Às vezes, eles voltam

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  Sentadas confortavelmente em bancos acolchoados, as cinco raparigas discutiam possibilidades, regras específicas da sua nova brincadeira, sem pensar nas consequências sérias do ato iminente.

Um tempo antes haviam comprado aquele objecto que estava diante delas montadas com todos os cuidados possíveis sobre o centro da mesa circular.

Eram agora oito da noite e todas entreolhavam indecisas.

-Vamos mesmo fazer isto, meninas?

Uma unânime confirmação se ouvi-o naquele quarto cómodo, frio e iluminado sensivelmente pelo pequeno bico de luz na parede, acima da mesa. O silêncio reinava naquele quarto aliado á ausência de barulhos externos no caos urbano. Com os olhos fechados em perfeita sincronia, mergulhadas numa concentração obrigatória, pois iriam jogar com os mortos, esquecidos pelo próprio passado, na busca incessante por contacto. Um círculo envolvido pelo ar sombrio, ameaçador e na medida ideal para equilibrar o medo nas expressões individuais.

-Devemos invoca-los com uma oração inicial. -Disse uma das raparigas trancando a porta em duas voltas completas.

A tabua ouija retangular, plana exia caracteres numéricos pintados com nanquim preto. Logo abaixo concêntricas letras alfabéticas figuravam num espaço maior, iluminadas por luzes de velas coloridas, seguidas por duas palavras destacadas por símbolos desconhecidos, piramidais capazes de ocultar repostas perturbadoras de suas incertezas: Sim e Não.

O nome de Deus era então proibido de mencionar no decorrer de jogo. As questões espirituais e inescusáveis nas regras citadas, as orações multiplica fortificariam as suas razões inebriadas por instantes invocações com a ponta do indicador sobre o fundo da taça emborcada.

A primeira tentativa foi sem sucesso imediata. Segunda também nenhum fenómeno paranormal visível. Terceira chamada...uma névoa interna no vidro reluzente atestava que havia, aprisionada, uma entidade solitária. O jogo havia começado entre os olhares desconcertados.

-Você é homem ou mulher? – Perguntou a Isabel, apreensiva. O objecto moveu-se rapidamente até a letra H. Era um homem.

-Qual era a sua idade quando morreu?- O objecto moveu-se até ao algarismo dois e depois até ao um.

-Como te chamas?- Não houve nenhum movimento durante algum tempo. Vamos como te chamas?

-Por que não nos disse qual é o seu nome?- Não houve nenhum movimento mais uma vez.

-Por que está aqui? – O copo aproximou-se da borda inferior esquerda. Isabelle estremeceu por completo.

-Por minha causa?-Perguntou ainda a estremecer e na sua notava-se que estava cheia de medo, quando o copo se mexeu para cima da palavra sim Isabelle fechou os olhos com medo.

-O que é que ele quer de ti? É um espírito do mal... Vamos mandá-lo embora!

Um barulho inexplicável ecoou pelo quarto fazendo-as conter um grito de horror. A luz fraca chamuscava repentinamente, num circuito eléctrico que fez pipocar a lâmpada florescente numa explosão de vidros sobre o rosto de Isabelle. Respingos de sangue nasciam dos pequenos poros formados, enquanto a Isabelle chorava as chamas alaranjadas ondulavam no assopro identificável, uma por uma, aumentada escuridão interior.

A vela inércia, permanecia acesa. As raparigas continuavam ali sentadas, presas p uma força descomunal, próximas com as mãos dadas em orações de arrependimento posterior. Ele estava solto aqui dentro podiam sentir a sua presença desconhecida, a sua respiração era ofegante e os corações das meninas estavam agora acelerados pelo pânico total.

Os passos de um ser invisível riscavam o chão, quebrando o silêncio novamente aproximando-se de Isabelle que se encolheu, toda cabisbaixa, a combater aquele predomínio corporal.

De repente, a tábua afastou-se um pouco, dando lugar ao ser que se sentou tentando manter a posição de contacto e com um braço forte segurava as mãos de Isabelle.

Isabelle podia agora sentir o seu rosto a avermelhar dos fortes murros que recebia no ato da possessão. Finalmente predificou, sucumbida pela segunda personalidade irreconhecível em gestos anormais. Fugava como um animal doentio. As suas amigas estavam na inércia, apavoradas.

-Ela esta possuída pelo espírito que invocamos. Demos que o tirar daqui!

Isabelle agora possuída levantou a cabeça, exibindo os olhos revirados e com uma expressão terrível, num transe metafísico incomum. A sua mão direita completamente contorcida, levantada até a altura da boca que pronunciava as primeiras palavras, graves, como se fossem profanadas por um demónio maligno purgando todos os pecados diante da salvação divina.

-Cuidado com a porcaria das orações! – Disse apertando o braço a amiga ao lado que logo desmaiou. O porta-retardo que se encontrava em cima do estante foi atirado contra a porta, produzindo um barulho estrondoso. A madeira ainda rangia diante do presente terror.

No canto dos lábios inferiores, um caminho de sangue escorria, caindo sobre a tábua que aumentava quantificativamente.

Havia rasgado com os dentes caninos a sua própria língua embebida por saliva em reflexos rápidos de visões diabólicas. Novamente, um grito assustador fez com que a última vela apagar-se. Isabelle ajoelhou-se no chão, pressionada nos ombros.

Subitamente voltou ao seu estado normal, chorando desesperada por ter enfrentado tamanha experiência. As lágrimas caiam interruptas, logo amparadas pelas colegas, um pouco aliviada, depois de um minuto de pura agonia. O sangue da sua boca estancava lentamente. Uma dor insuportável que não conseguiria explicar aos pais.

Do outro lado, a rapariga despertava confusa. Estava apavorada, com a face ensanguentada.

-Não devíamos ter feito isto.

Estava sem condições de reagir aos impulsos nervosos.

Uma simples brincadeira tinha-se convertido em algo muito grave, que podia ter ocasionado perda de vidas por causa dos seus actos inconsequentes.

Mortos rondando no plano real, completas levigações, fenómenos do além, possível elo de comunicação. Este seria um secreto escondido por todas.

No dia seguinte conversavam sobre os acontecimentos de ontem, e agora riam se da situação enfrentada. Sabiam, no íntimo, que nunca deviam ter planejado um jogo sem saber lidar com as regras. Isabel, entretendo, continuava estranha como na noite anterior.

-Isa, o que foi? Algum problema? – Perguntou uma das raparigas, logo que se apercebeu que o seu olhar não estava bem, ela não respondeu.

-Isa, nos ouvindo? – Perguntou outra das raparigas, mas não obteve resposta novamente.

Ao lado um rapaz loiro lia tranquilamente o livro preto com o emblema do pentagrama, intitulado "Filosofias Espirituais". O vento varria as folhagens em volta do pátio silencioso. Muitos jovens distantes conversavam descontraídos sobre o final da semana. Sexta-feira, 13. Um céu nublado que jamais esqueceriam enquanto existissem. Toque macabro do destino.

Então, o rapaz chegou às últimas linhas do texto, levantou as sobrancelhas inculcado com a frase enigmática olhou para a Isabelle com bandagens no rosto e sorriu.

-As coisas muitas vezes não são como parecem ser. Cuidado com as tuas crenças.

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