O que há lá fora

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 Uma corrente de ar incômoda e gelada despertou Nathalia de seu sono, ela esfregou os olhos e olhou sonolenta para a fraca luz noturna que entrava pela janela aberta, a cortina esvoaçava com o vento e imediatamente a moça olhou para a cama ao lado, alarmada, em busca da irmã, que já não estava no quarto.

— Ah, não... Ah, não, ah não... Mas que merda.... — Nathalia praguejou enquanto levantava-se às pressas e pegava um agasalho, sendo imediatamente dominada pelo desespero e um sufocante aperto no peito.

Algumas noites antes, enquanto observavam o céu e conversavam, Nathalia e sua irmã, Débora, viram o que achavam no início ser uma estrela cadente, aproximar-se cada vez mais até cair em uma floresta próxima. Nada foi noticiado nos jornais sobre queda de meteoro nos arredores daquela cidadezinha de fim de mundo, ninguém na escola comentara o evento e parecia que ninguém mais além das gêmeas o havia presenciado.

Porém naquela noite, Débora, que não era sonâmbula, acordara no meio de uma madrugada gélida e saíra de casa pela janela, sem falar sequer uma palavra com sua gêmea e melhor amiga, o que nunca acontecia. Nunca.

Nathalia sabia que algo estava errado. Pegou uma lanterna e saiu correndo de casa o mais depressa que pôde, acendeu as luzes do lado de fora e olhou para todos os lados, gritando por sua irmã, mas tudo o que ouviu em resposta foram grilos e o latir dos cachorros, mas não demorou nada para que seus olhos capturassem a coisa mais estranha que já imaginou ver: o corpo de sua irmã flutuando a metros do chão dirigindo-se para a floresta.

A incredulidade paralisou Nathalia por alguns segundos, o único pensamento que martelava em sua cabeça era que aquela bizarrice certamente estava acontecendo por causa do que caiu na floresta noites atrás.

Assim que conseguiu se mexer novamente, Nathalia correu tentando alcançar a irmã, mas era tarde, ela já havia adentrado a floresta que ficava logo nos limites da propriedade da família.

Tremendo de medo, apreensão e frio, Nathalia correu para a floresta, os pés descalços doeram assim que pisaram em um galho grosso com ponta afiada, o que a fez cair e gritar, soltando a lanterna que rolou até bater em uma pedra, piscou duas vezes e se apagou.

— Droga... Porque essas porcarias sempre têm que acontecer...? — Ela reclamou baixinho, engatinhando e tateando na direção em que vira a lanterna se apagar. Quando encontrou-a e conseguiu acendê-la, um fio de alívio percorreu seu corpo, mas a sensação não durou nada, se fora tão rápida quanto chegara, assim que ouviu galhos sendo esmagados por passos muito lentos, não muito distante.

Alguma coisa, seu instinto de sobrevivência, ou talvez apenas o medo e a covardia lhe diziam que aqueles passos não eram de sua irmã, não poderiam ser, eram muito espaçados, de alguém ou algo com pernas mais compridas. Ouvindo um pouco mais atentamente, ela se deu conta de que o quê, ou quem quer que fosse, não estava se aproximando, estava se afastando.

Seu coração estava tão acelerado que martelava seus ouvidos e tornava difícil raciocinar com clareza, queria gritar pela irmã, implorar que ela respondesse e voltasse, mas ao mesmo tempo só queria correr para o mais longe possível daquela floresta.

Quando finalmente conseguiu se fazer levantar e ter forças para andar, apressou-se na direção dos passos, a lanterna tremia em suas mãos, sua respiração era audível e entrecortada, as lágrimas já começavam a embaçar sua visão e ela as limpou, lembrando-se dos filmes de suspense e terror que já vira, das atrocidades que aconteciam em florestas e isso apenas serviu para deixá-la ainda mais nervosa.

Por um segundo a luz da lanterna iluminou algo claro e esvoaçante entre os galhos mais baixos de uma árvore. Nathalia apressou-se naquela direção, afastou os galhos e então percebeu que o que esvoaçava eram os cabelos de sua irmã que estava sendo carregada, a cabeça da menina pendia, seus olhos estavam abertos, ela estava imóvel, parecia em transe. Nathalia olhou para ela, o coração mais acelerado do que imaginava ser possível, as pernas fraquejaram e ela não tinha coragem de olhar para o ser que carregava Débora, mas tinha que fazê-lo e se obrigou a isso, apontou o pequeno e fraco feixe de luz mais para cima, para ver o rosto e isso chamou a atenção da criatura, que virou o rosto para ela, os olhos eram negros e brilhantes, quase humanos, o corpo alongado e fino, como um homem muito alto e absurdamente magro, era branco, ou ao menos era o que parecia na luz da lanterna, muito branco, veias aparentes, sem expressão.

Sem demonstrar interesse em Nathalia, sem exibir qualquer emoção, ele deu mais um passo longo e então deixou o corpo de Débora cair em um grande buraco, do qual saiam grotescos insetos grandes demais para serem insetos normais.

— ...Não... — Nathalia sussurrou, balançando a cabeça negativamente, seu corpo todo tremia.

A criatura olhou para ela e estendeu os grandes e magros braços em sua direção, como um pai oferecendo colo ao seu filhinho. Ela deu um passo para trás e a criatura deu um passou em sua direção, o corpo movia-se de uma forma estranha, contorcida.

Nathalia gritou e começou a correr o mais depressa que pôde, tropeçando em galhos e pedras, evitando o mais desesperadamente possível cair. Os galhos chicoteavam seu rosto, fazendo escoriações que ela mal sentia e não se importava, tudo o que importava era sair da floresta, era fugir daquela criatura, daquele alienígena, era fugir daquela estranha e maldita cidadezinha de fim de mundo, quase deserta, onde coisas estranhas sempre aconteciam e parecia que ninguém realmente se importava.

Nathalia podia sentir que ela se aproximava, seu corpo inteiro se arrepiou com a sensação da proximidade da criatura, mas ela não ousou olhar para trás, não teve coragem, sabia que se olhasse, suas forças a abandonariam e ela não conseguiria continuar correndo.

Quando afastou os galhos das últimas árvores e viu a claridade da lua, teve esperança de que se salvaria.

Mesmo depois que conseguira sair da floresta, não parou de correr até alcançar o portão da propriedade, só então teve coragem de olhar para trás, nada a seguiu até ali, desacelerou a corrida e somente parou quando chegou a porta da casa, largou-se nos degraus da entrada, ofegante e trêmula, fitou o céu e aos poucos seus olhos foram em direção a floresta, então viu o corpo dos dois filhos do vizinho, exatamente como os de Débora pouco antes, flutuando a metros do chão, adentrando aquele lugar macabro e sombrio.

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