Capítulo 1 - Ato 1

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A chuva tinha parado há pouco. Ele corria tentando esquivar-se das poças de água no chão enquanto notava a rápida formação de uma neblina densa que borrava seu campo visual.

Chegou às escadas da estação de metrô com os pés encharcados e as calças molhadas até quase o joelho. Só pensava em como ir ao trabalho no dia seguinte. Aquela era sua última calça limpa e na manhã seguinte nenhuma estaria.

Passou pela catraca com pressa, de forma mais brusca do que o de costume. Por pouco a barra de metal nâo lhe atingiu por trás.

Olhava o relógio a cada dez segundos enquanto batia o pé no chão com nervosismo. Queria tirar aquela roupa. Queria tomar um banho quente e se afastar daquela sensação de desconforto. Queria esquentar os pés e esfriar a cabeça. Talvez tomar uma cerveja para aliviar a tensão nos ombros. Talvez... O som elétrico nos trilhos mudou o foco das suas ideias. A composição chegou, próxima parada: casa. Ou assim ele esperava. Entrou pela porta do meio do último carro. Frio. O desconforto nos pés que já estava suportável, começou a piorar. Tudo que ele queria era chegar no seu apartamento.

A viagem não era longa. Não era nem de longe a maior distância que se podia percorrer naquela linha de metrô, mas a pressa fez com que cada centímetro percorrido fosse notado.

Olhava de um lado a outro, observando consternado aqueles rostos de fim de expediente. Enquanto se perdia nos seus pensamentos ele reparou na mão de um jovem. A mão em si não tinha nada de diferente ou especial, mas a posição e os movimentos que ela fazia, com os dedos curvados, em ângulos retos, imitando um andar aracnídeo eram perturbadores a ele. Sua fobia não poderia vir em pior hora, mas não houve forma de evitar a vontade urgente de parar o veículo ali mesmo para que ele pudesse descer e escapar da criatura de oito patas que agora povoava a sua mente.

E como que por providência divina, o trem parou. A parada foi brusca e forte. Ninguém além dele estava preparado para aquilo. Várias pessoas que estavam de pé foram parar no chão. Um grito de uma mulher pedindo por socorro. Ela estava acompanhada por um homem que tinha mordido a língua ao cair e agora sangrava descontroladamente pela boca. Em resposta à súplica da mulher, uma senhora se apresentou como médica, mas ela mesma não poderia ajudar pois tinha torcido o punho.

A voz metálica do condutor estava terminando de explicar o motivo da parada mas o equipamento antigo tornava impossível reconhecer as palavras e o real motivo do incidente.

Um círculo de curiosos logo se formou ao redor do ferido enquanto um outro homem seguia as instruções da médica debilitada para tentar salvar a vida do ferido que engasgava no próprio sangue. Em meio à tensão a voz do condutor pôde ser ouvida com qualidade vinda do comunicador de emergência do carro. Seria iniciada a evacuação da composição.

As portas se abriram, mas a instrução da caixa metálica era que todos continuassem dentro dos vagões até que algum funcionário se apresentasse para liberar a saída dos passageiros.

Nervoso, ele ignorou as ordens do condutor e saiu pela mesma porta por onde tinha entrado ficando ao lado dos trilhos. O jovem cujas mãos ele tinha observado foi o único que também deixou o vagão. Os dois se olharam por um segundo apenas. A atenção dos dois foi voltada aos trilhos que novamente emitiam o som de eletricidade. Outro trem estava chegando. Seu único reflexo foi de se afastar dos trilhos. Como uma bala, o segundo veículo entrou no primeiro - Puta que pariu! - e ambos ficaram irreconhecíveis ocupando completamente todo o espaço do túnel com metal retorcido.

Ele correu para ver se poderia fazer algo, mas, visivelmente, não havia como alguém sobreviver a tamanho impacto. A certeza veio ao subir no degrau da porta de trás do último carro e constatar que lá dentro só restavam corpos amontoados. Esmagados pelo próprio peso. Uma tontura tomou conta de seu corpo e as pernas falharam. Ele foi ao chão, se virou e vomitou. Aquela imagem era demais para ele. Seu corpo tremia. Seus pés estavam gelados. Seu estômago estava revirado. Sua cabeça doía. O garoto veio então lhe estender a mão.

- Você está bem?

- Não vai querer saber, cara. - Ele se levantou e continuou - Bom, não sei quanto a você, mas eu quero sair daqui o mais rápido possível. Não suporto esse tipo de lugar.

- Esse tipo de lugar?

- É, escuro, abandonado, sabe? É o lugar ideal para você dar de cara com milhares de teias de aranha. Só de pensar eu já tenho calafrios.

- Medo de aranhas, é?

- É, aracnofobia... Sempre tive e alguns eventos da minha vida só fizeram piorar o medo, se é que você... - Ele parou de falar quando se viu sozinho.

O garoto tinha saído de seu campo de visão por um segundo, mas não fazia sentido que ele sumisse daquela forma. Olhou para todos os lados, apenas para se encontrar definitivamente só. Como era possível? Para onde ele tinha ido? Como tinha sumido? Não havia para onde ele ir, isso era certeza. - O filho da puta evaporou...

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⏰ Última atualização: Jun 28, 2018 ⏰

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