Prólogo

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A Criação é o ponto mais elevado de toda Existência, acima do Paraíso onde os anjos residem. Sua luz irradia para todas as regiões como um pulsar de vida, banhando cada criatura em maior ou menor intensidade. Ela existe antes mesmo da grande explosão luminosa que deu inicio ao universo, a Criação sempre esteve lá e para sempre estará.

Sete seres de extremo poder estão sobre ela e que governam tudo o que se encontra abaixo de seus pés são chamados de Altíssimos, por estarem mais alto que os altos do Paraíso. Seres angelicais cujos nomes apenas eles conhecem, porém, tratam-se pelos aspectos que representam: Vida, Morte, Justiça, Espirito, Esperança, Destino e Amor.

Um grande salão redondo cuja abobada possibilita o vislumbre de todo o universo e suas múltiplas cores e fenômenos, paredes brancas como mármore que se tornam translucidas à medida que se afastam do chão prateado. O piso perfeitamente liso é feito de prata reluzente e uma grande estrela de seis pontas desenhada em ouro puro. Em cada uma das pontas há um opulento acento, um trono poderoso onde repousam os Altíssimos, no centro da estrela outro trono, o Branco, mais simples, onde governava o Anjo do Amor.

O Anjo do Amor sacrificou sua própria essência para estabilizar o universo, que sempre se expande e, por isso, pôs em risco toda Existência. Deste sacrifício surgiu uma criatura que não estava nos planos dos Altíssimos, o único ser eterno a pisar sobre o jovem planeta Terra: o homem.

O surgimento do homem e a ausência do Amor na Criação fez com que os Altíssimos mudassem sua maneira de governar, agindo por meio de longas deliberações e de votos, de igual peso, dos seis restantes.

De pé, próxima ao Grande Trono Branco estava a Morte, curvada sobre sua grande foice metálica e coberta por um grande manto escuro. Segurando o cabo de sua arma, revelava duas manoplas de prata que protegiam sua mão e sugeriam que a proteção continuava, mas oculta sob suas vestes, seu rosto invisível em meio à sombra não dava ar de existir, porém as fumaças de condensação que eram expelidas durante seu falar indicavam a existência de uma boca.

- Um ser eterno – Disse a Morte irritada. – Um ser eterno no plano material o coloca acima dos anjos. A eternidade faz o homem ser como nós, ser Altíssimo mesmo estando tão abaixo. – Sua fala era rouca e cansada, mas deixava transparecer sua indignação.

De pé em frente ao seu trono na ponta sudoeste, o Anjo da Vida era uma figura emblemática, coberto com um grande vestido de um verde claro, quase branco, a afeição feminina e a pele amorenada como jambo, os cabelos longos jogados para trás só tinham fim em seu comprimento quando encontravam a raiz dos três pares de asas, o primeiro era mais elevado com plumagens brancas e douradas, o segundo, pequeno, curvado para frente como que se protegesse seu útero, tinha as penas de um verde bem escuro, como uma floresta densa e o terceiro par, virado para baixo cuja extremidade arrastava no chão como um pequeno véu de noiva tinha penas brancas em sua base e, no decorrer de sua extensão, tornava-se marrom como terra molhada.

- Ele surgiu porque havia de surgir e sua natureza eterna é o que é. – Sua voz macia transmitia entendimento – Não percebe que há no homem parte de todos nós?

- Todos? – virou-se a Morte na direção do Anjo da Vida. – Não há nada de mim. O homem vive, ama a criação, tem esperança, tem espírito e é justo. – Deu uma pausa e virou-se para o misterioso Anjo do Destino – deve ter um destino traçado neste livro também, mas não morre.

- Não, porque não deve haver renovação do homem, como não há em nós.

- Este fato é inédito, sem duvidas. – Disse o Anjo do Espírito.

O Espírito tinha uma aparência poderosa. Uma completa armadura de prata por onde se podiam ver fluxos de energia azulada, como veias indo e vindo, um enorme par de asas brancas como as nuvens de um dia de céu claro, olhos totalmente prateados e luminosos e a cabeça quase careca, revelando apenas uma pequena penugem escura. Em sua mão e sempre desembainhada estava uma espada feita de fogo azul, a espada do espirito.

- Estávamos presentes quando a Estrela da Manhã foi criada e quando os anjos surgiram após ela. Demos todas as bênçãos a Gabriel, não nos opomos quando a Criação fez surgir Metatron e fizemos de Rafael um eterno, mas agora surge uma criatura fraca, baixa, mas capaz de sobrepujar tudo que existe em seu mundo e eterno, o homem não se submeterá a nosso julgamento. – A fala era forte e mandatória e o Anjo do Espírito gostava de pontuar as frases movimentando sua espada.

- Ele não deve se submeter, deve ser quebrado. Sua existência é uma anomalia! – A Morte olhou fixamente para o Espirito, embora não sentisse medo de nenhum deles, a imagem do anjo poderoso sentado em seu trono feito de energia translucida o fazia pensar que poderia escolher melhor o tom e as palavras.

- Você sugere que...

- Destruí-lo. – A Morte sequer se deu ao trabalho de olhar para a Vida.

O brilho emitido pelo bater das asas que se sucedeu chamou a atenção de todos para o Anjo da Esperança.

Uma menina de pele clara como a neve e olhar firme, com cabelos pretos até a altura do queixo cobrindo as pequenas orelhas, vestindo uma túnica branca amarrada com um cinturão dourado e sandálias brilhantes como ouro, flutuando acima do solo pelo bater de seus dois pares de asas coloridos cujo bater emanava o brilho de aurora boreal.

- Nós não destruímos. As plantas e os animais nascem e morrem, mas não são destruídos, esta não é a saída.

- Que seja submetido à mortalidade então. – Sugeriu a Morte.

O Anjo da Vida sentou-se em seu trono feito de galhos e folhas entrelaçados, apoiou o cotovelo sobre o descanso e a cabeça sobre a mão, demonstrando cansaço quanto a aquela discussão.

- Não podemos submetê-lo assim, sem uma razão. O homem nasceu para a eternidade e, apesar da criação ao seu redor lhe prestar reverencia, não é bom que viva só. – A Vida não olhava diretamente para o Anjo da Morte, preferindo olhar para seus outros pares.

Em velocidade que contrariava sua aparência cansada, a Morte virou-se novamente para o Anjo da Vida e, adotando uma postura ereta, apontando ameaçadoramente sua foice falou em tom agressivo.

- Sugere que façamos outro ser como o homem? Estamos aqui falando sobre o perigo de sua eternidade e deseja agora multiplica-lo?

- Se meus irmãos assim assentirem.

A Morte pareceu rir e voltou a adotar sua postura cansada, apoiando-se com as duas mãos sobre a foice.

Sentado de forma desleixada sobre seu trono dourado, o Anjo da Justiça ouvia calado as argumentações, seu voto não pesava mais que os dos outros, mas suas sentenças eram sempre respeitadas, porém não tinha o costume de julgar as questões dos Altíssimos, preferindo deixar as deliberações fluírem normalmente.

De olhos vendados por uma tira rubra, o Anjo da Justiça exalava confiança. Sentado de pernas abertas, descansava o braço esquerdo sobre o apoio de seu trono e com a mão direita segurava seu poderoso martelo entre as pernas, apoiado no chão, dois pares de asas, uma branca e outra preta sobrepostas acrescentavam imponência a sua imagem, os cabelos curtos, aparados em um corte militar e o rosto quadrado, de queixo largo, dava-lhe grande ar de masculinidade.

Seu levantar era acompanhado do som das placas pesadas de sua armadura.

- Irmãos, façamos deste modo. Dê-se uma ordem ao homem, qualquer ordem, caso desobedeça a Morte poderá lançar a mortalidade sobre ele. Façamos também uma companhia para o homem, assim ela será igualmente submetida a esta ordem e o homem não será mais solitário. Faz-se a vontade de ambos os contendentes. – Embora a natureza de sua fala fosse de uma sugestão, o tom que adotava trazia consigo um ar de ponto final, de decisão.

Todos, com exceção do Anjo do Destino, imóvel desde o inicio da discussão, assentiram. Mesmo a Morte, insatisfeita com a sugestão, percebeu que não conseguiria uma oportunidade maior para lançar sobre o homem sua benção mortal.

O Destino, de olhos e boca vendados e cabelos brancos e ralos como de um homem velho, vestindo uma leve armadura sob um sobretudo branco e adornado com fios dourados, segurava sobre o colo um pesado livro, sua voz era ouvida na mente de todos os Altíssimos, uma voz suave mas poderosa, que ecoava até os confins das essências de quem as ouvia.

- O que tiver de ser, já está escrito. – Disse na mente de todos, pontuando o fim das deliberações.Toque aqui para começar a escrever

O Forjador de Almas - Paraíso.Onde histórias criam vida. Descubra agora