A mudança

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Ricardo e Carolina olhavam preplexamente para a nova casa, com uma cara pouco agradável, quando a sua mãe disse "É nova, foi uma fortuna!", frase que fizera o Ricardo pensar como a mãe teria dinheiro para comprar uma casa daquelas... Era impossível, parecia-lhe impossível.
Quando abriram o porta-bagagens, saiu Loy, a sua Rottweiler de 4 anos, oferecida pelo pai da família, um mês antes de morrer no incêndio que destruíra aquela família.
Contava-se, na cidade de onde eles vinham, que o incêndio tinha sido provocado pelo sua mãe e secretamente Ricardo culpava-a. O incêndio decorreu a meio da noite, na casa onde tinham vivido os melhores momentos possíveis. A mãe do Ricardo havia-se levantado e acordado ambos os filhos e Ricardo, com 13 anos na altura, correu com a sua irmã de 9 para fora de casa, lavando com eles a Loy. A mãe aparecera instantes mais tarde com alguns bens, mas sem o pai. Só aquelas duas crianças sabem o que sentiram nesse momento. Mais tarde, Ricardo e Carolina souberam que o pai foi encontrado morto na cama, por inalação de gases tóxicos libertados pelo fumo, o que significava que a mãe não o acordou sequer. A mãe, Paula, justificava-se dizendo que, na aflição de os salvar, não se lembrou e Ricardo contrapostava afirmando que ela tinha trazido alguns bens pessoais, mas que para o pai não tinha tido tempo.
Ricardo e Carolina, de respetivamente 17 e 13 anos, tinham passado por muito. Órfãos, sem mais família para além da mãe, numa cidade estranha... E nisto, a única coisa que os fazia sorrir era Loy.
Loy era a cadela mais simpática que haviam conhecido. Saltitava, pulava, latia sempre que os via, aos miúdos. Loy não gostava de Paula. Dizem que os cães sentem as más pessoas, não é verdade?
Ricardo e Carolina observavam a casa. Tinha uma árvore no quintal, mas não com a casa na árvore que o pai havia construído. Para eles a casa não valia rigorosamente nada. Pegaram nas suas malas e entraram em casa, dirigindo-se para os seus quartos para arrumarem as roupas e objetos nos móveis, armários e prateleiras.
Os quartos estavam mobilados, e bem mobilados. Carolina tinha arrumado algumas roupas e posto os materiais escolares na secretária e o peluche que o pai lhe dera quando era ainda pequena. Ricardo tirou das malas o seu saco de boxe, algumas roupas e a cama de Loy, sem função nenhuma, pois Loy dormia sempre na cama de um dos dois.
Ricardo era problemático. Tinha sido suspenso da escola, na outra cidade, inúmeras vezes por agressões físicas a outros colegas. Antes de o pai morrer, Ricardo era um aluno e menino exemplar mas após isso, Ricardo era apenas um rapaz frio, cheio de ódio e dor por dentro. Tinha "caparro" devido às horas intensas que passava a treinar junto do seu saco. Tinha os olhos verdes da mãe e o cabelo castanho do pai.
Carolina era o oposto. Apesar de ter passado pelas mesmas dores que Ricardo, ela apenas queria ser feliz. Adorava animais, estudava muito pois um dos seus objetivos era ser veterinária. Tinha algumas amigas na outra cidade, mas nunca muitas devido ao seu irmão. Por vezes convidava raparigas para ir a sua casa mas ao verem Ricardo a treinar junto ao saco fugiam e no dia a seguir, na escola, não se falava de outra coisa. Diziam "o irmão da Carol é maluco, afastem-se dela". Ela não ligava, ela amava o seu irmão e preferia-o a qualquer outra pessoa no mundo. Carolina era esguia, não muito alta e com um cabelo castanho longo e uns olhos azuis, cor do céu, onde acreditava estar o seu pai.
A mãe chamara-os para jantar. Por consequência das mudanças, a única coisa disponível para cozinhar tinha sido pizza. Sentaram-se à mesa, juntos, ao que a mãe interviu.
- Gostaram da nova casa?
- Preferia a do pai. - disse Ricardo.
- Porra Ricardo! Temos de estar sempre a falar disso? Ele morreu! - respondeu a mãe.
- Por tua causa!! - ripostou Ricardo.
Carolina levantou-se da mesa, saindo a correr para o seu quarto e batendo a porta.
- A culpa é tua. - disse Ricardo num tom baixo e levantou-se, dirigindo-se para o quarto da irmã.
Ao chegar ao quarto, Ricardo abriu a porta, deixando entrar Loy, que saltou para a cama e lambendo a cara a Carolina.
- Posso entrar, Carol? - questionou ele.
- Mas fecha a porta.
- Desculpa, mana.
- Eu desculpo, mas à quatro anos que não há um jantar sem discussões.
- Desculpa... Eu tenho saudades do pai.
- Achas que eu não?! - respondeu Carolina a chorar.
- Sim, eu sei que tens.
Nisto, Ricardo abraçou-a, e adormeceu com ela e com Loy.

Um Passado EscondidoOnde histórias criam vida. Descubra agora