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- isso é uma perda de tempo...- resmunguei, entediada com aquela sessão de terapia.

-Alice, entenda, a mente humana é fraca por culpa de suas memórias!- disse o doutor.- se as memórias somem, a fraqueza vai junto!

Suspirei. Ele me falava aquilo todas as sessões, já estava fixo na minha cabeça.

-não suspire, Alice.- ele falhou, franzindo as sobrancelhas.- é para o seu próprio bem.

Assenti, sabendo que discutir não daria em nada.

-ótimo.- ele disse, forçando um sorriso com seus lábios finos como uma linha.- vamos continuar de onde paramos.-ele balançou o pêndulo em frente ao meu rosto, me deixando relaxada e sonolenta- O que você estava vendo?

-bom...- me obriguei a me concentrar nas palavras do doutor, caso contrário eu acabaria adormecendo naquele divã duro e destruído mesmo.- ahn... Eu estou em uma vitoria régia e o Coelho Branco está aqui comigo... Parece a hora do chá...

O Coelho olhou para mim e ofereceu-me um pouco de chá. Eu aceitei e peguei a delicada xícara de porcelana ao meu lado, e ele encheu-a com o líquido.

Mas algo estava estranho... O chá que ele ofereceu era vermelho... Vermelho como sangue....

-e o que mais, Alice?- perguntou o doutor. Não respondi e continuei prestando atenção na minha xícara.

Levantei os olhos para o Coelho, mas tomei um susto no ato.

Seu pelo branco estava caído no chão, assim como sua pele e parte de sua carne. O sangue jorrava de seu corpo, mas ele continuava tomando chá.

Olhei para os lados, na esperança de encontrar algo que me ajudasse ou pelo menos me tirasse de lá, mas tudo o que eu vi foi a floresta nas margens se desmanchado em sangue, as árvores queimando e os animais morrendo sufocados pela fumaça. O rio em que eu e o Coelho cadavérico estávamos também havia se transformado em algo hediondo... As águas eram sangue, os peixes eram órgãos e haviam braços humanos boiando livremente.

-Alice, o que está havendo?- perguntou o doutor novamente.

-estou em um rio de sangue, com uma floresta em chamas e um coelho cadáver. Este último acaba de me oferecer açúcar para pôr no chá.- respondi, como se não fosse nada. Para ser sincera, não era. Aquilo era só mais uma visão maluca, sem pé nem cabeça, como todas as outras.

-e você acha que isso aconteceu de verdade?-ele perguntou.

-não sei... Parece real, mas eu me lembro de tomar chá com o Chapeleiro, e não com o Coelho...

-Alice, procure algo que você tenha certeza absoluta de que aconteceu!

Ele balançou o pêndulo outra vez, e dessa vez eu me lembrei do Trem Infernal, mas eram imagens confusas...

-e agora, Alice?

-estou no Trem Infernal.

-ótimo, Alice. Bem, agora ponha na sua cabecinha confusa: isso nunca aconteceu. É só um produto da sua imaginação macabra e fértil.

Eu já devia estar acostumada com isso, mas ainda me deixava pasma. Ele queria que eu esquecesse algo que eu havia vivenciado?

-mas...!

- isso nunca aconteceu. É só um produto da sua imaginação macabra e fértil.- ele me interrompeu, inflexível.

Fechei os olhos e repeti a frase.

- isso nunca aconteceu. É só um produto da minha imaginação macabra e fértil.

-ótimo. Acabamos por hoje, você pode ir embora.

Alice Madness ReturnsOnde histórias criam vida. Descubra agora