Viginti Quinque

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Desligou a moto ao que a estacionou em frente à própria casa. Tirou o capacete colocando-o sobre o assento, ajeitou o colete e passou a mão na recém descoberta barba que crescia sobre o queixo. Se é que podia chamar três fios loiros de barba. Subiu as escadas que o levariam até a porta assobiando ao pensar no novo rumo que a vida estava tomando dali em diante. Pete havia se formado mais cedo no ensino médio e poderia finalmente fazer o que bem entendesse da vida. E naquele momento isso envolvia subir no ranking do clube o suficiente para ganhar dinheiro e dar o fora daquela cidade. Abriu a porta da frente estranhando o silêncio na casa. Na sala de estar, porta-retratos com fotos suas e do irmão que o havia deixado há tanto tempo atrás decoravam a mesa de centro. Um barulho abafado fez com que seu coração acelerasse. Onde estava sua mãe? Caminhou pelos cômodos da casa sem encontrá-la. Seus olhos seguiram em direção à alavanca que liberava as escadas do sótão. Tendo a plena certeza que iria se arrepender daquilo, puxou a alavanca vendo as escadas deslizarem até o chão e não precisou subir todos os degraus para ouvir o gemido baixo vindo da mulher. O homem que a acompanhava disse algo em voz baixa antes que o barulho de seu punho indo de encontro ao corpo dela ecoasse na mente do filho. Pete tropeçou no penúltimo degrau mas conseguiu por fim adentrar o cômodo. Caminhando com determinação, ele arrastou o homem que fedia uísque barato para longe da outra jogando-o contra o chão.
"Esta é a última vez que encosta essas patas asquerosas na minha mãe."
"Oh, é mesmo?" o homem riu ainda caído no chão "E o que você vai fazer garoto? Quer ir pra escola com outro olho roxo é?"
"Filho, está tudo bem." a mulher tentou sorrir ao que o sangue escorria por seus lábios cortados.
"Tá vendo? Defende tanto essa inútil e ela está pouco se fodendo. Agora vai tomar uma surra à toa, Peter." se levantou caminhando na direção dos dois.
"Não se atreva." antes que o outro pudesse dar um passo adiante, Pete havia sacado a arma e a apontava na direção dele.
"O que é? Vai me matar?"sorriu de lado "O garotinho da mamãe vai virar mesmo um assassino?"
"Eu te dou dois segundos..."
"Pete, filho, não faça isso. Não vale à pena."
"Dois segundos para sumir daqui e nunca mais voltar." ignorou a fala da mãe por completo.
"E se eu não quiser?" Pete sentia o suor começar a se acumular em sua testa.
"Um..."
"Eu vou quebrar essa sua mandíbula." o homem disse sério.
"Um e meio..."
"E depois vou me ver com essa daí." fez menção de agarrar a mulher pelo braço.
"Dois!" ela gritou ao que o tiro reverberou pelo cômodo.
"Pete!" olhou horrorizada para o filho que observou como o corpo do homem ficou estático por alguns instantes até que caísse no chão. Eles estavam ferrados.

**

"Quanto tempo até podermos fazer alguma coisa?" o homem de cabelos grisalhos perguntou à Billy.
"Daremos à ele mais algumas horas."
"Tem certeza disso?"
"Claro que eu tenho certeza. Eu é quem estive ao lado dele este tempo todo depois que vocês simplesmente o jogaram para escanteio."
"Você não sabe de merda alguma. Nós temos um código a ser seguido."
"Um código que inclui assistir pessoas serem espancadas repetidas vezes sem fazer nada?" arqueou a sobrancelha "Poupe-me de sua hipocrisia."
"Quem você pensa que é? Você é um galês de merda. Sem significância alguma."
"Se eu fosse você mediria minhas palavras, antes que o galês de merda te faça entender o porquê de existir o ditado "respeito é bom e conserva os dentes"."
"Vocês dois vão parar de brigar ou o quê?" a mulher se intrometeu.
"Tio, temos trabalho a fazer."
