Capítulo UNICO

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ARARAS

─ Alô?! É da Dema?

─ Sim! Delegacia do Meio Ambiente. Em que podemos ser-lhe útil?

─ Quero denunciar uma mulher prendendo duas araras. O endereço é na Av Z, número 15 no Setor Aeroporto. Vou esperar dois dias, se vocês não fizerem nada vou denunciá-los na televisão para o Ratinho!

─ Alô!....Alô!..

─ .......

─ Dr. Euripedes, acabamos de receber uma denúncia anônima. A pessoa informa um endereço onde tem algumas araras cativas.

─ Mas isto é muito complicado. Pessoas têm estes animais como membros da família. Sendo num bairro nobre, vai estar atrelada a algum figurão da política. Vamos aguar...

─ Doutor o denunciante era uma mulher, parecendo ser muito chata. Ela informou que se não tomarmos providências vai ligar para o programa do Ratinho e dizer que estamos recebendo propina para fazer vistas grossas.

O delegado coçou a cabeça branca e mandou organizar a diligência de inspeção. No caminho questionou se o número anotado não era 75. O agente, do telefonema disse com firmeza ser aquele número mesmo, 15. Chegaram à rua, e logo encontraram o número indicado. Ao descer do carro, ouviram o barulho das araras alegres fazendo farra. Não havia dúvidas, era ali o tal cativeiro de animais silvestres. O crime estava previsto na lei dos crimes ambientais.

Tocaram a companhia. Uma senhora puxando um andador custou a abrir a porta. Quando viu os jalecos de polícia perguntou do que se tratava. O delegado se identificou como policial da DEMA. A mulher veio até o portão com muita dificuldade, e enfiou a chave. Pensei que fosse abrir, mas não o fez, pelo contrário deu mais uma volta na fechadura, para se garantir.

─ Seus cachorros do Governo! Aqui vocês não entram! Vou ligar para meu filho! Ele é deputado! Pirem daqui! Não tem o que fazer, não?!

A diligência se complicou. O agente empenhado deu a volta e foi a um prédio comercial do lado, olhou de lá e viu outra velhota brincando com uma das araras. Abria uma blusa de frio e ela entrava fazendo o maior auê. Voltou trazendo a novidade. A informação era quente. Havia lá dentro, pelo menos duas araras.

O delegado ficou aperreado. Não gostava daquele tipo de diligência, mas precisava entrar. O flagrante lhe autorizava a invasão do ambiente. Mas a mídia iria cair matando em cima. Cercou a casa á espera do tal deputado. Esta gente política costuma encontrar lei para tudo quanto é razão particular deles. Iria encontrar uma relacionada com imunidade para anciãs parentas em primeiro grau de deputados. Se não houvesse pronta, certamente apareceria uma do dia para a noite. Melhor se prevenir.

Daí a pouco parou um carrão preto ao lado da calçada, em frente ao portão vigiado. Desceu um homem todo empertigado. Apresentou-se! Era advogado. Deu seu cartão. As letras douradas pareciam ser gravadas em ouro. Estava ali a mando do deputado para resolver o assunto. Não declinou o nome do político, mas também não foi questionado. Não havia importância.

As duas velhotas vieram para o lado de dentro do portão. Uma empurrava uma cadeira de rodas com a outra. As duas juntas deviam somar quase duzentos anos de vida. Uma mais gagá que a outra. Atrás veio um senhor, bem vestido. Devia beirar os setenta anos. Bem falante foi questionando o que estávamos procurando.

Falamos das araras. Da lei própria sobre aprisionar animais silvestres. Ele desconversou. Ali não tinha araras. Nisto uma delas começou a grasnar, vindo pelo corredor lateral, parecia um cão brabo indo ver ocorrência no portão da rua. Subiu na cadeira de rodas e ficou em seu poleiro armado na lateral. Pelos vestígios era um costume antigo. Questionei se aquilo era ou não era uma arara? O sujeito bem vestido, respondeu na maior cara de pau: não. Não era. Tratava-se da comadre Meriva, de visita. Cumprimentou-a com um meneio de cabeça. A arara respondeu e ainda emendou se estava passando bem? Já o havia cumprimentado naquela manhã. Acaso ele perdia o siso? Se acaso aqueles homens ali fora eram parentes dele. O da cabeça branca estava muito gasto pela vida. Devia ser muito rodado.

