Capítulo 1

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- Senhor juiz, peço adiamento dessa audiência – eu falei tão baixo que duvidava que ele realmente tivesse me ouvido.

- Como? Ele me olhou com curiosidade.

- Adiamento, Excelência.

Segurei o pouco da confiança que eu ainda possuía em algum lugar e lancei tudo no meu olhar. Isso ao menos fez com que ele me olhasse de volta, em seguida para o sujeito ao meu lado. Não conseguiria olhá-lo uma segunda vez. Fechei minhas mãos em punho e aguardei a resposta do Magistrado. Depois de segundos analisando, ele se decidiu:

- Tudo bem, se o Ministério Público não se opor, adio até a próxima data na agenda.

- Sob qual justificativa Doutora? O Promotor me inquiriu, fazendo com que eu levantasse ainda mais a cabeça.

- Incompatibilidade de interesses.

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Meus dias viraram um inferno depois disso. Eu me sentia inflamada, como se uma chama de raiva queimasse dentro de mim. Irritadiça, descontei de em qualquer um que cruzava meu caminho. Um simples bom dia, era capaz de me tirar do sério. Por fim, a maioria passou a me evitar e finalmente tive um dia de paz. Bem, até a secretária do prédio me interfonar:

- Não posso atender ninguém hoje, Roberta – falei para a mulher bem idosa que auxiliava os defensores no prédio – estou com vários prazos vencendo hoje.

- A mulher insiste, dizendo que é da família, Dra. Luciana.

Ora, quem ainda usa algo tão original? Dei uma longa olhada no relógio, conferindo se ainda tinha paciência suficiente para gastar nas próximas horas. Como pensei, tinha pouquíssima e ainda menos tempo para tudo que ainda precisava fazer:

- Mande logo ela entrar, Rô – eu disse soltando vários papéis na mesa, demonstrando meu descontrole.

Os saltos do sapato de bico fino, fizeram sons estridentes na minha sala, quando ela entrou. Ergui minha cabeça, para ver uma silhueta alongada e dona de pernas bem compridas. Sem ser convidada, ela sentou-se diante de mim, colocando suas mãos sobre a mesa e jogando palavras venenosas:

- Você precisa defendê-lo – seus olhos fitaram diretamente os meus.

Preciso? A ideia passou na minha cabeça e antes que eu pudesse detê-la, estava estampada em meu rosto, produzindo uma forte reação no dela:

- Eu digo isso, Luciana, de maneira contrariada – virou-se de lado, com uma carranca no rosto e voltou a me encarar sorrindo - porque vamos admitir, eu odeio você – seus olhos brilharam ao se inclinar pra frente - com todas as minhas forças.

Bem, pela primeira vez, concordamos em algo, além de obviamente termos nos apaixonada pelo mesmo homem, anos atrás.

- Se eu tivesse tempo, perguntaria exatamente aonde quer chegar, Samanta – apontei um dedo em direção à porta e continuei – então por favor, tire seus pés da minha sala e saia pela mesma porta que entrou.

Ela fingiu estar ofendida, por instantes, até perceber que eu não estava brincando sobre ela sair do meu escritório. Continuou me encarando, e um pouco relutante, agarrou as alças douradas da própria bolsa como se pudesse se proteger.

Respirei aliviada quando ela se encaminhou para a saída, mas ao cruzar a soleira da porta, parou o seu passo e olhou diretamente para mim ao dizer:

- Nenhum advogado dessa Cidade aceitou defende-lo – ela olhava pensativa e de certa maneira até triste, para os defeitos no tapete da minha sala, como se encontrasse respostas em suas falhas – e mesmo que aceitassem, Hugo não sobreviveria um dia na prisão.

Ela fechou a porta ao sair com delicadeza. As únicas evidências de que Samanta esteve em minha sala, era o seu perfume adocicado que ainda pairava em minhas narinas e o assento amassado da cadeira a minha frente.

Do contrário eu pensaria que havia sonhado, e que as palavras dela, não tiveram tanto impacto em mim quanto eu gostaria.


Obscuro - A verdade tem dois ladosOnde histórias criam vida. Descubra agora