Parte 2

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Estava frio, muito frio, a água escorria e eu me afogaria. Frio. Abri os olhos de repente e estava chovendo. Forte. A água estava me ensopando e enchendo o carro de água. Dash acordou junto comigo e praguejando ligou o carro.

— Cadê o teto dessa coisa? — gritei.

— Não tem teto! É um conversível!

— Você só pode estar brincando! Quem viaja com um carro sem teto?

— Não ofenda meu carro, garota. Ele é sentimental.

Encostei-me ao banco irritada.

— O que vamos fazer agora?

— Procurar abrigo — ele respondia tão calmamente, que não parecia estar batendo o queixo de frio, como eu, mas quando olhei bem para seu rosto, ele estava.

— Por que você está tão calmo? Por que está sempre calmo? Seu carro está ensopado, você está todo molhado, vamos pegar uma gripe e você está cantarolando. Qual é o seu problema?

Ele sorriu.

— Deixe-me ver se entendi sua pergunta. Você está em um Aston Martin DBS conversível e caríssimo. Então, não por culpa sua, começa a chover. Coisas da natureza, quem pode evitar? Obviamente, você se molha. Está com frio, molhada, e o carro não tem teto. Pelo que vejo, é uma situação complicada, mas que não é culpa de ninguém, a não ser da mãe natureza, ou de São Pedro e seu humor negro. Então, há algo de errado comigo por não ficar irritado com São Pedro? Não acho que me estressar e brigar farão a chuva parar e menos ainda um teto brotar em meu carro. Logo, por que deveria estar irritado? — Ele me lança aquele olhar divertido. — Acho que há algo errado com você, deusa. É nervosinha demais.

Revirei os olhos e avistei uma placa luminosa pouco a frente. Apontei o dedo para que ele a visse, mas calei-me assim que consegui ler o que estava escrito nela: Motel Fantasy.

A gargalhada dele me fez enrubescer e me encolher no banco de novo. O que poderia me irritar mais do que uma chuva fria e um carro sem teto? O Dash, é claro.

— Vamos, deusa. Você ia me pedir para parar ali, certo? Um teto para fugirmos da chuva. Vou parar, não entendo porque se encolheu toda e ficou tão quieta de repente.

— Sabe Dash, você não precisa ser sempre engraçadinho. Principalmente porque você realmente não é engraçado.

Ele continuou rindo enquanto entrava com o carro no estacionamento. Fiz questão de descer primeiro e andar o mais distante possível dele. Ele entrou assoviando no motel, e sorriu para a recepcionista. Entregou um cartão a ela e de onde estava, não podia ouvi-los. Logo, a mulher olhou para mim:

— Moça, preciso da sua identidade.

Droga! Eu disse a ele que me chamava Sandra, mas o nome em minha passagem era o de Hope. E era esse nome que poderia usar para entrar naquele lugar, já que a identidade dela estava junto com a minha. Caminhei até a mulher sem saber o que fazer, tive o cuidado de tirar a identidade de Hope com a foto virada para baixo, mas claro que ele leu o nome ali. Franziu o cenho e fechou o rosto, deixando claro que estava chateado.

Não era para menos.

Ele pegou minha mala e subiu calado, como não ouvi em qual quarto eu ficaria, subi calada atrás dele. Ele entrou em um quarto pequeno, com uma cama redonda no centro, espelhos por toda parte e um cheiro forte de algum perfume. Colocou minha mala aos pés da cama, e passou por mim, saindo sem dizer nada. Sem me deixar explicar, ou sequer perguntar quanto ele pagou por aquele quarto, para devolver-lhe o dinheiro.

Fechei a porta e sentei-me no chão, em um tapete felpudo. A chuva forte caía lá fora, os raios não me assustavam, mas me assustava o vazio que eu sentia. Uma pessoa como eu, acostumada a ser sozinha, não podia se sentir tão mal por perder alguém. Dash não me daria mais carona e eu não o culpava. Eu havia mentido para ele. Segurei a vontade de chorar, eu jurei nunca chorar por homem algum, e tive que levantar-me quando alguém bateu na porta.

Dash entrou por ela carregando uma mochila e a jogou em cima da cama, a abriu, tirou de lá uma toalha e entrou por uma porta lateral que só podia ser o banheiro. Não me dirigiu a palavra e sequer um olhar. Não entendi o que ele estava fazendo ali. Sentei-me de volta no tapete, não queria molhar a cama, e esperei que ele saísse. Assim que desligou o chuveiro, perguntei:

— Por que veio tomar banho aqui? Não há chuveiro no seu quarto?

Ele não respondeu.

— Não vai mais falar comigo?

Novamente, o silêncio.

Preparei-me para gritar até que ele me respondesse, ou mandá-lo ir embora dali, quando ele abriu a porta e saiu do banheiro. Enrolado na toalha, e apenas nela. Gostas desciam por seu peito e desviavam entre seus músculos. Os braços eram mais fortes do que havia imaginado, e uma tatuagem enorme de uma fênix cobria todo o seu peito, havia algum relevo por baixo dessa tatuagem, mas não podia dizer exatamente o que era.

— É melhor tomar um banho. E tirar essa roupa molhada — disse irritado.

Mas eu não conseguia me mover, não conseguia deixar de olhá-lo. Ele percebeu, eu sabia que estava parecendo uma idiota ali, quase babando por ele, mas não conseguia evitar. Ele passou as mãos pelos cabelos e andou até mim irritado, levantando-me pelos ombros com cuidado.

— Vá tomar um banho. Não quer pegar um resfriado, quer?

Neguei com a cabeça e saí de seu aperto, indo para o banheiro meio aturdida.

Eu não podia desejá-lo. Não podia. Desejo era uma maldição, era o que fazia homens perderem a cabeça, era uma coisa ruim. Eu nunca havia sentido isso, e não sentiria àquela altura por um completo estranho. Apesar do alivio ao me livrar das roupas molhadas, alguma coisa ainda me mantinha gelada. E nem mesmo a água quente me fez aquecer. Fechei os olhos na esperança de esquecer a imagem dele, mas ela estava vívida.

De repente, a porta do banheiro abriu, mesmo estando atrás do box, me senti paralisar totalmente. Mas Dash apenas jogou algo sobre a pia.

— Um roupão. Não vou abrir sua mala para escolher sua roupa, mas vi que não trouxe nada. Depois você mesma as escolhe.

— Obrigada.

Não seria nada fácil passar aquela noite com ele.



Sublime - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora