Assim que Rá abre a pálpebra, o dia começa. A noite cai logo que ele a fecha. Quando os céus escurecem, a barca de Rá desaparece no Ocidente, afastando-se do mundo visível. Imediatamente, o deus abandona a forma humana que apresenta durante o dia e ganha uma cabeça de carneiro, com longos chifres recurvados. Seu barco atravessa uma vasta região selvagem e desolada. Essa região separa do reino dos vivos do reino dos mortos - é o Amanti, o mundo subterrâneo. Nesse lugar sombrio, o barco vai atravessar, uma após a outra, as doze portas da noite: cada uma representa o passar de uma hora. Quando, com infinita lentidão, os tripulantes conseguem levar o barco para além dos desertos áridos, Rá chega finalmente ao império dos deuses subterrâneos, que o acolhem com deferência. Em seguida, os deuses oferecem a Rá quatro barcos, para que possa saudar Osíris que reina sobre os mortos. Na décima terceira hora, Rá atinge o domínio do deus Osíris. Na margem, os mortos aclamam-no com alegria e rebocam seus barcos.Depois de atravessar várias portas, o Sol penetra nas cavernas do Ocidente. Ali, as trevas são absolutas. O olho de Rá nada atinge, apesar de seu poder sobrenatural; os mortos também não podem mais enxergar o deus resplandecente. Nesse ponto, o rio está infestado de serpentes, que tornam a navegação perigosa e difícil. O único recurso de Rá é a magia. Segundo contam alguns, Rá transforma a barca numa enorme serpente, que se confunde com a massa agitada de répteis e consegue passar facilmente. Outros garantem que ele não modifica nada, mas coloca seu navio sob proteção de Mehen, a serpente divina. Tudo acontece em meio a uma escuridão tão profunda que se pode compreender que os homens dêem explicações tão diferentes para esse episódio. O que importa é que o Sol deixa são e salvo essa zona perigosa, e em seguida sua barca avança lenta e facilmente.Dois peixes seguem à frente, um de nadadeiras cor-de-rosa e outro de nadadeiras lápis-lazúli. De repente, eles lançam um alerta, e Rá percebe que é chegada à hora de enfrentar seu pior inimigo. Realmente, ora brotando do fundo do abismo, ora enrodilhada em torno de um pico rochoso, ergue-se à silhueta ameaçadora e gigantesca da serpente Apep, um monstro de quatrocentos e cinqüenta cavados, que ataca o Sol toda manhã e todo entardecer. Se for derrotado, Rá desaparecerá, e uma desordem inimaginável se instalará no universo. De certo modo, será o fim do mundo, a morte definitiva de todo o Cosmos. No decorrer desse combate, Rá precisa usar todos os seus recursos mágicos. Às vezes, quando os dois se defrontam, o imenso corpo de Apep esconde o grande Rá. Nesse momento, o sol pára de brilhar, e os homens assistem a um eclipse. Rá, no entanto, sempre consegue vencer o terrível réptil, que nunca desiste e, assim, o monstro sempre volta ao ataque.A vitória do deus Rá é o auge de sua navegação noturna e subterrânea. Ao atravessar uma porta monumental, o sol volta a brilhar no mundo dos vivos...e é assim que os Egípcios explicavam alguns fenômenos naturais como o nascer do Sol e o eclipse.
Mas quando o Senhor Saga terminava a história do deus Sol, naquela noite de terça-feira, Ramsés já estava dormindo profundamente. Dormia um sono gostoso. A expressão do seu rosto denunciava que sonhava com toda a fantasia que tem direito o sonho de uma criança de onze anos.
Chamava-se Ramsés Saga. O nome foi-lhe dado em virtude da grande paixão que seu pai, o arqueólogo James Saga, tinha pelo antigo Egito. Ramsés era uma criança como outra qualquer, exceto pelo estranho nome que tinha. Desde que entrou para a escola, as crianças sempre estranhavam o nome. Hoje, Ramsés já não se espantava mais ao ver alguém perguntar a origem do seu nome. Não tinha receio, pelo contrário, gostava tanto do antigo Egito que todas as noites em que seu pai estava em casa, sempre pedia para ouvir uma história cheia de fantasia sobre o mundo das múmias e das pirâmides. O jovem Saga era uma criança magrinha, muito inteligente. Gostava muito de estudar; gostava do ambiente escolar, onde sempre conhecia novas pessoas. Agora, aos onze anos o garoto de cabelos negros, meio encaracolados, havia terminado os quatros anos que compunham o curso primário. Estava prestes a iniciar uma nova jornada.
