Parte I

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Na ilhota, após a brisa noturna, eles começaram a se materializar, um após o outro — emergindo das águas, aparecendo sobre os galhos das árvores, ou simplesmente surgindo no horizonte dentro de um redemoinho de poeira do chão. E para o entusiasmo dos participantes, aquele encontro iria ocorrer no período de cheia dos rios São Francisco e Grande, no entanto, estava faltando alguém.

— Mas onde ele está? — indagou o Saci, fumando em seu cachimbo.

A sereia deu de ombros e o Saci riu. A Iara estava parada sobre uma pedra, enfeitando os longos cabelos com aguapés retiradas do rio. Segundo o Saci, moleque zombador, a Iara era uma moça belíssima, só tinha um probleminha: o chamativo, reluzente rabo de peixe.

— Como está meu cabelo hoje, Curupira? — quis saber ela.

Um garoto sentado no alto de uma árvore, de pés virados para trás, trajando vestes feitas de folhas secas e pele de animal, sorriu ao observá-la. — Ora, como no dia anterior, Iara — respondeu.

A Iara fez um bico, desgostosa com as palavras do Curupira. E o Saci deu risada.

— Como sempre, duas crianças bobas — disse a Iara. — Quando vão crescer?

— No dia 31 de fevereiro — brincou o Saci, ajeitando seu capuz vermelho.

O Curupira sorriu. E naquele mesmo instante, emergindo das profundezas do rio, o Nego D'Água rodopiou no ar e sentou ao lado do Curupira na árvore. Um rapaz de pele negra, nem muito velho nem muito novo, andava sempre nu e seus olhos eram acinzentados.

— Desculpe a demora, tive um contratempo — começou dizendo —, vocês sabiam que aquele Cais ali na frente tem quase três mil metros de extensão? Descobri isso hoje, ouvindo um pescador. Mas não acreditei muito, já que era história de pescador.

Todos agora deram risada.

— Eles não são como nós — alertou o Nego D'Água. — É preciso ter cautela!

— Ei, e por falar em pescador — disse o Curupira, analisando o rio —, não perceberam que esta noite temos alguém espiando nossa reuniãozinha particular?

Todos ficaram espantados.

O Nego D'Água foi o primeiro a notar.

— Estou te vendo, Manoel — gritou ele. — Trouxe um pedaço de fumo?

Manoel viu e escutou tudo desde o início, escondido dentro da canoa, e agora foi descoberto e não tinha fumo algum para oferecer em troca de sua vida. Inesperadamente as criaturas pularam sobre Manoel para lhe derrubar da canoa. No meio da agitação, Manoel conseguiu empurrar o Curupira e o Saci para fora da canoa, a Iara mexeu seu rabo e fez a canoa rodar para desequilibrá-lo, e o Nego D'Água lhe puxou para dentro do rio. 

História de PescadorWhere stories live. Discover now