"Certo." ainda assim, se encararam por alguns minutos antes de se afastarem um do outro.

**

Uma gota insistente de água pingava no chão. Sua nuca doía, mas aquela não era a pior parte. Nem queria se lembrar da pior parte daquela noite horrível. O peito pulsava com o arrependimento, mas uma parte de si tentava justificar aquilo como a decisão correta a ser tomada. Sabia que o homem tinha a capacidade de fazer aquilo por bem ou por mal. Fazendo por bem a tortura seria menor. Ouviu um gemido atrás de si e por fim abriu os olhos. Se surpreendeu ao se encontrar amarrada numa cadeira. Um largo balde cheio d'água estava posicionado diretamente em frente de seu corpo. Ao observar o lugar em que estava pôde perceber que este era severamente mal iluminado. O gemido soou mais uma vez, mas ela não conseguia virar a cabeça o suficiente para ver quem é que estava ali. O lado esquerdo do rosto estava inchado e não precisava de um espelho para saber que haviam diversas marcas nojentas na pele do mesmo. Como gostaria de voltar no tempo e mudar tudo aquilo. Ainda podia sentir as mãos do homem sobre seu corpo da mesma maneira que estiveram na noite passada. A ânsia desta vez foi maior do que poderia controlar. Virou o rosto a tempo de vomitar sobre o chão de concreto manchando-o com um líquido amarelado. Os gemidos persistiram.
"Pete? É você?" a pessoa gemeu em resposta "Oh, graças à Deus."respirou aliviada "Nós vamos sair daqui. Vou dar um jeito de tirar a gente daqui."
"E como exatamente vai fazer isso?" disse o homem que havia silenciosamente se posicionado à frente dela.
"O que vai fazer com a gente agora?" respondeu furiosa.
"Quem te vê assim tão nervosa não pensa que é a mesma pessoa de ontem à noite." riu apoiando as mãos nas dela sobre a cadeira.
"Você.."
"Sabe por que eu trouxe este balde?" fez um sinal com as mãos e ela viu Nick se aproximar dos dois.
"Ah, tinha que estar com seu cãozinho."
"Não respondeu a minha pergunta." puxou o cabelo dela com força fazendo com que o encarasse.
"Não sei. E estou pouco me fodendo." tentou se desvencilhar dele sem muito sucesso.
"Vamos ver se assim você se lembra." a mão do homem a envolveu pela nuca e no minuto seguinte sentiu como se a tivessem colocado numa máquina do tempo. Jay empurrou sua cabeça para dentro da água e ela se debateu sobre a cadeira. Lembrou-se da mão de Julian, tão menor do que a do marido, fazendo o mesmo consigo há tantos anos atrás. "Segure-a. Não seja mole" a voz do genitor ecoou em sua mente. O marido a puxou pelo cabelo fazendo com que ela respirasse fundo ao emergir da água.
"Seu..." não teve tempo de dizer nada. Novamente sua cabeça foi afundada no balde que Donahue segurava. Desta vez ele a manteve dentro da água por mais tempo que antes. Quando sentiu o ar do lugar tocar o próprio rosto, Emily percebeu que sua visão estava mais turva do que esperado. Os gemidos atrás de si tornaram-se mais altos e com um sinal de sua cabeça Jay enviou o outro homem para dar um jeito naquilo. O barulho de algo se chocando contra uma possível parte do corpo do outro a fez encolher-se na cadeira.
"Você é a pessoa mais ingrata que eu já conheci em toda minha vida." a voz de Crane fez com que ela voltasse a prestar atenção nele.
"Não é como se eu me importasse com o que você diz ou deixa de dizer." dessa vez ela riu com o tapa recebido "Covarde."
"Covarde?" riu "Depois de tudo o que eu fiz eu ainda sou o covarde?" ela encarou o chão Olha pra mim quando eu tiver falando com você." apertou o queixo dela com força "Deveria ter te deixado naquela casa. Deus sabe o que aqueles dois teriam feito com você."
