Lipstick on The Sheets

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- Você viu meu celular? - perguntei, levantando todas as almofadas do sofá

Minha irmã continuava tagarelando sobre algo. Eu não estava prestando muita atenção, eu só queria achar meu celular.

- E então eles tiraram a minha pinta! Você acredita nisso? Eles simplesmente apagaram minha pinta e imprimiram com a minha pele completamente livre de marcas!

- Você viu meu celular? - perguntei de novo

- Eu fui no outro dia na agência e reclamei. Minha pinta de nascença!

- Liz, você é modelo. Você vende
sua imagem, eles têm o direito de tirarem uma pinta se eles quiserem, não é como se tivessem tirado seu umbigo no Photoshop. Mas você não viu mesmo meu celular? - falei enquanto olhava debaixo da cama

Essa personalidade bagunceira é de família, eu também não sou nada organizada, mas minha irmã se superou. Era como se um furacão tivesse passado pelo seu guarda roupa e ela nunca tivesse reparado.

- Você tentou ligar para ele? - ela perguntou

- Sim, óbvio, mas ele está no modo silencioso.

- Esquece seu celular, estamos atrasadas.

- Você sabe que eu preciso do meu celular.

- Esquece um pouco seu trabalho! Relaxa um pouco.

- Achei! - exclamei com ele na mão

O maldito tinha caído entre o colchão inflável e a quina da parede.

- Ótimo, porque eu estou atrasada.

- Mas eu não arrumei meu cabelo nem me maquiei ainda!

- Brenda, estamos indo para uma Fashion Week. Cabeleireiros e maquiadores são o que não faltam.

Eu concordei, mas não me agradava muito a ideia de chegar a uma fashion week toda desgrenhada. Podia não ser a New York Fashion Week ou, sei lá, Paris Fashion Week, mas era uma fashion week. São Paulo Fashion Week para ser mais exata. Podia não ter a mesma cobertura de mídia que uma em um grande centro no exterior teria, podia não ter um número muito grande de top models famosíssimas internacionalmente, podia ser visada mais no Brasil mesmo por ter apenas uma parcela pequena da população que realmente acompanha o mundo da moda, mas era uma fashion week. Ou seja: todo mundo espera que todo mundo vá na moda e todo mundo tem os olhos atentos a qualquer deslize fashion. Línguas coçam por um pouco de veneno sobre a base mais clara que a cor de pele do outro. Sobre o lápis de olho borrado. A camisa soltando fio. O cabelo ressecado.

Minha irmã? Ugh. Tenho até raiva. Ela é bonita quando acorda. E pra mim quem é bonito quanto acorda é porque é realmente bonito. Ela fica bonita chorando. Suada depois da academia. Ela ficou bonita até depois de tirar o siso. Mas eu não sou invejosa. Longe disso. Eu amo minha irmã. Eu a vi crescer. Eu fazia tranças no seu cabelo. E eu fui quem a transformei numa modelo. Só que às vezes é tedioso ser a irmã mais feia. A genética pregou uma bela pegadinha comigo. Mesma mãe, mesmo pai. Mesmo modo de reprodução. Primeiro vem eu. Depois, pra surpresa de todos, vem minha irmã. Como se meus pais tivessem jogado numa máquina caça níquel. Na minha vez, um dos símbolos não combinou com o resto e não teve prêmio. Meus pais puxaram a alavanca de novo. Três símbolos iguais. Um saco cheio de moedas brilhantes.

Mas, aproveitando que a vida não é um cassino, lá estava eu, chegando no backstage de uma das passarelas mais famosas do Brasil com uma modelo que esteve estampada nas capas de revista mês passado. Talvez eu não devesse reclamar. Eu não era feia, mas perto dela eu era horrível. Mais baixinha, apesar de ser mais velha. Bem mais gordinha, não que eu seja gorda. Minha irmã que era um palito. Eu tinha olheiras. Tinha pontas duplas. Tinha cravos no nariz, ainda que não muitos. Minha roupa não era de algum estilista. Meu sapato eu havia comprado na promoção. Minha irmã vivia em outro mundo, que, apesar de ser do lado do meu, era completamente diferente.

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