Prefácio

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Prefácio.

Abro os olhos e firmemente encaro o teto do meu quarto. O feixe de luz que entra pela janela me revela a ingratidão do dia. Levanto-me antes do soar do despertador, recordando-me da mal noite de pesadelos, assombrado por rostos que há muito não os via.

Que lindos olhos verdes!
Que pele branca e cheirosa, deixe-me sentir!

Afasto-me do lapso pós-sonho, fortemente usual.
Rodeio o quarto, olhando para o espelho, analiso-me, fito-me, desprezo-me. Cabelos claros, corpo esguio, esquálido, olhos verdes, olheiras marcantes,  resultado de uma vida opulentamente pobre.
Saio do quarto, trajando somente uma calça de algodão preta, e dirijo-me ao banheiro. Não olho para o espelho, evito ver novamente o que não me agrada. Com uma rápida passada de mão húmida sobre meus cabelos, ordeno-o de modo aceitável. Começo então a me afeitar. Sempre fora uma momento oportuno para remanejar pensamentos obscuros em seus devidos lugares.
"Definitivamente estou decidido ir à terapia hoje." Assevero rapidamente em voz abafada.
Quando me sento à mesa, percebo que me resta somente uma banana e duas maçãs de café da manhã. Ponho-me a comer quando olho o relógio, 7h23.
Com uma calça jeans gasta e uma camiseta branca de linho, caminho pela rua, rumo ao consultório da Dra. Aina. Passo por um caminho que me remete à minha infância. Uma praça mórbida, com árvores secas cujas folhas, ao chão, formam um tapete avermelhado. O cheiro de folhas secas me embriagam, então, paro por um instante, olho o sol, que timidamente rasga o céu.

Deite-se! Quero-te nú...
Não olhe para mim, seu porco imundo!

Meus olhos se afogam em lágrimas de desespero ao me lembrar daquelas palavras... "Chega!". Respondo-me tão áspero quanto o tronco do carvalho a minha esquerda.
Em um prédio comercial, espero o elevador que me levará ao quinto andar. Ao abrir a porta, vejo a uns dez passos de distância um balcão de mármore branco, com uma senhora sentada atrás, cabelos amarrados a formar um coque e vestida em roupas formais. Aproximo-me e ligeiramente meus olhos percorrem o aconchegante escritório, que se não fosse por Chopin: Nocturne estaria completamente em silêncio.
"Bom dia, Dona Norma. Eu liguei ontem... Tenho um horário as 8h." Rompo em um breve diálogo enquanto alcanço meus documentos no bolso traseiro da minha calça.
"Bom dia, senhor! Lembro-me da sua ligação. A Dra. chegou há uns cinco minutos. Ela o verá em instantes. Sente-se, por favor." A resposta veio acompanhada de um sorriso de canto.
Esperando sentado em uma poltrona, perto do balcão majestoso, encaro minha mão, a começar pelas palmas, depois as viro de modo a ver o dorso.
Lembro-me de cada marca, de cada cicatriz... a dor em as carregar me aflige muito mais do que ao fazê-las... Por quê? Eu entre tantos?
Por instantes, perdido em meu devaneio, rememoro o rosto de minha mãe e como uma navalha, a imagem fende meus pensamentos, arrastando-me para o mundo.
"Com licença, a Dra. o aguarda!". Dou-me conta de que a secretaria, apontando com as palmas estendidas, a porta do consultório está aberta.
Dou-lhe um sinal com a cabeça, ao me levantar e caminhar em direção à porta.
Passo pelo vestíbulo, fixando o olhar na cor das paredes do interior do consultório. O branco ofuscante das paredes prende minha atenção, enchendo meus olhos da mais rútila e vívida das cores. Extasiado por aquela cor, não percebo a presença da Dra. Aina. Com passos firmes, sento-me em uma espécie de divã, com as palmas sobre minhas patelas, direciono meu olhar àquela mulher por detrás de uma ancha mesa de mogno escuro.
Ela estava me encarando, olhando profundamente dentro dos meus olhos com um delicado sorriso. Ambos braços sobre a mesa. Portava óculos que de certa maneira encobria seus olhos castanhos. Seus cabelos escuros, ligeiramente amarrados, deixavam-se cair delicadamente sobre seus ombros firmes.
"Tudo bem, senhor Monletto? Em que posso ajudá-lo?" Com breves palavras, interrompe minha analise física.
"Gostei do quadro, Dra... Chame-me de Romeu, por favor!" Ela desvia seus olhos por um breve instante para se assegurar de qual quadro estou me referindo.
"Obrigada, Sr. Monletto... quero dizer, Romeu. Essa é uma cópia legal de O Coroação de Cristo de Van Dyck, de 1620. Ele perdeu sua mãe aos oito anos. Um grande pintor barroco."
Olhando-a, percebo que sua breve explicação servira para dar inicio à sessão.
"Gosto da expressão. Creio que será profícuo ao início da minha história, Dra. Assim como a arte barroca, meu passado foi pintado por mim entre o bem e o mal, entre o passional e racional, entre o profano e o religioso." Meus olhos inertes em direção à pintura, recordo-me da minha infância ao som de Brahms: Intermezzo In E Flat minor Mikhail Rudy, que ecoa friamente por todo o consultório.

Capítulo 1: O Quadro. (Breve)

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⏰ Última atualização: Jan 30, 2016 ⏰

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