Prólogo

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Aquilo era alucinante.

'A dor física ameniza a dor emocional.'

'Vai aliviar a sua dor.'

'Você vai se sentir melhor depois de fazer isso.'

É o que eu escutei. E era tudo mentira.

No chão de ladrilho branco do banheiro havia respingos vermelho-vivo, assim como na gilete acima da pia.

'Se você fizer os cortes na vertical, vai ser mais rápido. Vai sangrar mais.'

Meu pulso ardia. Como pude ser tão burra? Como pude deixar que aquela mulher horrorosa apertasse o gatilho da minha depressão?

Procurei no Google como eu poderia me matar. Minha mãe naquela noite não estaria em casa, nem meu irmão, então eles não poderiam me impedir.

Primeiro peguei todos os analgésicos do armário da minha mãe. Tomei três comprimidos de cada. E mais três de cada um dos meus antidepressivos. Perdi a conta de quantos foram depois do vigésimo primeiro.

Eu não estava sentindo nada. Ok, estava um pouco tonta, grogue, talvez, mas aquilo não iria me matar. Foi então que eu decidi procurar a gilete.

Estava dentro do armário embaixo da pia do banheiro da minha mãe, no canto esquerdo da prateleira de cima. Fiz dois cortes horizontais e um vertical no pulso esquerdo.

Que merda eu estava fazendo?

'Foi por sua culpa! Você matou ele!', eu ainda ouvia a voz daquela mulher em meus ouvidos. Merda, será que eu realmente o matei? Lágrimas encheram meus olhos e soluços escapavam da minha garganta. Ok, minha vida estava uma merda. Mas isso era motivo para eu querer morrer? Para eu querer me matar?

Afinal, realmente existe um estágio tão grave da depressão, onde a tristeza e infelicidade são tão grandes a ponto da pessoa querer acabar com a própria vida? Que o sofrimento é tão grande que é melhor morrer do que simplesmente continuar vivendo daquele jeito? Realmente existe um estágio onde a pessoa simplesmente não vê mais esperança? Em que simplesmente não enxerga que só depende dela mesma para mudar a própria vida?

Eu acreditava que sim. Eu inclusive era uma dessas pessoas. Até eu fazer aquele maldito corte vertical no meu pulso esquerdo.

Eu não quero morrer.

De repente eu já não sentia mais meu pulso doendo. Era muito pior, aquilo que eu estava sentindo era muito pior do que dor. O banheiro dava voltas ao meu redor e os objetos saíram do foco na minha visão. Meu reflexo no espelho estava deformado. Aquela não era eu. Aquela não era mais a velha Kayla Backer. Eu estava irreconhecível. Meu cabelos, que um dia já haviam sido saudáveis, brilhantes e dourados, estavam destruídos. Meus olhos estavam cansados, vermelhos, tristes e com grandes bolsas roxas abaixo deles. E meu corpo... oh, meu corpo estava péssimo. Eu já não comia havia três dias. Só havia pele sob meus ossos, nada de gordura, eu parecia um esqueleto vivo. Olhei para minhas próprias mãos que agora estavam com as unhas roídas até a raiz e toda vermelha por causa do sangue que ainda escorria pelo meu pulso.

O que eu tinha feito comigo mesma? Onde estava aquela Kayla sorridente e saudável? Ela ainda deveria estar aqui dentro. Em algum lugar bem escondido, mas ela ainda deveria estar aqui. E eu precisava trazê-la de volta

Eu não quero morrer.

Juntei o restante de força que minhas pernas ainda tinham e me obriguei a andar até meu quarto onde em cima da minha cama havia um lenço preto. Eu não sabia o que doía mais, minha cabeça que girava, meu pulso que não parava de jorrar sangue ou minhas pernas que estavam sendo obrigadas a carregar meu corpo quase morto até meu quarto.

Me joguei ao pé da cama, alcancei o lenço e o pressionei sob meu pulso.

Eu não quero morrer.

- Por favor, por favor, eu não quero morrer. - Sussurrei entre soluços para ninguém em particular.

Eu não quero morrer.

Eu não quero morrer.

Eu não quero morrer.

Tudo ficou preto. 

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