Freedom.
15 de novembro de 1987
À noite caí e o frio desconfortável me rodeia. Essas roupas encardidas e finas não me servem de nada, a não ser para cobrir minhas partes íntimas. As paredes com tinta cinza estão tão velhas que quando passo minhas unhas roídas sobre elas à tinta descasca. A porta de aço maciço por outro lado parece indestrutível, contendo apenas uma pequena abertura para a passagem de comida, que nunca é nos dada. Não temos banho de sol, nem sala de jogos e muito menos companhia. Nunca saímos da cela. Estou trancada há muito tempo, eu não saberia dizer quanto, mas sei que fui esquecida. Ninguém está me procurando. Estou sozinha.
Sozinha, sozinha, sozinha.
A solidão é minha companheira desde o inicio. Não converso com alguém desde que fui capturada. Ele tentou me ajudar, tentou segurar minha mão, tentou me libertar das garras que me cercavam e me aprisionaram neste lugar, mas no fim acabou me abandonando como todos fizeram. E o que me restou foram os gritos. Aqui só se escuta gritos.
Gritos, gritos, gritos.
Eles ecoam entre as selas. Os choros assustados acompanhados de soluços que causam agonia. Eles pedem ajuda. Mas eu não posso nem me ajudar. E quando alguém de fora se irrita os passos começam. E quando os passos param de tilintar sobre o chão é que ouço o barulho de tiro que faz silenciar todo o local quando mais uma alma é libertada do isolamento. No começo eu ansiava por salvação, mas agora eu entendi que todos viraram as costas para mim.
A escuridão virou minha melhor amiga, ficamos lado a lado desde o começo. Ela me entende e me conforta. Ela me envolve em seus braços frios e me faz esquecer do rosto dele. Apenas por algum tempo. Pois sua imagem volta sem avisar em minha lembrança e me faz lembrar de sua traição.
E eu continuo-o amando. Com todas as minhas forças, que já não são muitas. O que me resta é a escuridão. Ela não me causa mais medo. Pelo contrário, é a luminosidade que me amedronta, pois quando ela chegar eu saberei que chegou minha hora de partir.
Chuva, chuva, chuva.
Os pingos cometem suicídio, se atirando das nuvens, provando da liberdade que ganham ao despencar e se estilhaçam quando tocam a pequena janela da minha cela, me causando inveja.
Eu gostaria de ser um pingo e me estilhaçar em algo.
Algo que fosse demais para eu aguentar e me matasse.
Algo que me libertasse.
A luz do relâmpago ilumina minha sela.
Luz, luz, luz.
Aproximo-me da pequena janela e estico minha mão machucada para sentir a chuva em minha pele. Ela limpa a sujeira impregnada nos cantos das unhas, mas não limpam a sujeira que se instala na minha alma. Sujeira que nunca será limpa. Nunca será retirada de mim. A chuva não é capaz disso. Ninguém é. Talvez ele seja, mas ele me abandonou. E agora só me resta esta janela pequena que consigo enfiar apenas minha mão e sentir a chuva queimar meus ferimentos. Arde, mas a dor é gostosa, ela me faz distrai a fome que sinto diariamente.
Fome, fome, fome.
O estômago ronca feroz, reclamando da falta de combustível que lhe é negada diariamente. No início a comida era entregue todos os dias, mas agora não. Eles também se esqueceram de mim. Assim como minha família. Meus amigos. Ele. Todos se foram.
Uso minhas mãos magras para apertar a barriga, tentando inutilmente amenizar essa dor crescente de fome. Eu já estive de barriga cheia. Em um piquenique onde se encontrava meu bolo de cenoura favorito. E minha companhia favorita. Contávamos historias de contos de fadas e eu ria de sua imaginação fértil. E ele ria da minha risada. Como eu amo aquele sorriso. Como sinto falta de sua companhia. Tenho tanta saudade.
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