Capitulo 3

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Em casa Júlio só chorava. Não que ele tenha se apegado a um garoto em alguma aulas de conversação, mas em alguns anos, André foi a única pessoa que se aproximou dele na escola, e para o que? Para o ridicularizar. Aquilo foi a gota d'água. Iria se matar. Morrer. Acabar com tudo aquilo. Não falarei o que penso, ou qualquer outro comentário sobre isso, apenas retransmitirei a história que me foi passada. Júlio não tinha banheira para uma morte trágica digna de algum filme, nem tinha remédios em casa para isso, muito menos dinheiro para comprar, então a solução que ele encontrou foi se enforcar. Mas onde? Tinha algumas luminárias na casa, e como ele era magro, serviria bem. Amarrou um pedaço de corda de varal na luminária, fez um laço, subiu em uma cadeira e colocou a corda no pescoço. Quando estava tomando uma coragem súbita, daquelas que são uma injeção de heroína, alguém liga pra ele. Coisa de alguns segundos antes dele pular. Ele fica ali, chorando, em cima da cadeira, esperando parar a música, o coração parar de acelerar, respirando. O susto quase o matou. Mas algo chamou sua atenção. Não foi o fato do nó na lâmpada estar frouxo e com toda certeza iria soltar, ou o fato de que a corda era grande demais pra ele conseguir sufocar, mas sim a música do seu toque. Uma música antiga da Rita Lee, coisa que gente velha e alternativa ouve. Naqueles possíveis (não, não eram possíveis, mas para Júlio era, então vamos respeita-lo), últimos momentos de vida, aquela música foi a sua salvação. Aquela letra entrava em sua mente, grudava em seu espírito, o arrepiava. "Um belo dia eu resolvi mudar, e fazer tudo o que eu queria fazer". Aqui se tornou um mantra que ecoava em sua consciência. Ele não via mais nada, apenas imaginava sua vida até ali. Todos dizem que quando estamos prestes a morrer, ou pelo menos achamos que sim, nossa vida passa como um filme em nossos olhos. Creio que foi algo parecido. Um filme mostrando todas suas preocupações, todas suas angústias, todos seus raríssimos momentos de prazer. Ele viu como sua vida tinha sido infeliz até aquele momento. " E fazer tudo o que eu queria fazer". Aquele trecho ressoava em seus ouvidos. Talvez um sinal, talvez só uma coincidência. Não. Definitivamente não era uma coincidência. E se fosse, foi a melhor coincidência na vida de Júlio. Um garoto tímido, isolado, angustiado, enfim, infeliz. Agora ele sentia como se seu corpo flutuasse. A música já tinha parado, ninguém ficaria esperando Júlio alcançar o nirvana para ser atendido, mas ele ainda estava ouvindo aquilo em sua mente. Tudo aquilo ficava em sua mente.
O telefone toca de novo. Mas a música não era a mesma. Ele não alcançou o nirvana, mas ao menos saiu daquele transe digno de um Lama. Era a Marcha Imperial, aquela do Star Wars. Era sua mãe. Ele corre e atende.
-Alô....
-Se arruma que hoje vamos na igreja. O seu pai vai levar um pessoal da empresa, então se arruma direito. E não leva essa poha desse celular. Vai logo.-Ela desliga.

Puta que pariu. Aquele não era um bom dia pra igreja. Pronto. Sua iluminação acabara.
Ele senta na cama, olha a corda pendurada na lâmpada, solta uma risada de deboche e de alívio. Aquela que não tem som, só uma expressão vazia no rosto, que quer dizer muito.
Vai até seu armário, olha umas roupas. Algo nele realmente tinha mudado. Não sentia mais vontade de colocar aquelas roupas unissex dele. Aquelas calças pesadas de mineiro, ou aquelas jaquetonas horríveis. Queria algo diferente. Algo que pudesse realmente ele se sentia bem. Resolveu usar um conjunto que ganhou de natal de uma tia sua. Ao contrário do que muitas tias dão, coisas velhas e estranhas. Aquele conjunto era bonito, legal, descolado. Seria realmente algo que Júlio não estava nem um pouco acostumado. Mas depois daquela experiência dele, ahhhhh, depois daquilo ele não queria ser mais o mesmo. Vestiu. Uma calça vermelha, justa. Uma regata branca, e um colar preto, cheio de pingentes. Bom, sinto-me na obrigação de falar sobre essa tia de Júlio. Chama-se Martha, vive no centro de São Paulo, é publicitária e bissexual. Talvez seja esse o motivo dela ter dado essas roupas para Júlio. Os gays, as lésbicas, os bissexuais, tem um algo a mais. Algo que chamam de gaydar. Sabem muito bem sobre a sexualidade, potência sexual, e alguns mais experientes, tem um conhecimento profundo sobre o tamanho das áreas genitais dos outros. Coisas meio estranhas para quinze ou vinte dias atrás, mas talvez todos tenham na era de vocês leitores. Ela era magra, alta, não tinha muito peito ou bunda, mas era muito bonita. Um cabelo sempre chanel, preto ou branco. Apenas essas duas cores, que diversificavam com o humor de Martha. Era legal conversar com ela, que tinha o dom de beber e não ficar bêbada. Enfim, essa era Martha. Feito meus comentários, prossigo na narrativa sobre Júlio, que nessas alturas já estava se olhando no espelho e analisando como tinha ficado com aquela roupa. Lindo. Bom, opinião pessoal minha, não gosto muito de pessoas magrelas, sem nada para dar uma apertada, e isso ficava pior com ele usando roupas estranhas, de gente velha, roupas que não ficavam bem com ele. Agora, ali, com aquela roupa, daquela forma.... Sim, ele estava atraente. Com certeza chamaria a atenção. Sua mãe chega. Agora é ir para a igreja.

Je Suis Desolé (Romace Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora