O nome dela é Aysha, mas isso nunca é informado aos telespectadores do Teatro Villart, ou, como é mais chamado, o Teatro Ambulante. Uma vez por mês, o teatro viaja pelo país, em seus trailers que ao todo somam sete, se instala num lugar público onde Francis Villart, o Diretor, arma todo o palco com a ajuda dos homens dos espetáculos.
Estão na cidade de Minnesota há três semanas, sendo essa a sexta – e última – apresentação no local. Há quatro atrações para esta noite, e estão na última: Aysha, ou como é anunciada, a Bailarina Fantasma.
Ela tem esse nome devido ao seu aspecto físico: possui, claro, o porte de uma bailarina, o corpo magro com algumas curvas que permitem realçar algumas partes durante suas apresentações, o rosto tão pálido, tão branco, que pode assustar qualquer um numa noite escura e os passos bem dominados e leves, mas tão leves que os espectadores têm até a sensação de que, a qualquer momento, a mulher, de apenas vinte e três anos, irá alçar voo e deixar para sempre o Teatro Villart.
Ninguém nunca repara, mas há algo de diferente em seus olhos... Algo de sombrio e ao mesmo tempo convidativo, uma coisa que causa arrepios. Além do fato de que ela nunca trocou uma palavra com ninguém enquanto estava no palco, o desenho traçado em suas bochechas às vezes parece ser real: pontos e traços e linhas que formam uma boca costurada de uma orelha a outra, como se seus olhos arredondados de preto e sua face já não fossem assustadores o suficiente.
Aysha gira na ponta dos pés enquanto todos, ou a grande maioria, da plateia focalizam seus olhares em sua delicadeza, sutileza e simplicidade que só uma verdadeira bailarina tem.
Uma corda pende no centro do palco e algumas pessoas veem o espetáculo pela segunda ou terceira vez, ansiosos por essa parte da apresentação da Bailarina Fantasma, seu grand finale.
Chegando ao fim do palco, ela fica na ponta dos pés mais uma vez, lançando-se no chão com simpatia. Então, Aysha ergue-se como uma fênix que renasce das cinzas e corre até a corda, segurando-a e começando a escalá-la com uma agilidade impressionante, que arrancava suspiros de uns e gritinhos de surpresa de outros. A dois metros do chão, a Bailarina Fantasma solta a corda, sendo sustentada apenas pelas próprias pernas na trança enrolada em torno de si mesma que parece prestes a ceder e desprender-se do teatro arranjado. Mas, na cena final, em seus últimos segundos de apresentação, Aysha inclina-se, parecendo sentar-se no ar, prostrada sobre uma cadeira invisível, e lança um sorriso perturbador à plateia, sem mostrar os dentes, mantendo o que parece o disfarce de uma mulher cuja boca foi costurada. E, aí, o som cessa, as luzes se apagam e a Bailarina Fantasma desprende-se da corda, caindo no palco e sumindo como num truque de mágica.
Mas o que pareceu o esboço de um sorriso não foi direcionado à plateia em conjunto, e sim a alguém em especial. Alguém que fez a pele da Bailarina tremer de uma fome negra como as trevas, alguém cujo medo era o suficiente para o seu propósito. E, ao fim do espetáculo, ninguém notou sua ausência.
Um rapaz de verde, com olhos tão claros quanto a própria camisa que vestia, com uma pele morena e com o sangue quente a ferver em suas veias. Um sangue carregado de medo, pois ele sentiu o que ninguém mais ali conseguiu sentir: a sensação de que havia mais do que meros humanos naquele teatro.
Quando não havia mais nenhum telespectador ocupando as cadeiras do teatro armado, o Diretor fechou as portas, com a ajuda dos homens do show, desmontou todo o palco em menos de três horas. Quase meia-noite, eles já estavam prontos para partir.
Enquanto, à frente de todos e no primeiro trailer, o Homem dos Animais guiava o veículo que moveria todos os outros, ao fundo, num único trailer, eles se reuniam ao redor de um caixão. Qualquer um diria que o que se seguiria ali não passava de um ritual macabro.
O verde da camisa do rapaz da plateia chegava a ofuscar os olhos da Bailarina Fantasma, como ele foi pego em uma de suas apresentações, ela quem teve o prazer de tocá-lo primeiro, sentindo o medo atrás de seus olhos e escondido em seu coração fluir como um cano estourado a jorrar água.
A Bailarina inspirou profundamente, para depois dar vez ao Diretor.
O Diretor, esse homem de preto escondido atrás de longas vestes, poderia assustar qualquer um em sua verdadeira forma.
O rapaz no caixão estava com os pés e mãos amarrados, a boca tapada com uma fita resistente e apenas os olhos absorvendo tudo o que aconteceria em seguida. Eventos bizarros que não deveriam ser presenciados por ninguém, mas que eram vistos e sentidos, uma vez por mês, há sete meses da existência do Teatro Ambulante.
A última coisa que o rapaz viu foi uma pequena criaturinha tocá-lo, o que parecia ser uma menininha, mas que na verdade era uma das atrações do Teatro, a Pequena Coisa. O toque dela pareceu suave nos primeiros dois segundos, mas depois o sangue nas veias dele esquentou como se estivesse no meio de uma fogueira. E ela cravou as unhas em sua pele com toda a força do seu ser.
O rapaz sangrou até a morte, as veias estourando e os braços e pernas abrindo-se para encharcar todo o caixão... Com sangue.
O olhar da Bailarina Fantasma encontra o da Pequena Coisa, que lhe oferece o mais gracioso sorriso sem dentes.
Estavam abastecidas por mais um mês.

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O Teatro Ambulante
ParanormalO Teatro Villart viaja de cidade em cidade, ficando em cada uma delas por mais ou menos um mês e realizando um total de seis apresentações. Depois, faz jus ao título de "Teatro Ambulante", partindo para o mundo com suas criaturas ora encantadoras, o...