"Nada pior do que você já fez."
"Tem certeza? Você não sabe do que fala, Emily." respondeu indignado "Eu literalmente aqui andando de quatro por sua causa e na primeira oportunidade você não só abre as pernas pro primeiro imbecil, mas foge com ele. Foge! Feito uma adolescente idiota. Você não é mais criança, não vê? Tem que assumir a responsabilidade pelos seus atos." passou a mão pelos cabelos "Sabe o que eu fiz quando alguém tentou se enfiar no meio de nós dois? Sabe?! Claro que não sabe." observou que uma das mãos dele tremia. Claramente havia tomado alguma coisa. "O nome dela era Lauren."
"Quem?"
"Ela queria destruir o nosso casamento assim como o Nichols, mas eu fui mais forte que você. Logo eu, Emily. Depois de todas aquelas vezes que você reclamou porque eu comia umas vadias aqui e ali. Eu fui mais forte que você." Riu "Sabe o que eu fiz com ela?" passou a mão no rosto dela que recuou com nojo "Peguei uma faca." Emily não sabia de onde havia surgido a faca que ele tinha em mãos, só estava rezando para que seu sonho não houvesse sido uma profecia "Bem parecida com esta na verdade." aquelas risadinhas aleatórias a estavam deixando ainda mais nervosa "E quando ela veio me encher o saco com aquela ladainha de filho eu simplesmente deixei minhas mãos trabalharem sozinhas."
"V-você a matou? Uma mulher grávida?"
"Esfaquear alguém com uma faca desamolada é bem mais divertido do que com estas novas. É um trabalho árduo, não tenha dúvida disso, mas ao contrário de facas amoladas estas não cortam. Elas rasgam. É muito mais doloroso. A possibilidade de sobrevivência é ainda menor e, se a pessoa sobreviver, o processo de cicatrização é mais difícil e doloroso. Claro que depois que eu tinha acabado ela não sobreviveu. Nós sabemos como eu prezo um trabalho bem feito." colocou o cabelo atrás da orelha "Pense no estrago que ela e esta coisa que ela carregava poderiam fazer na nossa vida. Nunca deixaria ninguém estragar o que nós temos. Então ela teve que morrer. O mais engraçado é que você nem percebeu nada quando eu cheguei em casa. Dá pra ver com quem você aprendeu a mentir tão bem."
"Você é louco."
"Agora voltemos ao nosso propósito aqui." virou a cadeira dela na direção oposta. Pôde ver um homem sentado numa cadeira parecida com a sua, seu rosto estava coberto por um saco preto mas as roupas denunciavam sua identidade.
"Pete!" ele gemeu mexendo a cabeça tentando se livrar do saco.
"Comovente." Nick tirou o saco da cabeça dele e um gemido de dor escapou dos lábios dela ao ver o rosto dele. O supercílio estava cortado e as feridas neste quase o tornavam irreconhecível. Fez menção de levantar-se e avançar sobre o marido, Pete balançou a cabeça negativamente gemendo sob a mordaça. "Quer se aproximar dele? Não é como se fosse conseguir soltá-lo." Pete franziu o cenho sem acreditar que ele faria mesmo aquilo.
"Quer pagar pra ver?" perguntou desafiadora.
"Claro." aproximou-se dela desfazendo os nós que prendiam seus pés.
"Jay eu não acho..."
"Não pedi sua opinião, Donahue. Eu sei o que estou fazendo." respondeu terminando de desamarrar a mulher "Pronto meu amor."
"Pete." empurrou o marido pra longe na intenção de correr até o outro, mas sentiu as pernas fraquejarem com a dor que dominou o espaço entre elas
"Opa, não pode cair." o homem a agarrou pela cintura "Por que não vai lá e diz pro Pete o porquê de não conseguir andar direito?"
"Asqueroso." o empurrou novamente se movendo na direção do outro. Ajoelhou-se no chão acariciando o rosto dele que recuou um pouco com a dor "Desculpa. Eu nunca vou conseguir te pedir desculpas o suficiente." ele tentou responder sem muito sucesso "Oh, claro, esqueci de tirar isso."
