fayetteville. Será que seu
pai tinha razão em relação à conexão com o tráfico? Abby Davis estaria
mesmo em poder de intermediários? Ficou imaginando como seria
Mohini aos 11 anos de idade e estremeceu. O que ele faria se acontecesse uma coisa dessas com sua própria filha?
  Procurou pelo livro de poesias que sua mãe havia lhe dado e
encontrou-o em cima da mesinha do telefone. Ele o pegou e voltou ao
sofá sem saber o motivo de ter feito aquilo. Leu novamente o poema
"Transitoriedade" e, dessa vez, uma das estrofes lhe falou ao coração:
  Não, não sofra, embora viva a escuridão de seus problemas,
  O tempo não vai parar, e nem andar atrasado;
  O dia de hoje que parece tão longo, tão estranho e
amargo,
  Breve estará esquecido no passado.
  Ele se encostou no sofá, fechou os olhos e, então, conheceu o
tamanho do abismo em que havia caído. Contudo, soube, com a
mesma clareza, que só havia um caminho de volta à luz. Algo
precisava mudar. Ele precisava de novos horizontes, não sabia direito
quais, mas o estado atual da sua vida não era mais uma opção viável.
  Não tomar uma atitude seria morrer um dia de cada vez.

Cruzando o Caminho do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora