Semanas depois
Rio de Janeiro, Brasil
Chegou ao descampado, rodeado por doze casebres, e viu o sol se pondo por trás do Monte Corcovado. Ouviu o som ritmado das palmas e a melodia monótona do berimbau, um instrumento em forma de arco de uma corda só.
No centro do areal, dois garotos simulavam uma luta ao alternar chutes e esquivas, sem tocar, um no outro. Expunham os torsos nus e usavam calças brancas, de tecidos grossos, amarradas à cintura por cordas multicores. Outros meninos se dispunham em círculo, rodeando os combatentes e batendo palmas. Cantavam:
Paranauê, paraneuê, Paraná
Paranauê, paraneuê, Paraná
Vou-me embora pra favela, Paraná
Como eu já disse que vou, Paraná
Paranauê, paraneuê, Paraná
Paranauê, paraneuê, Paraná
Eu aqui não sou querido, Paraná
Mas na minha terra eu sou, Paraná
Paranauê, paraneuê, Paraná
Paranauê, paraneuê, Paraná
Todas as vozes calaram ao mesmo tempo. Uma moça, a única adulta entre os capoeiristas, aproximou-se do visitante e perguntou:
– Está procurando alguém? – Tinha a pele morena orvalhada em suor. O rosto era afilado e simétrico; seus lábios, carnudos e vermelhos. Os cabelos tinham sido arrumados em minúsculas tranças, adornadas com pedrinhas coloridas. Duas delas balançavam defronte dos olhos verdes e esféricos. Seu corpo era esguio e seus membros eram bem torneados e firmes. Apesar do penteado de estilo africano, a moça tinha traços delicados que atestavam a perfeita mistura de raças. Não era negra, nem branca, nem índia. E era tudo isso também.
– Me chamo Nadav. O Caboclo Jupi quem me mandou.
A moça estranhou.
– Quem?
– O caboclo disse que, neste lugar, eu encontraria a índia Janaína...
Antes mesmo que a moça respondesse, foram interrompidos por um garoto que se interpôs entre os dois. O rosto redondo e suado oferecia um sorriso imenso. Tinha a pele negra e os cabelos crespos, cortados muito curto. Era pequeno e magricela, aparentando ter cerca de doze anos.
– Quem é você?
Nadav observou o menino por um instante e percebeu que talvez já não soubesse a resposta àquela pergunta. Foi arrebatado pelas lembranças e se viu em meio ao mercado de Sodoma. Ouvia os gritos dos mercadores e via a luz do sol trespassando os tecidos estampados das bancas, tingindo os artefatos de barro com cores inesperadas. Sentia o cheiro do basalto quente unindo as pedras de um novo prédio e o perfume das cortesãs da Casa dos Prazeres. Lembrou-se dos amigos: Rodha, com seu humor imprevisível, sempre discordando dos companheiros, para depois se desmanchar em desculpas e agrados; Vered, cuja leveza dos movimentos o fazia pensar que a moça flutuava em vez de andar; Yoel e Oren, os gêmeos, os mais novos do grupo, pequenos e medrosos, sempre se escondendo atrás de Nadav; e Dotan, o maldito demônio que...
– Ô, moço. Dormiu em pé? – Perguntou o garoto.
A morena sorriu, estendendo a mão para o visitante.
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O Vampiro da Quinta da Boa Vista
VampireEm 1821, Londres é o paraíso dos vampiros que se banqueteiam com o sangue de bêbados e prostitutas, se escondem nas sombras dos becos e em meio à névoa das ruas mal iluminadas. Dotan, um lobisomem poderoso e imortal, dedica sua existência a caçá-los...