"Em."
"Eu sei, eu sei." virou-se para o marido "Você me disse que se eu fizesse o que mandasse ele não ficaria... assim."
"Não me lembro de ter dito isso."
"Desgraçado." Nichols rosnou.
"Não desperdice seu tempo com ele." aproximou os lábios dos dele o tocando devagar tentando evitar encostar nos cortes ali "Eu vou te tirar daqui."
"Não, você não vai fazer isso." respondeu baixo e ela o olhou confuse "Faça o que tiver que fazer pra sair daqui, entendeu? Eu vou ficar bem."
"Você está maluco? Não vê que ele realmente perdeu as estribeiras? Ficarmos sozinhos com ele não nos fará bem."
"Eu aguento. Você não pode se dar ao luxo de tentar."
"O que tanto cochicham entre si?" Jay agarrou-a pela nuca fazendo com que ela se levantasse "Acho que já tiveram tempo o suficiente para matar a saudade. Já quer que eu te mate, Nichols?"
"Deixe-a em paz. Leve-a daqui. Ela não precisa ver isso."
"Ver o quê?" perguntou confusa.
"Vai sentar na sua cadeira." a empurrou na direção da mesma.
"Não!"
"Certo, não senta por bem vai sentar por mal." agarrou o braço dela jogando-a na cadeira e amarrando seus braços novamente "Onde estávamos, Nichols?"
"Na parte em que eu quebro a sua cara." tentou se levantar da cadeira e acabou fazendo com que a mesma caísse no chão.
"Pete!"
"Implore que eu te mate." deu um chute no peito dele.
"Não! Para com isso!" tentava a qualquer custo desfazer os nós que prendiam as próprias mãos.
"Me ajude a levantá-lo, Nick." levantaram a cadeira e o homem tentou mais uma vez se soltar dali "Cadê o alicate?" Donahue o entregou à Hemsworth "Quer que eu arranque primeiro as unhas ou os dentes dele, amor?"
"Para!"
"As unhas." o outro tentou reprimir o grito que queria escapar de sua garganta ao sentir a própria unha ser removida daquela maneira, realmente tentou. Não daria aquele gostinho à Jay. Não pôde evitar o gemido de dor ao que a unha saiu por inteiro.
"Mate-o de uma vez!" Emily não podia acreditar que as palavras estavam saindo da própria boca, mas preferia vê-lo morto à fazer com que ele sofresse daquela maneira.
"O que foi que você disse?" virou-se pra ela sorridente.
"Pare com esta palhaçada logo. É matá-lo que você quer? Então o faça e pare de tentar bancar o torturador."
"Qual seria a graça disso?" deu um soco no homem antes de continuar falando "Quer saber onde nossa querida Emily estava ontem?"
"Jay, pare!"
"Ajoelhada entre as minhas pernas." riu "Fazendo o que eu a ensinei a fazer melhor do que qualquer puta por aí."
"Pete." ela sussurrou vendo uma lágrima escorrer sobre o rosto dele.
"Oh, ficou triste foi? Não se preocupe, ela já me chupou tantas vezes que agora deve ser algo tão normal quanto tomar um banho. Se bem que ontem à noite nós tentamos algo bem diferente." os olhos dela foram em direção ao chão e Pete sentiu o coração diminuir dentro do próprio peito. Não era apenas a ideia de que ela havia feito qualquer coisa com aquele ser repugnante que o incomodava. O que realmente fazia com que ele quisesse arrancar a pele do outro era o fato de que, muito provavelmente, ele havia se forçado nela. Só pensar no pesadelo que a noite anterior provavelmente havia sido para a mulher fazia com que seu sangue borbulhasse. A raiva foi tanta que, num instante, conseguiu soltar o braço direito das amarras e desferir um soco no rosto do outro.
"Infeliz." o haveria acertado novamente se não tivesse perdido o equilíbrio e caído sobre a cadeira.
