Capítulo 3 - Um chute no saco!

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Capítulo 3

Beto entrou no quarto, jogando a mochila no chão e colocando o notebook em cima da escrivaninha.

− Não mexe nessa merda. Tou cheio de trampo hoje.

Rafael, debruçado sobre sua apostila, resolvendo a lição de matemática, olhou rápido para o irmão, que tirava a camiseta e jogava no chão. Beto tinha o cabelo raspado do lado e uma franja meio bagunçada, semimoicano, que ele enchia com uma pasta com cheiro de menta para deixá-lo para cima. Diferente de Rafael, Beto tinha os olhos verdes, iguais aos do pai, e fazia sucesso com as meninas, mas só tinha olhos para Darla. Rafael achava isso legal do irmão, porque ele tinha pouquíssimas qualidades, mas uma delas era ser fiel à namorada. Darla era gatíssima. Tinha o cabelo nos ombros, pintados de vermelho como fogo e um piercing na língua que ela vivia colocando para fora como se coçasse os lábios com o artefato metálico. Ela, apesar de baixinha e magrela, tinha um corpo bastante atlético e atraente, e Rafael, que ainda não vivia os vapores de ficar encantado com seios e bundas, se pegava admirando a namorada do irmão, às vezes encantado com tanta beleza e força num ser só. Ela tinha olhos de mel e um sorriso largo, um sorriso repetido de quem vivia de bem com a vida, um sorriso que ele queria ter de vez em quando.

− Vou tomar uma ducha rapidão. Daqui a pouco a Darla vai colar aqui. Vamos sair pra comer um dogão.

− Posso ir? − perguntou Rafael, erguendo os olhos da apostila.

Beto ergueu as sobrancelhas e torceu os lábios.

− Não! Tá doido? Quero um pouco de paz. Não vai dar tempo da gente entrar no carro e você vai começar a tagarelar e reclamar e falar do outro moleque.

Rafael afundou na cama e a apostila de matemática pareceu encher-se de problemas insolúveis.

− Tá doido?

− Eu só queria sair com você de vez em quando.

− Ih, pivete, esquece. O lance tá corrido. Trampo, faculdade e namorada, o bicho pega. Logo você cresce e entende. Não sou mais sua babá faz tempo.

− Entendo que eu não tenho um irmão. Você só passa aqui de vez em quando e ronca nessa cama.

− Você peida. Estamos empatados.

− Onde vocês vão comer dogão?

Beto pegou um par de tênis no armário e um par de meias limpas e jogou uma toalha verde nas costas enquanto se olhava no espelho e ligava o notebook.

− Vamos no Refúgio do Macaco Voador.

− Hum.

Beto finalmente olhou para trás e para o irmão encoberto pela apostila.

− Um dia você vai crescer, parar de ser pentelho e descolar um trampo e também vai lá. Essa parte da vida fica pra trás e você esquece tudo

− Beto... − murmurou Rafael.

− Fala.

− Posso te pedir um treco que nunca te pedi antes?

− Ih, pivete. Lá vem bucha. Não vou te levar na Lili Madrugada. Você tá muito novo ainda.

− Eu queria uma grana.

Beto ergueu as sobrancelhas mais uma vez e ficou olhando para o irmão.

− Uma grana? Não é para ir na Lili, é?

− Que Lili?

− A Lili Madrugada. Todo pivete na sua idade quer ir na Lili Madrugada.

− O que é isso?

− Esquece. Se tu não sabe o que é essa merda, fica longe!

− Obrigado pelo conselho, mas não é pra isso.

− Desembucha. Que merda você quer comprar?

− Não quero comprar. Quero contratar.

Beto sentou na cama na frente do irmão.

− Daqui a pouco a Darla vai apertar aquela campainha e eu ainda vou estar aqui de papo-furado com você, moleque! O que você quer contratar? Fala logo.

− Um guarda-costas − disse Rafael, empolgado com a incomum atenção e acessibilidade do irmão.

Rafael pegou o celular ao seu lado e desbloqueou a tela, mostrando o aplicativo de seguranças particulares.

Beto bufou e soltou um muxoxo de deboche.

− Um guarda-costas? Fala sério? Ainda não meteu uma bica no saco daquele folgado do Maguila?

− Ele sempre vem com mais dez caras. Preciso de ajuda profissional.

− Precisa é tomar coragem nos colhões e enfiar uma bica no saco dele. Quando ele cair e ficar chorando que nem uma menininha na frente dos dez amigos dele, ele nunca mais te encara.

− Eu posso até tentar, mas toda vez ele me cerca e me bate. Olha aqui. Ninguém perguntou ontem, mas esse roxo no meu queixo é porque ele me bateu, de novo!

− É bom, pra você largar a mão de ser otário. Você não vai ter um segurança a vida toda. Eu não vou emprestar bosta de dinheiro nenhum.

− Eu te devolvo. Eu juro. Pelo amor de Deus, Beto, eu não aguento mais.

Beto levantou-se, insensível ao apelo dramático do irmão, parou na porta e olhou para ele.

− Um chute no saco. Isso resolve dilemas incríveis e é grátis.

Rafael baixou o celular, vencido. Beto tinha ido para o banheiro e não ia sair de lá até a Darla chegar. E quando voltasse do Refúgio do Macaco Voador, ele já estaria bêbado e irritado. Era sempre assim. Ele saía e enchia a cara com a Darla e, se por acaso tivessem uma briga de namorados, não era raro sobrar todo o mau humor do irmão em forma de empurrões e cascudos bem aplicados no tampo da sua cabeça. A mãe não fazia nada, cada vez mais hipnotizada pelo celular ou pela novela que não dizia nada na TV, fazendo vista grossa para seus problemas dentro e fora de casa. Aos poucos a vida dentro daquela casa ia virando um inferno.


Estrela da ManhãWhere stories live. Discover now