Já acabou, Jéssica?

Como Jéssica continuou

Imagine o mundo como ele sempre é e agora finja que ele deu incríveis giros, percorreu o loop em uma montanha russa e ainda por cima acabou por fumar maconha. Então, este era meu mundo no instante em que Jéssica falou aquelas barbaridades para mim.

— O quê? — perguntei. — Você fumou?

— Não, Lara — diz. — Eu só quero que você saiba a verdade.

— Como você pode provar isto?

— Tome meu celular, veja as mensagens que seu namorando vem me mandando atualmente, eu não apaguei nada. — Ela me estendeu o aparelho.

— Isso não pode ser verdade! — exclamo ao ver que ele havia pedido nudes. — Isto só pode ser falha, o Android vive falhando, não seria a primeira vez que esse sistema daria errado.

— Eu não vou deixar você continuar com esse idiota, Lara! — disse Jéssica.

— Se é porque você gosta de mim, saiba que eu não estou nem aí!

— Pois deveria estar!

— Por quê? — perguntei desafiadora.

— Porque estão filmando isto.

Olhei sobre o ombro e me assustei com o volume de estudantes nos cercando com as câmeras de seus smarthphones apontadas para nós. Eu me apavorei realmente, fiquei famosa por ser agredida e agora sei que a minha agressora é sapata e está apaixonada por mim.

— Acho melhor nós sairmos daqui — falou Jéssica e eu a segui.

Eu não saí da escola, fiquei até a última aula. Havia tempos que eu não desfrutava da sensação que eu tinha nessa sala de aula, pois fiquei um tempo sem sair de casa com o sucesso do meu vídeo. Todavia, tudo o que eu sentia agora era diferente, e se eu já era popular nesta escola, agora eu era o dobro, triplo, mil vezes mais... Popular nesta escola e no Brasil.

Mas os vídeos gravados esta manha já estavam surtindo efeito. O pessoal LGBT da escola acenaram para mim no intervalo, era a primeira vez que eles falavam comigo, eu nunca os percebi... eu nunca percebi que a Jéssica costumava andar com eles.

— Lara! Lara! — escutei uma voz aguda e irritante exclamar. — Eu shippo, eu shippo.

— Chupa o quê? — me confundir.

— Shi-ppo, engraçadinha — corrigiu-me.

A dona da voz chata era a garota do sexto ano, eu odeio essas crianças atiçada que volta e meia me incomodam. Me dá só um a raiva de imaginá-los em uma sala de aula estudando reprodução e dando risadinhas idiotas.

— Mas que merda é shippar? — perguntei.

— Eu quero dizer que... estou apoiando você e a Jéssica como um casal! — concluiu por fim.

— Casal? — perguntei.

— Sim! Casal — concordou.

Eu estou namorando a Jéssica e não sabia?

...

Cheguei em casa e fui diretamente ligar o computador. O que eu mais temia havia acontecido... Inúmeros posts no Facebook citando nossa reconciliação e mais ainda: a melhor tomada sobre o que meu namorado fez comigo e Jéssica admitindo gostar de mim.

E agora já não bastava as feministas me odiarem — por dizer que aquela briga era incentivada pelo mundo machista e blá-blá-blá —, os homofóbicos iriam me odiar também, os garotos iriam me odiar. Onde eu teria apoio agora, por favor?

Demorou um pouco só para eu receber mensagens do meu namorado, ou ex-namorado. Na verdade, agora, isto não faria a menor diferença.

O que você fez, Larinha?, escreveu. Estão me chamando de trouxa em todo canto.

Eu não fiz nada, tá? E por favor, Jéssica me contou a verdade, pare de falar comigo, seu trouxa, respondi. Sem internetês para ele entender bem cada letra.

Mas eu estava com raiva de todo mundo até receber uma mensagem.

Eu não queria que ele nos filmassem, Larinha, desculpe-me por estragar tudo. Espero que fique tudo bem.

Era a Jéssica, a garota que me atacou naquele dia. Era isso que eu não entendia, se ela gosta tanto de mim, por que me bateu naquele dia.

Jé, se você diz que está apaixonada por mim, por que me bateu naquele dia?

E logo eu tive resposta:

Eu estava com raiva de você, de verdade. Por dizer que eu estava me engraçando com seu namorado e por ainda continuar com ele... Mas eu me arrependo tanto.

Eu não me arrependia, pois fiquei famosa, poderia lançar uma coleção com minha blusas estampadas com uma faixa e uma estrela que um bando de desocupados da internet iriam comprar e tudo mais.

Mas eu não faria isto.

Ou talvez.

Para pensar em tudo, deixei a Jéssica no vácuo e fui dormir.