Cáp. 2 - Queimando

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As palavras dele agora beliscavam meus ouvidos e invadiam meu cérebro. Nunca fiquei tão constrangido em toda a minha vida. Oque aquelas mulheres estavam pensando? Oque eu estava pensando? Meu coração parecia se debater sob meu peito. Eu não sabia oque falar. Será que eu deveria sorrir ou fazer uma cara de repreensão? Definitivamente meu corpo todo queria que eu abrisse um sorriso. Mas eu não o fiz.

A verdade era essa: Eu cresci numa família cristã. Assim que eu nasci minha mãe estava passando por uma fase difícil, não parava em casa. Às vezes passava semanas fora. Fui criado pelos meus avós, desde cedo eles me levaram para a igreja. Lá eu aprendi tudo que me ensinaram e por um tempo me senti bem. Porém quando completei 12 anos notei que eu não era como os outros garotos. Nunca jogava bola, não admirava as garotas que começavam a desenvolver seus corpos, prefiria a companhia das meninas, os meninos em sua maioria me deixavam constrangido com suas brincadeiras brutas e linguajar sujo. Mas apesar de saber que eu não sentia atração por garotas, não estava certo se sentia algo pelos garotos. Não poderia sentir, aprendi que isso era pecado, e eu pagaria por isso pela eternidade.

Então, eu estava ali diante daquele homem forte, alto e cego. E a única coisa que eu consegui fazer naquele momento foi abaixar a cabeça. Acho que as mulheres perceberam que eu estava envergonhado, pois ouvi elas voltarem a seus afazeres.

- Você está bem? - ele estendeu uma mão e tocou o topo da minha cabeça. Eu me recostei na cadeira rapidamente.

Não tive tempo de responder. O telefone dele tocou e ele levantou o dedo pra mim como quem diz "só um minuto" e foi em direção a porta pela qual entramos. Eu o observei enquanto ele conversava com quem quer que estivesse do outro lado. Não pude deixar de notar suas mãos, tão fortes e bem desenhadas, segurando firmemente o aparelho celular. Ele era muita charmoso, do tipo de homem que estampa outdoors de marcas famosas de cueca. Nossa. Oque eu tava pensando. Decidi focar minha atenção somente nos lábios dele. Que lábios. Tentei fazer leitura labial. Não é todo mundo que tem super audição. Porém só consegui pescar algumas palavras "puta merda" e "droga" eram as que mais se repetiram. Antes que ele me notasse eu me virei e comecei a encarar as duas xícaras que estavam à minha frente. Não notei quando a garçonete as trouxe. Estava distraído, completamente distraído.

- Desculpe a demora, era do trabalho - ele havia retornado.

- Tudo bem, certo. - dei um gole no meu chocolate quente sem conseguir olhá-lo.

- Você ficou constrangido. Não foi minha intenção, achei que você estivesse familiarizado com a liberdade de Hell's Kitchen - ele deu um meio sorriso.

- Na verdade eu me mudei fazem duas semanas. Vim do Brasil com minha mãe.

- Hum, adoraria lhe apresentar a cidade, mas agora tenho mesmo que ir. Qual o seu nome mesmo? - ele se levantou

- Tobias. Tobias Ramos - dei outro gole na xícara.

Ele estava indo em direção à saída quando me lembrei que continuava sem saber seu nome.

- Ei - ele se virou - Como você se chama?

Ele estava vindo em minha direção, uma mão no bolso, a outra coçava a parte de trás da cabeça. Ele estendeu um cartão que havia retirado do bolso da calça social, eu peguei meio sem jeito. Nos cinco segundos que abaixei a cabeça para ler "MATTHEW MURDOCK" e "ADVOGADO" ele já havia desaparecido. Minha cabeça estava à mil. Que dia estranho havia sido esse. Eu esbarrara em um homem cego, levei ele para tomar café e ele tinha sido estranhamento simpático comigo. Isso só podia ser coisa dessa cidade louca. Quando voltei à realidade notei as duas mulheres de volta ao balcão sorrindo para mim de forma caridosa e dando piscadinhas, elas realmente acham que ele era meu namorado.

Saí rapidamente daquele lugar. Já eram 11 horas da manhã e decidi correr para casa. Não sei porque, mas eu corri, corri como se todos os meus problemas pudessem se despregar do meu corpo e se perderem na sujeira da rua. Cheguei em casa 15 minutos depois. O nosso prédio era bem simples, mais parecia uma caixa cinza cheia de quadrados negros do que um lugar onde moravam várias famílias. Assim que entrei no saguão fiquei tonto, o carpete alaranjado e as paredes amarelas refletiam a luz exageradamente e contrastavam com os tons frios e pálidos do lado de fora quase me fazendo vomitar. Subi diretamente pro nosso apartamento. Entrei em meu quarto e deitei na minha cama. Logo caí no sono.
Acordei 4 horas depois suado e ofegante, havia tido um pesadelo. Ou havia sido um sonho? De qualquer forma estava com medo. Eu havia sonhado com um homem! Um homem bonito, bonito com exceção de uma coisa. No local onde deveriam estar seus olhos, haviam dois buracos negros!

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