Cáp. 1 - Conhecendo o inferno

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Eram nove e meia da manhã de sábado. Eu e minha mãe havíamos nos mudado faziam 2 semanas. Deixamos para trás nossa casa no Brasil para vir tentar a vida nos EUA. Uma velha conhecida de minha mãe ofereceu um emprego de enfermeira num hospital aqui em Hell's Kitchen, Nova York. Não pensamos duas vezes e vinhemos para cá. A nossa antiga vida era difícil, éramos só eu e ela numa pequena casa de um quarto num bairro perigoso da cidade de Natal. Nessas duas semanas desde que nos mudamos eu não havia tido tempo de conhecer as redondezas, então quando minha mãe disse que trabalharia até tarde eu não vi melhor oportunidade de sair e respirar um pouco da nossa nova realidade.

A cidade não era bem como eu imaginava. A atmosfera era bem sombria e as ruas cheiravam a café velho e cachorro molhado. O vento batia em meu rosto e eu apertei minha jaqueta contra o corpo. Já estava arrependido de ter saído e decidi ligar pra minha mãe e ver se ela precisava que eu levasse seu almoço no hospital. Já estava no penúltimo digito quando senti meu corpo chocar com alguma coisa dura.

- Ei, você não olha... - calei a boca na mesma hora. Eu havia esbarrado em um homem cego.

- Me desculpe, eu não... - fiquei mais vermelho ainda ao perceber que havia derramado o café dele no terno cinza que ele usava.

- Tá tudo bem, esse café já estava frio mesmo - falou rindo.

- Me desculpe, sério. Eu não costumo ser desatento assim - menti - será que eu posso pagar outro café pra você?

Havia uma cafeteria alguns metros à nossa frente. E eu me sentia na dívida com aquele homem, não sossegaria enquanto não pagasse.

- Pode ser, faz tempo que não tenho uma companhia pra tomar café.

Eu nunca havia feito algo do tipo. Convidar um estranho pra tomar café? Isso nem fazia sentido, ainda mais que eu estava em um país totalmente diferente e não conhecia nada ali. Mas mesmo assim nós seguimos até a cafeteria que mais parecia uma lanchonete de beira de estrada. Sentamos numa das últimas mesas e logo fomos atendidos.

- Bom dia, oque gostariam de pedir? - uma garçonete loira demais e de sorriso exagerado estava nos encarando com aqueles olhos negros de rímel.

- Eu gostaria de um expresso - O homem cego que eu nem sabia o nome disse sorrindo sem nem olhar pra moça. É claro, ele não podia enxergar!

- hum, um chocolate quente. - disse olhando pra ela, mas ela não me olhava.
Estava ocupada encarando os músculos dele. Eu pigarreei.

- Ah, certo! - saiu constrangida.

O cara estava assobiando alguma canção e eu estava pensado em que tipo de assunto poderia conversar com ele. Mas nem foi preciso eu abrir a boca, ele foi direto ao ponto.

- Gostaria de saber cono eu fiquei assim? - falou apontando pros óculos escuros redondos que usava.

- Com certeza! Quer dizer... Se você não se importar.

- tudo bem - ele riu e virou a cabeça para a janela - foi um acidente quando eu era criança. Basicamente alguns produtor químicos caíram nos meus olhos quando eu tentei salvar um senhor que estava pra ser atropelado na rua.

- Nossa, sinto muito.

- Não sinta. Naquele dia eu salvei uma vida. E bem, ganhei uns poderes de quebra. - ele riu.

- poderes?

- Digamos que meus outros sentidos se desenvolveram além da imaginação.

- Já ouvi falar nisso. Parece que o corpo tentar suprir nos outros sentidos a falta de um. - falei, já um pouco animado.

- Quer ver? - ele falou sério.

- Vai em frente!

- vou começar com algo simples. Consegue ver uma mulher gorda andando com um cachorro de médio porte?

Demorei uns cinco segundos, mas eu vi. A mulher estava passando do lado de fora da lanchonete naquele momento.

- Caramba! Cara, que demais. Até que distância você consegue ouvir? - perguntei batendo as palmas na mesa.

- sabe a mulher que nos atendeu, agora ela está conversando com a senhora do caixa.

- Isso até eu escuto - me virei pro caixa e as mulheres estavam nos olhando.

- Mas sabe oque elas conversam?

- não, elas estão tipo do outro lado do cômodo. - olhei pra ele incrédulo.

- bem, elas estão falando sobre nós - ele ficou sério.

Aquilo não era difícil, éramos os únicos clientes ali.

- Oque exatamente elas falam?

- A senhora do caixa disse que somos um belo casal e a moça que nos atendeu concordou desanimada. - ele riu alto.

Eu corei. Minhas bochechas queimaram. Como elas podiam pensar isso. Eu só tinha 17 anos e ele provavelmente se aproximava dos 30. Além de que éramos homens, isso não era certo, era?


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