Parte II

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Eu contraía as mãos o tempo todo. Finalmente sararam, mas às vezes, depois de um dia longo, minhas palmas inchavam e latejavam. Naquela noite, até meu pequeno anel apertava. Encontrei a parte que estava arrebentando e fiz uma nota mental para pedir a Carter um novo no dia seguinte. Tinha perdido a conta de quantas alianças de barbante já tínhamos usado, mas ter aquele símbolo na mão significava muito pra mim.

Peguei a pá de novo e tirei a farinha que caíra na mesa para jogar no lixo. Enquanto isso, outros funcionários da cozinha esfregavam o chão ou guardavam os ingredientes. Tudo já estava preparado para o café da manhã, e logo poderíamos dormir.

Respirei fundo quando duas mãos envolveram minha cintura.

- Olá, esposa - Carter disse ao beijar minha bochecha. - Ainda trabalhando?

Ele tinha o cheiro de seu trabalho: grama cortada e luz do sol. Eu tinha certeza de que ficaria preso nos estábulos - onde estaria longe dos olhos do rei - assim como eu estava enterrada na cozinha. Em vez disso, Carter andava por ai com dezenas de outros zeladores, escondido à vista de todos. Ele voltava para dentro à noite com a vida grudada no corpo, e por um momento eu tinha a sensação de também ter estado ao ar livre.

- Quase acabando - respondi com um suspiro. - Vou para a cama quando arrumar aqui.

Ele roçou o nariz no meu pescoço.

- Não seja perfeccionista. Posso massagear suas mãos se quiser.

- Seria perfeito - falei baixinho.

Eu ainda amava minhas massagens no fim do dia - talvez ainda mais agora que era Carter quem as fazia - mas quando o expediente terminava bem depois da hora de dormir, geralmente passava sem esse luxo.

Às vezes, meu pensamento se apegava às lembranças dos meus dias de antes. Como era bom ser adorada, ser o orgulho da minha família, como eu me sentia bonita. Era difícil passar de ser servida o tempo todo para a que serve o tempo todo; ainda assim, eu sabia que as coisas poderiam ser piores, bem piores.

Tentei manter o sorriso no rosto, mas o olhar dele foi além.

- O que houve, Marlee? Você tem andado cabisbaixa ultimamente - ele cochichou sem me soltar.

- Sinto muita falta dos meus pais, especialmente agora que o Natal está tão perto. Não paro de pensar em como estão. Se estou triste deste jeito sem eles, como eles se viram sem mim? - Apertei os lábios, como se assim pudesse espremer toda a preocupação. - E sei que é bobeira ligar para isso, mas não vamos poder trocar presentes. O que eu poderia dar a você? Um pedaço de pão?

- Eu adoraria um pedaço de pão!

Achei graça desse entusiasmo.

- Mas eu nem poderia usar minha própria farinha para fazer um pão pra você. Teria que roubar.

Ele me beijou na bochecha.

- Verdade. Além disso, da última vez que roubei alguma coisa, era bem grande, e recebi mais do que merecia, e já estou feliz com o que tenho.

- Você não me roubou. Não sou uma chaleira.

- Humm - ele ficou pensando. - Talvez você é que tenha me roubado. Porque lembro com clareza que um dia pertenci a mim mesmo, mas agora sou todo seu.

Sorri.

- Eu te amo.

- Também te amo. Não se preocupe. Sei que é um período difícil, mas não é pra sempre. E temos muito pelo que agradecer este ano.

- Temos. Desculpe por estar tão desanimada hoje. Só me sinto...

- Mallory!

Virei ao ouvir chamarem meu novo nome.

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⏰ Última atualização: Jan 20, 2016 ⏰

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