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FELIPE ZANON LIMA

Eu sentia como se minhas mãos estivessem suportando o peso de uma tonelada, mesmo que eu segurasse apenas um envelope com meu nome escrito, dentro do qual havia uma única folha de papel. Sentado na cadeira à minha frente, o médico me encarava com um misto de impaciência e desinteresse. Lógico que eu estava demorando demais. Eu queria saber o resultado daquele exame, mas ao mesmo tempo tinha muito receio do que iria encontrar.

— Quer que eu veja primeiro? — minha mãe, que me acompanhava na consulta juntamente da minha namorada, perguntou. Assenti, entregando-lhe com dedos trêmulos o envelope. Ela o abriu cuidadosamente, e capturou o papel com a ponta dos dedos. Passou os olhos rapidamente pelas informações do laudo, até chegar aos resultados. Seus olhos se arregalaram, e mamãe imediatamente começou a tremer, soluçar e então chorar inconsolavelmente.

Ainda mais nervoso do que eu já estava, peguei o laudo que caíra no chão. Tal como minha mãe havia feito, passei direto pelas informações mais específicas, e fui direto aos resultados. E então o maior dos meus pesadelos se concretizou.

NOME DO PACIENTE: LIMA, FELIPE ZANON

RESULTADOS: O paciente apresenta mutação no par cromossômico 4, de provável herança paterna. Portanto, é propenso a desenvolver posteriormente a doença de Huntington.

Larguei o papel na escrivaninha do doutor e cobri os olhos com as mãos, na tentativa falha de conter o choro. Não funcionou, e depois de alguns minutos chorando silenciosamente, senti uma mão delicada em meu ombro. Ergui o olhar e vi Elisa, minha namorada, me encarando com o olhar perturbado. Sem dizer uma palavra, envolvi seu corpo pequeno em um abraço e pousei meu queixo no topo da sua cabeça. Permanecemos desse jeito até que meu choro fosse reduzido a pequenos soluços.

Soltei-a e me voltei para minha mãe, que apesar de ainda parecer arrasada, tinha parado de chorar. Olhar para ela quase me fez chorar novamente, pois nós já perdêramos o meu pai para a depressão decorrente da doença de Huntington, e agora sabíamos que eu herdara o gene que a causava... Se eu estava triste com aquilo tudo, eu não gostava nem de imaginar o que se passava na cabeça dela. Sem conseguir expressar com palavras o que eu sentia, abracei minha mãe de lado.

O doutor escolheu este momento para pigarrear e falar algo.

— Pois bem, como vocês já devem saber, a doença de Huntington é uma afecção hereditária causada por uma mutação no par cromossômico 4. Ela costuma se desenvolver na meia-idade, e caracteriza-se pela degeneração progressiva das células do cérebro, e... — ele começou a falar, mas deixei de prestar atenção. Eu já tinha lido cada artigo acadêmico possível sobre a doença, e lembrava-me de cor das causas e sintomas.

Tentei distrair-me com a sala onde estávamos, mas ela era tão monótona e deprimente quanto você pode esperar de alguém que odeia seu trabalho. As paredes cor-de-areia tinham um princípio de infiltração e o teto estava repleto de pequenas colônias de mofo. As prateleiras exibiam um bocado de livros que deviam ser tão velhos quanto o meu professor de trigonometria do Ensino Médio, e tão desinteressantes quanto a aula dele.

Ouvi meu nome ser chamado pela voz monótona do médico. Era um homem calvo, com a pele oleosa, óculos fundo-de-garrafa e duas pizzas na região das axilas. A simples – e deprimente – visão dele poderia ser capaz de fazer com que eu me atirasse da primeira janela que aparecesse. Ouvi meu nome ser chamado mais uma vez, e só então respondi com um "pois não" desanimado.

— Eu quero saber se o senhor gostaria de ser encaminhado para acompanhamento psicológico. Eu imagino que seja muito perturbador saber o que o futuro lhe aguarda, ainda mais por se tratar de Huntington, que, como eu estava falando, é uma afecção incurável...

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