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NO AEROPORTO DE COCHIN, a calcinha nova de Rahel era de bolinhas e ainda estava engomada. Os ensaios tinham sido feitos. Era o Dia do Espetáculo. A culminação da semana do O que Sophie Mol Vai Achar?

De manhã, no Hotel Rainha do Mar, Ammu, que durante a noite sonhara com golfinhos e um azul profundo, ajudou Rahel a vestir a sua Toalete de Aeroporto. Era uma daquelas surpreendentes aberrações do gosto de Ammu, uma nuvem de renda amarela dura com pequenas lantejoulas prateadas e um laço em cada ombro. A saia de babados era forrada de entretela para armar. Rahel ficou preocupada porque a roupa não combinava bem com seus óculos de sol.

Ammu segurou a calcinha engomada do conjunto para ela. Com as mãos nos ombros de Ammu, Rahel vestiu a nova calcinha (perna esquerda, perna direita) e deu um beijo em cada covinha de Ammu (lado esquerdo, lado direito). O elástico estalou de leve sobre sua barriga.

"Obrigada, Ammu", Rahel disse. "Obrigada?", Ammu perguntou.

"Pelo meu vestido novo e pela calcinha", Rahel respondeu. Ammu sorriu. "De nada, meu amor", ela disse, mas triste. De nada, meu amor.

A mariposa no coração de Rahel levantou uma perna peluda. E tornou a baixar. A perninha estava fria. Um pouco menos sua mãe a amava.

O Rainha do Mar cheirava a ovos e café de filtro de papel.

A caminho do carro, Estha levava a garrafa térmica Águia cheia de água da torneira. Rahel levava a garrafa térmica Águia cheia de água fervida. As garrafas térmicas Águia tinham Águias Térmicas estampadas, com as asas abertas e um globo nas garras. Os gêmeos acreditavam que as Águias Térmicas vigiavam o mundo o dia inteiro e voavam nas garrafas a noite inteira. Silenciosas como corujas elas voavam, com o luar nas asas.

Estha estava usando uma camisa vermelha de mangas compridas com colarinho pontudo e calças justas, pretas. Seu topete parecia engomado e surpreso. Como clara de ovo bem batida.

Estha, com certa base de verdade, há de se admitir, disse que Rahel parecia boba na Toalete de Aeroporto. Rahel deu um tapa nele, e ele deu um tapa nela.

No aeroporto, os dois não falavam mais um com o outro.


Chacko, que geralmente usava um mundu, estava vestindo um terno justo engraçado e um sorriso brilhante. Ammu endireitou a gravata dele que estava torta. A gravata tinha tomado seu café-da-manhã e estava satisfeita.

O Deus das pequenas coisasWhere stories live. Discover now