"Eu deveria fazê-la repetir tudo novamente bem aqui na sua frente, mas não quero sujar minha roupa de sangue."
"Por favor!" Emily gritou "Nos deixe em paz."
"Como?"
"Você nem ao menos me ama. Já conseguiu sua cidadania. Não precisa mais de mim. Deixe-me ir. Pete ficará feliz em pagá-lo pra isso."
"Deixá-la ir?" ajoelhou-se na frente dela sorrindo "Você não sabe o que eu sinto por você. Como pode me pedir que a deixe ir embora pra sempre?"
"Eu sei. Eu sei e não é amor. Não pensa que já sofri o suficiente?" respirou fundo "Se existe alguma parte de você que realmente já sentiu algo por mim, por favor, me deixe em paz."
"E o que vai fazer sem mim? Pensa que esse idiota vai ficar com você por muito tempo? Não seja burra. Você precisa de mim."
"Não! Eu não preciso! Pare de agir feito um desequilibrado e encare os fatos."
"Vou cuidar dessa sua língua." puxou o cabelo dela "Vou ter tempo o suficiente pra isso."
"Será que você não entende? Não importa quantas vezes você me estapeie, quantos ossos quebre no meu corpo, eu sempre vou tentar ir embora. Nunca serei sua."
"Eu sei a maneira certa de te fazer ficar." deslizou a mão pelos braços dela.
"Acabarei com a sua vida."
"Gostaria de vê-la tentar."
"Vamos terminar com isso sim ou não?" Nick questionou impaciente.
"Claro." desfez os nós que a restringiam à cadeira "Vamos ao gran finale!" sorriu sacando a arma que havia pendurado na própria cintura "Muito engenhoso de vocês dois vir para o meio do nada antes de zarpar do país." um de seus braços a envolveu pelo pescoço "Aposto que não contavam com o azar que teriam quando eu descobrisse tudo." sorriu ouvindo-a tossir com a falta de ar, Emily tentava a qualquer custo arranhar o braço dele para que a soltasse "Sendo honesto, tenho que agradecer à sua ex, Pete. Realmente estavam certos os que disseram que com mulher traída não se mexe." passou a mão pelo cabelo de Emily pressionando-a contra si "Queria que eu o matasse não é?" sussurrou no ouvido dela.
"J-Jay-"
"Que tal você fazer isso?"
"Eu nunca..."
"Nick." sinalizou para o homem que apontou uma arma para a cabeça de Pete "Acho que seria uma falta de consideração deixá-lo morrer pelas mãos de um estranho."
"Por favor..."
"Shhh." apertou o pulso dela com força fazendo com que segurasse a arma e colocou suas mãos sobre a dela, curvando os indicadores no gatilho "Aperte o gatilho."
"Não!" seu corpo tremia ao que ela chorava. Pete fechou os olhos respirando fundo.
"Aperte. O. Gatilho." apertou a mão dela com mais força.
"NÃO!"
"APERTE A PORRA DO GATILHO!" antes que ela pudesse gritar com ele mais uma vez sentiu o próprio corpo mover-se para trás com o impacto dos dois tiros saídos da arma em sua mão. Não podia ser.
Ouviu o homem gargalhar próximo ao seu rosto ao que o ajudante cortou as amarras que prendiam o outro à cadeira e o corpo dele deslizou até cair no chão. Se afastando de Jay, ela correu até ele sentindo a própria visão prejudicada pelas lágrimas. O que havia feito? Os olhos azuis dePete ainda estavam abertos, piscavam frenéticamente ao que um barulho agudo escapava por seus lábios. Olhou pra ela completamente confuso e franziu a testa parecendo sentir dor. Tentava dizer alguma coisa, qualquer coisa que pudesse remediar aquilo, mas seu corpo só conseguia se focar no homem no chão. Não havia sangue. Aquilo era bom não era? Se não havia sangue ela provavelmente tinha errado. Tinha que ter errado. Ele não podia morrer. Não agora. Emily se sentiu verdadeiramente amaldiçoada. Aproximou o rosto do dele, encostando os lábios nos seus e tentando levantá-lo o puxando pela camisa. Foi em vão. Onde diabos iria levá-lo? Jay ainda estava rindo. Virou-se na direção dele completamente furiosa. Queria arrancar-lhe os olhos com as unhas, mas só de pensar em deixar o outro ali naquele maldito chão frio ela já mudava de ideia. Pete suspirava e expirava, tentando demonstrar tranquilidade, mas os eventuais gemidos de dor entregavam o que realmente sentia naquele momento. A mão dele foi em direção à sua cintura e antes que ela pudesse dizer alguma coisa o outro a estava arrastando, literalmente, pra longe do corpo dele.
