Prólogo

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Era uma noite chuvosa na cidade de Macapá. As ondas batiam com toda a força na orla da cidade e o Amazonas parecia estar enfurecido. Em alguns trechos, a orla estava muito vem iluminada e em outros parecia deixada ao abandono. Era meia-noite. A noite de sábado estava terminando e começava o dia 9 de agosto de 2015. Muitos carros movimentavam o centro da cidade, muitas pessoas ainda conversando nas pizzarias e restaurantes da orla da cidade Jóia da Amazônia. Por entre risos e diálogos, muita coisa acontecia em diversos ambientes da cidade. Nos hospitais, muitos pacientes sendo atendidos e outros ainda esperando ansiosamente pelo alívio de suas dores. Nas casas, muita gente assistindo filmes reunida com os amigos. Em alguns bairros, muita gente chateada pela queda na eletricidade. Em um dos trechos mais mal iluminados da orla, caminhava Paulo. Em meio à chuva, a figura solitária de 1,82m, camisa preta e calça jeans, andar triste e olhar cabisbaixo, silenciosamente passava despercebida por qualquer outro ser humano que estivesse na proximidade. O barulho da chuva era de dar medo. O vento forte parecia fazer borbulhar os pensamentos na mente de Paulo. Aquela era uma noite realmente difícil para ele. Talvez fosse a última, pensava. Em sua mente, pulsava o conflito entre a lembrança das palavras de Letícia, "Você pode vencer. É difícil, mas possível. Tens de confiar em Deus e acreditar em si mesmo. Não podes desistir. Ainda há muito a fazer" e os seus próprios pensamentos que pareciam gemer de dor ("Não aguento mais sofrer...já cansei de dar murro em ponta de faca...cada um tem escolhas a fazer, eu já cansei de escolher errado...pra mim, já deu"). A seu ver, tudo o que poderia acontecer de errado na vida de um cara de 21 anos já tinha acontecido: pais e irmãos falecidos em um acidente de avião, rendimento baixo na universidade, dívidas e dívidas a serem pagas, traição por parte da ex-namorada com o seu ex-melhor amigo e a derrota no torneio interestadual de natação em todas as provas que participou. Paulo não conseguia ver outra saída a não ser entregar os pontos em meio ao elemento em que sempre gostou de estar: a água. Pular no Amazonas e deixar-se levar pelas ondas até perder o último fôlego era agora, a seu ver, a única opção. Mas não foi tão rápido em tentar o ato. Caminhou longamente pela cidade (em pontos escuros e pouco frequentados, não queria que algum conhecido o visse, mas também não desejava ser assaltado, relembrando os últimos acontecimentos de sua vida e tudo o que estava acontecendo também no cenário político, econômico e cultural da cidade. Lembrou de seus pais, de sua ex-namorada, de seus amigos da natação, dos colegas da faculdade de Medicina, dos escândalos envolvendo desvios de dinheiro público, do sucesso dos novos hóteis e shoppings na cidade, da vivaz energia da nova geração de cantores e escritores regionais. Passou por sua mente também vários momentos de sua infância, como aquele em que, pela primeira vez, conseguiu fazer um discurso para um público maior do que sua pequena família (riu muito ao lembrar disto). Lembrou-se das noites mal dormidas que viveu no 3º ano do Ensino Médio, para tentar uma vaga na faculdade. Lembrou-se do amargo choro quando seu nome não estava na lista de aprovados. Lembrou-se do calor do beijo da primeira namorada. Lembrou-se das horas que passou no cursinho pré-vestibular. Lembrou-se dos domingos em que ia para a casa de alguns amigos do cursinho estudar das 9h às 18h e depois jogar videogame. Lembrou-se de quando viu pela primeira vez um tiro saindo de uma arma de fogo, não muito distante de onde estava. Lembrou-se da primeira vez em que, na faculdade, deparou-se bem de perto com um ser humano morto. Lembrou-se das crianças que consultava na unidade básica de saúde. Lembrou-se dos textos que escrevia. Lembrou-se das muitas cartas que escreveu a desconhecidos. Lembrou-se das vezes em que, silenciosamente, combinava com algum grupo de amigos fazer uma visita surpresa para algum aniversariante. A caminhada havia chegado ao fim. Agora era a hora de terminar sua história. Estava na hora de pular pela última vez no Amazonas. Aproximou-se calmamente do rio. Mas não completou seu intento. A mão de um homem muito forte o segurou. Ele surgira do nada! Paulo ficou grandemente aterrorizado, mas, ao olhar o rosto do homem, não pode conter as lágrimas. Aquele encontro mudou para sempre sua vida.





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