Imaginei ser um truque de ventríloquo. Tentei entabular um papo com a senhora Meriva.

─ A senhora é uma Arara?

─ Lógico que não. O bofe aí, Dr. Tertuliano, não disse que sou a comadre Meriva?!

Era uma arara muito esperta. Carecia tomar alguma providência para não ficar desmoralizado com o assunto. Se perguntasse por alguma licença para criar aves, receberia uma resposta atrevida. Resolvi entrar na fábula, no papo da comadre Meriva.

─ Sim ouvi! Mas a senhora tem documentos? Recebemos uma denúncia de que nesta casa estão escondidas duas perigosas bandidas, em trajes verdes e azuis...

─ Sou Meriva, e pronto! Você ouviu o meu advogado falando. Acaso precisa de documento pra ficar em casa?

─ Dona Meriva! A polícia precisa averiguar as reclamações feitas pelos cidadãos. Disseram daqui ter duas senhoras, cuja descrição duma delas se parece muito contigo. Andam sempre de verde. Estão furtando os cocos daqueles coqueiros lá, ó!

─ Certamente não é aqui. Meu marido se parece comigo, mas anda quase sempre de azul.

AZUÊ!

Nisto ouvi uma voz esganiçada, vinda lá de dentro.

─ Que bagunça! Estou indo. Não se pode nem quebrar um coco em paz!

Escutei bater de asas vindo pelo mesmo corredor de onde veio comadre Meriva.

─ Desculpe o mau jeito! Não sabia de a visita ser oficial. Porque ainda não mandaram os cavalheiros entrar. Polícia também é gente?

A velha da cadeira de rodas, aquela mais azeda, empurrando a cadeira respondeu:

─ Este aí da cabeça branca não é bem vindo! Ele se diz fiscal de animais. Quer ver documentos da comadre. Certamente vai conferir os seus. Você esta em dias com os impostos, não é mesmo Azuê?!

O tal Azuê, olhou para sua companheira. Cochichou alguma Coisa no ouvido dela. Empertigou-se para falar comigo e com os policiais. Nós não dizíamos nada. Estávamos estarrecidos com o rumo daquele assunto.

─ Compadre Tertuliano, comadre Zinha, amiga Gilka. Nossa visita trás incômodos. Ficamos mais do que devíamos. Vamos partir agora. Não se esqueçam de nos visitar lá na mata Feia. Estamos organizando um festival de aves falantes. Vão estar presentes vários papagaios cabeça de coco, periquitos maracanã, ararinhas azuis, caoãs. Não percam.

As duas araras levantaram vôo. A arara fêmea fez uma curva lá em cima quando planava sobre a viatura caprichou uma descarga de dejetos. Acertou bem em cima do agente de polícia recebedor da denúncia. Ele saltou de lado, mas não teve jeito. A caca acertou sua cabeça em cheio. O odor era terrível. As araras planaram e foram na direção do zoológico. Sumiram no azul do céu. Ficamos olhando nossos procurados desaparecer literalmente.

O advogado reperguntou o que nós tínhamos ido fazer ali na casa das amigas do Deputado? Respondi que passávamos pela rua, tinha dado um defeito na viatura. Nem sabíamos quem morava lá. O homem acenou para as pessoas da casa, e entrou no seu carro importante. Saiu cantando pneus. Nós olhamos para os velhos do lado de lá da grade.

Quando estávamos saindo da porta, escutamos novamente o grasnar de araras. Freamos para voltar e dar um flagrante. Que se danasse o deputado importante. A velhota da cadeira de rodas levantou um gravador daqueles grandes e novamente a barulheira de arara aconteceu. Saímos dali dispostos a não falar nada sobre a diligência. Resolvi explanar disto hoje, porque vi alguém comentando sobre a história dum quati, aprisionado em uma casa. A narrativa está no site da DEMA de Goiânia.

Coisa de maluco sô?!


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⏰ Última atualização: Dec 13, 2015 ⏰

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