Chuva de Granizo

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-Eles estão juntos? - Gritei como se fosse a dona do escritório, como gostaria de ser.

-Eles quem? - A Clarie saiu de eu não sei onde, como se houvesse brotado do chão de repente e me olhou com os olhos esbugalhados como estivesse pronta para tomar outro susto além do que o meu grito repentino.

-John! O John e a Liz! - Minhas mãos dançavam no ar agressivamente.

-Calma! Muita calma nessa hora. - respirei fundo e ela continuou - a Capivara liberou a moita, o que esperava? - Seus olhos negros pareciam um buraco sem fundo na qual eu só caia.

-O que?

-O que eu estou tentando dizer é que você é a Capivara e ele, a Moita.

-E eu ainda falo com você - revirei os olhos com total reprovação - o que eu não me conformo é que mal terminamos e ele já está com outra.

-São homens, meu bem. - Clarie começou a vasculhar minhas gavetas à procura de doces. - Eles não conseguem passar um dia sem sexo, é como se faltasse algo na vida deles, é como pedir pra que eles vivam sem Sunbeat. - Sunbeat era uma cerveja, entretanto com mais álcool do que as de costume.

-À procura de doces? - O Smith do corredor seis resolveu dar as caras na "minha sala".

-Pra variar - respondi sarcasticamente.

-Na minha sala tem um, caso você queira - ele sorriu e pós as mãos no cinto.

-Eu só como doces de qualidade - Clarie sabia tanto quanto eu o que ele queria com ela e era nojento.

Ele se retirou da sala e foi até outro gabinete.

-Da pra acreditar? - Ela me olhou incisivamente. Sorri como resposta e ela por fim achou um doce, saiu do meu gabinete e foi até o seu.

Prefiro dizer que gosto do ar livre, do sentimento de comunhão do que dizer que eu estou num desses corredores ainda por não ter sido promovida. Pelos vinte corredores que existem neste ambiente, resolvemos boa parte das coisas aqui, mas quem lidera essas partes têm uma sala só pra si. Costumo dizer que sou humilde e que não gostaria de ter uma sala só pra mim, é como andar de transporte coletivo, ou seja, pra quê carro?!

-Marque uma reunião para hoje, quero todos do setor administrativo e financeiro às duas da tarde - o Vincent parecia irritado, nessas horas eu me sinto feliz por apenas seguir ordens e não mandar em nada. Ele me deixou sozinha para que eu seguisse a ordem.

Liguei para todos e confirmei horário. Meu notebook resolveu parar no início da tarde, ou seja, sem notebook até que alguém o concerte. Até isso me lembra o John, ele era quem concertava meu notebook, tinha o dom divino de fazer as coisas complicadas parecerem nada. Sem ter como trabalhar, minha saída foi ir para casa e mandar um relatório de lá.

-Chuva causa transtornos - ligaram a TV que devia estar no volume 80, até um surdo ouviria. - Não saiam de suas casas, esteja onde estiver, permaneça. - A seguir passaram cenas das ruas que viraram oceanos. Revirei os olhos, estava sem meu instrumento de trabalho, não podia sair e nem tinha como terminar meu relatório. Tem como piorar?

Saí da Ketman e tentei tomar um táxi, a chuva logo deixou minha bolsa de coro preta molhada.

-TÁXI - Gritei ao ver e o mesmo passou em alta velocidade me deixando encharcada de água e lama. - Calma Nick, calma! - Disse baixinho a mim mesma na tentativa de acalmar tudo.

O segundo táxi passou e parou para mim, abri a porta ligeiramente e entrei. Cheguei em casa trinta minutos depois, por causa da chuva, a crise de espirros se fez presente assim que eu entrei no apartamento. Joguei a bolsa em cima da mesa de madeira rústica e fui tomar um banho. O barulho da chuva pareceu estrondoso, fui até a varanda e avistei pela porta de vidro que era granizo que estava caindo. Trovões se fizeram presentes. Tratei de fazer um chocolate quente, mas o meu nunca saia com o mesmo gosto do John, faltava sempre algo mais. Estava de pijama e com o casaco dele que é gigantesco em mim. Tomei o chocolate quente enquanto observava a tempestade, a casa estava vazia sem os sons que ele fazia, sem as caretas, sem o rock que ele gostava de ouvir. Estava tudo diferente. Estava tudo sem sentido.

O trovão fez mais barulho que os outros me tirando do transe. Me assustei a principio e pude senti-lo me abraçando por trás e me mantendo aquecida.

-John - ele transferiu-me um beijo no pescoço me fazendo arfar.

Um raio caiu perto do prédio me assustando ainda mais e percebi que não era o John, era a vida me pregando peças, não havia ninguém além de mim no apartamento que se tornou tão grande.

Corri para o sofá e me escondi por debaixo das cobertas, como fazia quando era criança. Acabei adormecendo e acordei perto das seis, meu celular estava caído no chão, acho que a queda deve ter sido pelas vinte e três ligações da Clarie. O tapete suíço amorteceu o celular e a tela não foi danificada.

-Clarie? - Retornei a ligação e ela parecia brava.

-O que aconteceu? Eu te liguei milhões de vezes e você nada de atender - ela falava rápido e alto.

-O ouvido também me serve como instrumento de trabalho - tentei disfarçar a voz de sono, mas acho que a toda tentativa era falha naquele momento. -Eu estou bem, tá legal? Só desmaiei quando cheguei em casa. Deve ter sido a insolação.

-Caiu chuva de granizo. A temperatura não saiu dos 2° o dia todo - ela deu uma pausa e eu pude ouvir sua respiração acelerada, como se estivesse respirando fundo. - Você tá chapada?

-Quem me dera, um uísque não seria de todo mal.

-O Peter tá por um fio com você, eu já não sei mais o que fazer, eu tento te defender o tempo todo, mas você não está nem aí para o seu trabalho - ela respirou fundo outra vez.

-Desculpa.

-Ele quer o relatório antes das sete - ela bateu o telefone daí mesmo, sem se despedir.

Comecei a digitar até que a visão foi se tornando turva, rocei os olhos na esperança que isso fosse algo que incomodasse os cílios e a mesma voltasse ao normal, mas foi em vão. Endireitei os óculos para que ele se moldasse da melhor forma possível no rosto, até que as palavras finais foram escritas e depois disso foi como se eu tivesse ficado sem consciência ou aconteceu um blackout.



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