"Vamos embora porque temos muito o que fazer."
"Seu desgraçado! Eu vou te matar." gritou tentando atingi-lo com as mãos.
"Eu também te amo, minha linda."
"Me solta! Pete!" o homem virou a cabeça lentamente na direção dela e tossiu.
"Não creio que você tenha atingido uma artéria, mas se meus cálculos estiverem corretos o Nichols não vai durar mais que três horas."
"Por que você fez isso?" seu choro tornou-se ainda mais intenso ao que a distância entre ela e Pete se tornava maior.
"Porque é divertido. E, lembre-se, você quem puxou o gatilho." sussurrou antes de jogá-la no banco de trás do carro. Grudada no vidro da janela, Emily viu quando o homem no chão suspirou antes de parar de se mexer e seu mundo desabou.

**

Escutou o barulho do carro se movendo na direção oposta do galpão alguns instantes depois. Sentia frio, tanto frio, e uma falta de ar torturante. O corpo estava começando a ficar dormente. Bem, parte do corpo. Aquela era mesmo a reação normal? A última vez que havia tomada um tiro pra valer, a bala não havia ficado alojada em nenhuma parte de si então a sensação de queimação foi mais forte que tudo. Pensando bem, era uma comparação bem idiota a se fazer, situações completamente diferentes. Precisava levantar-se e partir para o plano B antes que fosse tarde demais para executá-lo. Apoiou a mão sobre o chão de concreto empurrando o próprio corpo para cima, mas sentiu-se repentinamente tão fraco que só conseguiu levantar o tronco pela metade. Deitou-se no chão respirando fundo. Esperaria mais alguns instantes antes de tentar de novo. O sono que tomou conta de si foi completamente inesperado. Tinha que manter os olhos abertos e manter-se atento para que tudo desse certo. Emily estava contando com isso. A vida dos dois dependia do quão eficiente ele fosse na porra de sua missão. O ronco de um motor familiar fez com que ele abrisse os olhos. Quanto tempo os havia mantido fechados? Não conseguia dizer. Os portões do galpão se abriram e passos rápidos vieram em sua direção. O rosto familiar de Billy quase fez com que ele sorrisse. Não fosse aquele frio torturante ele provavelmente o teria feito.
"Então ainda está vivo seu filho da mãe."
"É-é bom te ver também."
"Te disse que aquele merdinha iria agir de maneira previsível. Deixa eu ver." rasgou a camisa que o outro vestia com uma adaga "Não foi mal. O imbecil atirou uma vez só e no colete. A falta de ar já vai passar."
"O quê?"
"É normal a falta de ar quando se toma um tiro com o colete. Ele é à prova de balas, mas não de impactos."
"Ele..." ofegou novamente "atirou d-duas vezes."
"Tem só um buraco. Ele errou."
"Me levanta daqui."
"Eu ajudo." Pete sentiu-se surpreso ao ouvir aquela voz.
"Ron?"
"Sim, seu bastardo." agarrou um dos braços dele "Pronto?" Billy concordou e eles o levantaram
"Novinho em folha." o galês disse olhando para o chefe.
"Billy." Pete disse sério.
"Eu."
"Não consigo sentir as minhas pernas."
"O quê?"
"Não consigo sentir a merda das minhas pernas." os três se olharam em choque.



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