O Sonho

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A jovem garota sabia que estava sonhando, mas não conseguia acordar. Estava no colégio com suas roupas de ficar em casa, aquelas que realmente gostava, porém nunca havia saído da maneira que preferia se vestir porque seria julgada pelas amigas, que estavam sempre bem maquiadas e vestiam roupas de marca para impressionar os outros, mesmo que fingissem que não era esse o propósito. E ela fazia o mesmo. Porém a sua máscara social não existia nesse sonho, e não podia fingir ser uma delas. Até aqui a garota tinha levado a vida sempre pensando em passar uma boa imagem de si para as pessoas, e nunca fazendo aquilo que realmente queria expor, por medo de não ser aceita.

Sentiu-se encurralada e exposta, quis acordar.

As pessoas a julgavam pelas suas roupas, e pelos seus gostos. E riam dela enquanto ela chorava com um público rude. Apesar de ter se deixado levar pelas emoções e sucumbido às lágrimas frente a todos, sabia ainda que estava apenas sonhando. Foi até seu armário e tentou pensar em alguma coisa que suas colegas achassem maneiro, tentando se livrar dos zombadores, porém encontrou somente sua coleção de bonecas, com as quais brincava escondida em casa por sentir vergonha dos demais de sua idade. Todos viram sua coleção e riram dela. Só em sonho mesmo que ela traria as bonecas para o colégio. Tentou esconder mas tudo estava sendo exposto, e ela não conseguia despertar. Sentiu raiva e desespero, vergonha e medo. Eles apontavam para o laço rosa que ela usava na cabeça, laço este que ela adorava, e sentia-se bonita usando. Resolveu então parar de se importar, ignorou os demais e foi caminhar. O dia estava extremamente chuvoso e os idiotas continuavam a rir dela, em vez de ajuda-la. Eis que do meio dos alunos veio um garoto com guarda-chuva, e que mostrou um comportamento parecido com o dela. Destacando-se da massa sem face, diferente de todos aqueles que lutam bravamente para serem iguais uns aos outros, ele não ria, e ofereceu carona a ela em seu guarda-chuva.

A jovem nunca havia reparado nesse garoto, costumava ignorá-lo junto com suas amigas no colégio. Ainda assim, após alguns minutos de caminhada, ele a entregou uma rosa. Imaginou suas amigas caçoando dela quando a visse com ele. Entretanto, naquele sonho, não se importava mais com a opinião dos outros, então conseguiu imergir completamente naquele pensamento de libertação. Percebeu que sempre sentiu-se atraída pelo rapaz de uma forma sutil, porém era induzida a ignorá-lo enquanto estava acordada e ainda utilizando sua máscara social, fazendo seu coração olhar na direção errada. Quando acordada, não havia pensado nele sequer uma vez daquela maneira, era como se antes houvesse algo no caminho, bloqueando o fluxo natural dos sentimentos. Algo como ser alguém que ela não era, tentar ser igual às pessoas que ela verdadeiramente abominava, simplesmente por buscar incessantemente a aceitação e, talvez até, a popularidade colegial.

Aceitou a rosa e pegou o rapaz pela mão. Sua mão era suave como seda e ele transmitia uma aura muito positiva, quase angelical. Em seus instintos, conseguiu enxergar o caminho para um amor puro e próspero, em um mundo inexistente atualmente, mas que havia esperanças de fazê-lo existir, talvez, quando acordasse. Porém, ainda faltava alguma coisa para conseguir isso. Quis muito lembrar-se de tudo isso quando acordasse, pois foi dormindo que ela entendeu o que realmente queria para sua vida.

A garota acordou, sem saber onde estava. O lugar é uma mansão chique, com uma decoração que parecia ter sido feita por aquelas antigas amigas que só se importavam com aparências. Ela odiou a decoração. Era algo feito para a admiração dos outros, não para o conforto dela mesma.

Não posso estar em casa.

Saiu do quarto, e viu que era uma suíte com cama de casal. Foi em direção ao banheiro e percebeu que deixou na cama um homem. Homem este que a jovem conseguiu lembrar do rosto, e também do corpo. Ele era realmente muito bonito. Não estivesse nesse sonho, seria induzida a ser atraída por ele. Não sentiu afeto algum por aquele homem, na verdade sentiu-se sufocada por sua presença. Olhou para suas mãos, e percebeu que estavam enrugadas e ásperas, e havia uma aliança na mão esquerda, havia se casado. Quando é que esse pesadelo iria acabar?

No reflexo do espelho do banheiro a garota viu a imagem de uma senhora triste. Viu a si mesma. E havia deixado sua vida passar. Agora era tarde para se arrepender.

Quis acordar.

Abriu os olhos. Estava de volta ao colégio, havia cochilado sobre o caderno aberto. Abriu um sorriso. Viu suas amigas de nariz empinado, e percebeu que não tinha nada a ver com elas, e que talvez não se interessaria mais em conversar com elas. Olhou para o fundo da sala, e pegou um garoto olhando para ela atentamente, mas que logo disfarçou o olhar, tímido. Ele usava óculos de fundo de garrafa e tinha o rosto cheio de espinhas. Ela continuou a olhar para ele, e percebeu o rubor tomando conta de suas bochechas. As vozes de suas amigas começaram a soar em suas lembranças, dizendo a ela o quanto o pobre rapaz era fracassado e esquisito, tão claras que a jovem podia ouvir as vozes em sua cabeça.

O sinal tocou. Ela perdeu a lição de história naquele dia, mas aprendeu algo mais. Algo que não se pode entender de livros ou palavras, é preciso sentir. Algo que a maioria das pessoas morrem sem entender. Sentiu-se liberta da máscara social que a ela havia sido imposta. Caminhou normalmente até a porta do colégio para esperar que seus pais a buscassem, quando alguém se aproximou, às suas costas, e a chamou com gentileza. Ela olhou e viu o rapaz do fundo da sala, cheio de espinhas e com óculos de fundo de garrafa. Olhou nos olhos dele e viu o garoto dos sonhos dela. Ele fez um gesto, e lhe ofereceu uma rosa.


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