A família Saga sempre morara em Londres. Mas somente a poucos dias haviam mudado-se para a Oxford Street, a principal rua da velha capital inglesa. A nova rotina de Ramsés a partir da segunda-feira seguinte seria pegar todas as manhãs o metrô holborn até a sua nova escola – o Instituto Real. James Saga se preparava para viajar para sua próxima expedição, no Cairo. Da sua última escavação, havia iniciado uma incrível descoberta: jóias usadas pelos antigos faraós, um total de sete. Havia muito que estudar sobre essas jóias, mas o Senhor Saga acreditava que elas seriam a chave para desvendar o mistério que até hoje paira sobre a humanidade: as pirâmides. Na verdade, James Saga não era o primeiro a descobrir a ligação entre jóias antigas com o mistério das pirâmides, mas foi o primeiro a encontrar uma das jóias que os pergaminhos antigos apenas citavam. Havia descoberto um anel que parecia ter pertencido ao faraó Hamen-hotep. Uma exposição, nesta quarta-feira, aconteceria no Museu Britânico, onde o anel estaria sendo exposto.
Naquela manhã de quarta-feira, Ramsés acordou pensando que havia visitado o antigo egito durante a noite. Sonhou com a viagem na barca do deus Rá, com o encontro de Rá com seu maior inimigo, Apep. Mas no sonho, Rá não vencia e Apep ria da grande vitória. De repente, a escuridão tomava conta do Egito, e as mumias voltavam a vida. As pessoas, ao perceberem que feridas terríveis apareciam em seu corpo, gritavam horrorisadas. O mesmo grito Ramsés deu no seu quarto naquele manhã...
- Que houve, meu filho? - gritou a mãe - James, o menino teve outro pesadelo. Quando é que você vai parar de contar a ele essas histórias de múmias e tantas coisas.
- Não foi nada, mamãe!
- Como não foi nada, Ramsés! Aposto que teve outro pesadelo com múmias e outras bobagens!
- Sim, mas...foi um sonho esquisito!
- Querida, - disse James – ter pesadelos é normal. Mas deixe que eu falo com ele.
- Tudo bem, mas não quero ver você outra vez contando essas histórias para ele.
E dizendo isso, desceu as escadas até a sala e dobrou o corredor até a cozinha.
- Foi incrível pai! Sonhei que viajava na barca do deus Rá, mas...ele perdia a luta contra Apep e o fim do mundo ocorria.
- Então foi uma aventura e tanto!
James abraçou o filho e lhe disse:
- Campeão, acho que vou ter que parar de te contar essas histórias. Sua mãe acha que você vai ter pesadelos se ouvir as grandes histórias sobre o Egito.
- Mas pai...
- Não posso fazer nada filho, em todo caso logo viajarei para o Cairo e não poderei te contar mais histórias.
- Eu gosto das histórias...
James, então piscou para o garoto.
- Mas isso não significa que você não possa ler as magnificas histórias sobre o Egito. Há muitos livros lá no porão que trazem histórias maravilhosas. Só não deixe sua mãe ver...
- O senhor é o melhor pai do mundo, sabia!
- Sim, sabia! Pena que não posso ficar muito tempo com vocês.
- Pai, o senhor bem que poderia me levar numa dessas escavações.
- Quem sabe um dia, quando você for do tamanho do Nêmeses eu não te leve a uma escavação.
- Sério, pai?
- Sim! O ano passado levei seu irmão. Ele adorou. Eu fiquei com muito medo porque ele desapareceu em uma das passagens secretas daquela pirâmide. A mãe dele me mataria se soubesse que isso aconteceu.
- Como o senhor o encontrou?
-Que nada, ele mesmo descobriu uma saída. Aquele pestinha é mais traquino do que você.
- Faz tempo que não vejo o Nem. Acho que deve ter quase dois anos, não é?
- Sim, filho!
- Pai, posso ir até a exposição?
-Claro que sim, filho. Iremos todos. Alías, vamos tomar o nosso café da manhã, porque já estamos atrasados.
Desceram, Ramsés foi pro banho. James foi falar com a esposa. Depois do café da manhã, entraram no incrivel ford antigo de Saga e foram até o museu britânico onde haveria uma exposição com a descoberta de James. Quando chegaram no local, viram que as pessoas lotavam as escadas que dava acesso a entrada do museu. As colunas estavam cheias de almas vivas prontas para ouvir uma resposta para a antiga questão da mente humana: por que e para que foram construídas as pirâmides?
Saíram do carro e subiram as escadas. As pessoas já sabiam quem eles eram. Saga era muito conhecido, e agora sua carreira iria dar um salto gigantesco. Havia uma sala especial que atraía muitos curiosos. Naturalmente era a sala onde o anel seria exposto. Ali estava a jóia, envolta de uma grande caixa de vidro que o protegia contra as mais avançadas tentativas de roubo. Ao lado, fotos da escavação e alguns pergaminhos que contavam a lenda das sete jóias do Nilo.
