Morbidez tomava conta da noite em torno do Castelo de Vaduz. Aquele era um ambiente muito belo naturalmente e eu não podia negar que a ação que envolvia aquele lugar era belíssima, principalmente quando o astro principal era o Castelo em que fui criado. O Castelo de Vaduz, para mim, sempre foi um dos melhores locais para viver no mundo; nem mesmo a carga história que ele traz consigo era um problema.
Jamais houvera algum tipo de problema com Liechtenstein, aliás: o problema, na verdade, foi o meu espírito extremamente aventureiro. Quis, desde muito jovem, desvendar outros países apenas para melhor conhecê-los. Não havia nada demais; não havia nada nos outros países que eu não pudesse encontrar em Liechtenstein. Quer dizer, havia sim uma única coisa que eu não consegui encontrar em minha terra natal, mas que consegui encontrar do outro lado do oceano: o amor de uma pessoa que não estava interessada em saber o que eu era de fato e tampouco se interessava no dinheiro que eu trazia comigo. Ela tinha um histórico sofrível em sua vida; entretanto, ainda assim, ela conseguia nutrir consigo a pureza. E é bem provável que você se atreva a bater palmas para a biografia dela quando a souber.
A porta do escritório rangeu. Os criados da casa sabiam as regras impostas por Sulpicia Laurelei, minha tia materna, desde o momento em que ela pós os pés naquela casa, mas às vezes parecia que nem mesmo ela sabia as regras que impunha – e isso sempre me deu muito asco. Mulher asquerosa.
— Você está fazendo isso errado, Sulpicia — eu a disse, antes que ela movesse-se para perto de mim, retirando os fones de ouvido. — Dê meia-volta e faça o que qualquer pessoa com etiquetas faria.
— Farias isso com a sua própria tia? — ela argumentou, achando que conseguiria qualquer coisa com isso.
— Eu não tenho que responder a isso.
Era isso ou fala-la sobre o marido que a trocara por uma garota vinte ou trinta anos mais nova. Aspereza era tudo o que eu menos necessitava no momento. Precisava apenas de sossego e essa era uma coisa que eu não teria caso ela estivesse por perto. Sulpicia estava com a fixação, nos últimos tempos, de unir-me a sua filha Athenodora para torna-la uma Majestade junto a mim; entretanto, tal ação não dava muito certo: esta era minha prima e, sob meu olhar, não tinha nada de atrativo; além do mais, estava noiva, pronta para se casar no próximo verão. Não tinha nexo algum eu investir em uma pessoa prestes a contrair um matrimônio.
Comecei a digitar rapidamente palavras no teclado do notebook, ainda que fixasse meu olhar em minha tia, que parecia presa com um prego ao chão de pedra daquele cômodo. Pessoas insistentes aquele porte irritavam-me grandemente, ainda mais quando não tinham razões não abjetas para estar comigo. Aquele era meu único momento de lazer, quando este existia, e a mesma fazia questão de querer interromper-me? Mal sabia ela que Caius ouvia a tudo o que falávamos e estava segurando-se, via Skype, para não rir.
— Athenodora gostaria muito de falar com você em sua viagem à Londres.
Já não era segredo a ninguém minha viagem à Inglaterra a negócios. O país em que vivíamos era pequeno, o que tornava tal assunto compreensível. Entretanto, o que não era compreensível era o fato de que Sulpicia não sabia separar o lado profissional do lado pessoal: eu não iria para a Inglaterra para ver minha prima e isto estava muito longe de acontecer, obviamente. Negócios eram negócios e vida pessoal era vida pessoal, e eu custei saber disso.
— Qual parte de “vida pessoal não se mistura com profissional” você não entendeu? Eu não quero nada com Athenodora do mesmo jeito que ela não quer nada comigo e assim permaneceremos – distantes um do outro, seguindo nossas vidas – por tempo indeterminado — retruquei, enfezado: chegava a ser ridícula a situação. — Agora, por favor, retire-se do cômodo antes que eu mesmo tenha que fazê-lo, o que não será nada agradável.