O relógio na parede marcou cinco da tarde.
Ontem, naquele horário, Helena ligou para a polícia. O resultado estava na frente dela tomando chá de hortelã numa xícara de porcelana. E, inesperadamente, ele tinha classe ao erguer o objeto e não fazia o menor barulho ao ingerir o líquido. Ela admitia: estava impressionada. Quando os imaginou pela primeira vez, a imagem deles parecia muito mais com a de um monstrengo e menos, com a de um cavalheiro. E, definitivamente não com a figura de palavras educadas e jeito impecável sentada do outro lado da mesa de vidro.
Ele era bípede e a musculatura lembrava um humano com anos de academia. Aparentemente, media cerca de três metros de altura. Porém, era leve o bastante para se sentar em uma cadeira fina de madeira sem destruí-la. E ficara ofendido quando ela insinuou que ele deveria ser mais pesado segundo as leis da ficção. A pele dele lembrava couro preto e parecia muito resistente. Havia uma cauda de um metro e meio de comprimento - com espinhos por toda a extensão - educadamente parada sobre o colo dele. A cabeça tinha um tamanho compatível com o corpo. O que fez Helena se indagar se ele era ou não mais inteligente do que ela.
Incrivelmente, ele tinha algo como cabelo humano sobre a cabeça redonda. A cabeleira negra estava penteada para a direita - o que lhe dava um ar ainda mais chique - e havia uma porção dela presa por um anel dourado que caía sobre as costas. Os olhos dele possuíam pupilas de gato e não tinham a parte branca tão comum aos humanos. A única cor ali além do preto das pupilas era um dourado penetrante e observador. A extensão dos lábios dele era maior do que a de um humano e seus caninos - os de baixo e os de cima - eram pontiagudos. Além disso, Helena poderia jurar que as bordas deles eram serrilhadas como as de um tubarão. Por fim, ele estava completamente trajado com vestimentas leves, brancas e muito semelhantes as dos monges budistas.
Então, ele terminou seu chá. Ela fez menção de colocar mais na xícara, no entanto, ele a parou com o aceno da mão esquerda. Helena voltou a posição inicial e encarou-o. Era segunda-feita. Ela chegara do trabalho uma hora atrás e encontrara aquela criatura parada na entrada. Daquele jeito mesmo; ele não se dera ao esforço de se camuflar ou algo assim. Ele queria conversar e Helena convidou-o para o chá das cinco. Ela realmente achava que ele era um sonho e não fazia mal algum tomar chá com uma coisa imaginária. Entretanto, em algum instante daquele peculiar encontro, a mulher percebeu que o visitante era um ser vivo mesmo. E, infelizmente, era tarde demais para ligar para a polícia.
- Então, Srta. Reis. - A voz dele era grave e poderosa. Ele tinha poder e sabia disso. E, ela não havia contado seu nome para o desconhecido. Ele lê mentes? - Sim, leio.
- Ah. - O que ela deveria dizer? Algo inteligente ou raivoso? A mulher optou pela segunda opção. - Isso é uma baita invasão de privacidade, cara! Sai da minha cabeça.
- Perdoe minha falta de decoro. - Ele parecia realmente arrependido. - Mas, no momento, tenho um assunto mais importante para discutir com a senhorita.
- Sim?
- Ontem, de algum modo, você encontrou minha nave espacial e ligou para a polícia. - O QUE? Então, aquele negócio invisível que ela chutara sem querer enquanto procurava seu gato fujão no meio do matagal era uma nave alienígena? Ela não tinha culpa de ter entrado em pânico e chamado os tiras para averiguar aquilo. - Então, foi isso que aconteceu.
- Para de ler minha mente, porra! - Agora, Helena estava puta da cara mesmo.
- Desculpe novamente. No entanto, como dono da aeronave confiscada pelo governo desse Mundo, eu tenho o direito de, pelo menos, saber o que ocorreu. Não acha, senhorita? - Ela concordou com a cabeça. - Agora, como espera me compensar pela perda?
- Oh, calma, amigo! Não é culpa minha se você escondeu sua nave mal e porcamente. Se até eu, uma simples assalariada, conseguiu encontrar aquilo, não seria melhor culpar sua incapacidade de esconder algo tão precioso ao invés de mim?
- Bem, não gosto de admitir, porém, você tem razão em dizer que não escondi corretamente. Disseram-me que os humanos não eram inteligentes o bastante para causarem problemas. Agora, vejo que essas palavras não são verídicas. - Ele calou-se e fitou Helena profundamente. Ele parecia incapaz de pronunciar as próximas palavras. - Mesmo assim, contudo, eu preciso da sua... ah, ajuda. Meu dinheiro, meu passaporte, meu comunicador, tudo estava na nave. Não tenho sequer como contatar meus progenitores e pedir apoio financeiro.
- E o que você espera que eu faça?
- Minha viagem de férias duraria um mês humano. Ou seja, meus parentes e amigos não se preocuparão comigo até o fim desse período. Entretanto, quando eu não aparecer depois disso, eles virão me buscar. - Ele estava completamente encabulado. Ela quase podia imaginá-lo corado. - Então, preciso de moradia e alimentação durante esse meio tempo.
- E você espera que eu lhe conceda essas coisas? - Ele assentiu e a mulher suspirou em resposta. Ela poderia, simplesmente, mandá-lo embora. Ele não parecia do tipo que a agrediria se ela negasse o pedido. E, isso iria livrá-la de uma porção de problemas. Contudo, no fundo, Helena era a culpada por colocá-lo naquela situação. E, maldição, seus pais a educaram bem demais para deixar alguém passar por dificuldades quando ela poderia impedir. Mesmo que esse alguém não fosse desse belo planeta chamado Terra. - Tudo bem. Mas, lembre-se bem: minha casa, minhas regras.
- Perfeito. - Ele fez um barulho semelhante a de um assobio e logo, outras quatro criaturas como ele surgiram na sala de Helena. Além de lerem mentes, eles ficam invisíveis. Ótimo! - Espero que tenha quarto para cinco.
Ah. Ela deveria abrir um hotel.
E um estacionamento.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Chá das Cinco
Science FictionUma porção de encontros impossíveis poderia acontecer com Helena Reis. Mas, aquele em especial, parecia num nível totalmente diferente de bizarrice gratuita. (Conto para o 1º concurso #ScifiBR).