Ramsés aproveitou para dar uma olhada. O pai ainda não havia lhe falado nada sobre a nova descoberta.
- Hum, então esse é o famoso anel! Que será que ele tem de especial?
O garoto leu a tradução dos pergaminhos que seguiam os originais e percebeu que estes falavam da existência de sete jóias que segundo uma lenda pouco conhecida tinham poderes mágicos.
- Legal!
Lido isto, aproximou-se mais do vidro, embora não fosse tão possível, uma vez que o salão estava lotado de curiosos.
- Que poderes mágicos você tem?- falava uma garota do outro lado do vidro.
Ramsés a viu. Era uma garotinha muito bonita. Tinha cabelos negros e usava um vestido rosinha muito elegante, e uma tiara sobre a cabeça. Que estranho! Por um instante, o garoto teve a sensação de já conhecer aquela garota. Aquele rosto não lhe era estranho. Ia se aproximar da garota, mas ao sair do pensamento, a garota não estava mais lá.
O garoto não deu muita importância ao sumiço da menina. Ao invés disso, passou a observar o anel com tanto encantamento que era como se esperasse que ele lhe contasse que poderes teria. Chegou a desejar tê-lo em seus dedos para que pudesse testar se realmente ele tinha poderes mágicos. Olhando o salão, Ramsés viu algo familiar. Ao lado da jóia,e da imagem das outras seis reproduzidas estava um livro de capa vermelha, com um simbolo que Ramsés conhecia bem – o olho de Rá. Ao que parecia, neste livro haveria a decrição dos poderes mágicos do anel. Ramsés tinha quase certeza que já havia visto esse livro no escritório do seu pai.
A exposição durou a manhã toda. Ali havia crianças e adultos, jovens e velhos, reporteres e curiosos. E foi justamente dos repórteres que o Senhor Saga tentou escapar.
Já em casa, pelo noticiário acompanharam a cobertura da exposição e puderam ver as declarações de Saga a alguns reporteres dos quais não pode ignorar. Um repórter lhe perguntara se ele acreditava que a lenda das jóias do Nilo era verdadeira...
- Ao que parece sim, uma vez que existe mesmo o anel poderá haver as outras seis.
Outro repórter, então, perguntou se ele acreditava nos poderes mágicos da jóia encontrada.
- Claro que é só uma lenda, mas o incrível é que elas realmente existem. O que significa que há muitos mistérios a serem revelados tão logo as outras seis sejam descobertas. Mas é claro, isso poderá levar anos.
- Pai...- perguntou Ramsés – essa escavação que o senhor vai é sobre essas tais jóias do Nilo?
- Sim, filho. Parece que descobrimos a localização de uma segunda jóia: o bracelete de Kefren.
- Bracelete de Kefren?
- Sim, as jóias da lenda parecem ter existido com o primeiro faraó, Menés. Talvéz, alguns acreditam, ele tenha usado seus poderes mágicos para unificar os nomos egípcios e formar a civilização que conhecemos. No entanto, alguns faraós posteriores usaram também o poder dessas jóias, a exemplo do faraó Amen-hotep IV, que foi o último a usar o anel que descobri. A lenda dá às jóias a denominação daqueles que foram seus últimos utilizadores.
- Mas pai, que poderes tem esse anel?
- Depois, outro dia seu pai lhe conta essa história. Vá para o banho, porque vamos até sua nova escola conhecer o diretor.
Ramsés foi para o banho. O telefone toca. James vai atender. No telefonema alguém lhe comunicava o desaperecimento de um velho amigo de escavação. Lourenço Barthes era um cidadão já idoso, cuja vida foi tentar descobrir a existência das jóias do Nilo. Tudo que Saga sabia devia a ele. Muitas vezes já havia visitado a família, e era até conhecido como tio Barthes. Quando Ramsés saiu do banho viu o pai sentado sobre o sofá da sala de cabeça baixa, mãos à cabeça.
- Que houve pai?
- Tio Barthes, filho...
- Que houve com Tio Barthes, ele não...
Era tão idoso que Ramsés até havia pensado que o velho homem havia morrido. Mas não, ele não havia morrido. Estava vivo, mas desaparecera misteriosamente. Não houve mais conversa naquela noite. James Saga se trancou com a esposa no seu escritório. Se Ramsés bem conhecia o pai, o que iria acontecer estava previsto em sua mente: Saga iria viajar imediatamente para tentar descobrir o que houve com o velho tio. Não deu outra, na manhã seguinte, Ramsés nem viu a sombra do pai mais na casa. James já havia viajado e com certeza descobriria o que acontecera ao velho homem.