1º dia no campo
As mulheres se alvoroçaram, a histeria tomou conta do lugar e elas começaram a empurrar umas às outras para sair daquele cubículo. Evellyn tentou segurar numa das cordas que pendiam do teto da carroceria, mas não teve força o suficiente; já estava exausta. Assim, seu corpo apenas seguiu o fluxo da multidão, as mulheres que vinham por trás batiam as mãos contra as costas dela.
— Argh! — A garota exclamou quando foi, literalmente, lançada para fora do comboio, ficando bem embaixo da placa do campo de concentração.
Seu rosto sujou-se de neve enquanto as mãos afundaram-se em sua frieza. Os cílios se embaraçaram. Os cabelos ficaram manchados de branco. Os dedos cravados na neve. Uma fumaça de ar saía de sua boca. Ela tentou se mexer. Uma dor surgiu em sua lombar, pontuda o bastante para faze-la grunhir. Quando ela desistiu de se levantar, apenas observou aquele monumento infernal.
Era uma área gigantesca, com uma porta de madeira um pouco gasta, algumas estacas cravavam-se na neve na frente dessa porta, formando um corredor até a entrada. O arame farpado era constantemente presente, aterrorizando a todos que por ali passassem, assim como a cerca elétrica. Mas quem se atreveria a passar na porta de um abatedouro? Ao lado da porta havia uma vassoura velha e os latidos que se ouviam do interior eram de assustar até o mais corajoso dos homens. Evellyn olhou para o lado direito, árvores grosseiras cobertas de neve e com galhos que se assemelhavam a espinhos. Ela olhou para a esquerda, o comboio do qual ela saíra tampava parcialmente sua visão, mas ela pôde ver mais árvores e o barulho de algum animal correndo ali por perto. Seriam os cachorros? Eles que rasgariam sua carne?
— Onde estamos? — A menininha no colo de sua mãe perguntou, olhos assustados e marejados, o nariz vermelho de tanto fungá-lo enquanto a mãe permanecia sentada, confusa, os cabelos escondidos por uma peruca acastanhada que a menina agarrava com tamanho apreço.
— Não sei, querida, mas está tudo bem, okay?
A menininha assentiu.
Evellyn se apoiou nos braços e conseguiu se levantar, finalmente, seus cabelos castanho-madeira foram tomados pelo vento, a brisa gélida tocou no rosto da garota, gelando suas veias conforme o ar refrescava os pulmões.
— Belle. — A garota disse num sussurro baixo. — Belle?! — Ela gritou, finalmente, e procurou pela única mulher que poderia chamar de conhecida...
O pânico era imenso, não se sabia o que fazer e, antes que a remota ideia de correr pudesse brotar nos pensamentos das mulheres, as enormes portas se abriram. Dúzias de generais saíram armados, uniformizados com a mesma farda que os homens que sequestraram Evellyn usavam, ilustres, a sarja costurada sobre medida enquanto alguns tinham correntes metálicas nas mãos, que puxavam os pastores alemães para trás, seus dentes sedentos entre os latidos ameaçadores, a saliva escorrendo pela boca e os olhos fixos nelas.
— Andem! — Um deles agarrou uma mulher e a jogou para dentro da instalação. — Levantem, inúteis! — Ele pegou a arma e bateu contra as costas de uma outra mulher, um pouco mais nova que a primeira.
A garota dos cabelos castanhos percebeu que tinha que sair dali. Evellyn se colocou de prontidão e se virou para correr, seus pés falhando de vez em quando conforme outras mulheres faziam o mesmo.
— Parem! — Os soldados se ajoelharam e colocaram as armas apoiadas nos ombros, o dedo indicador prestes a puxar o gatilho. As mulheres que corriam junto dela não ouviram a ordem do marechal de campo e, se ouviram, o ignoraram. — Fogo!
A saraivada dos tiros foram atordoantes e atiçaram os cães, que logo foram soltos. Os ouvidos de Evellyn começaram a zunir e sua visão embaçou, fazendo-a ficar tonta e cair na neve, o rosto derretendo a maciez branca enquanto as patas dos animais abafavam-se em meio ao branco. Ela piscou os olhos e, quando focou novamente, viu um corpo de uma mulher, de uns trinta e poucos anos, sem vida, os olhos arregalados encarando-a, o sangue respingado em seu rosto do tiro que levara na nuca. Os tiros continuaram sendo audíveis, até que cessaram num súbito, mas os gritos ainda estavam ali. Os cães mordiam e rasgavam a pele, puxando as mulheres para trás.
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A Violinista de Auschwitz (Degustação)
Ficción histórica*Vencedor do Escritores Awards, Rascunhos de Ouro, Concurso Vênus, The wattys justo e Nova Era. Seria o amor capaz de sobreviver ao mais frio dos invernos? Na friagem polonesa durante a ocupação nazista, Evellyn é enviada para o campo de concentraçã...