Enquanto conversava amistosamente com seu amigo no Café da esquina, o Escritor Astronauta tentava se acostumar novamente com a Gravidade alterada provocada pela presença de Sérgio, uma situação que fazia muito tempo não experimentava com tanta intensidade. O Poeta Espacial provocava uma distorção anormal na força gravitacional terrestre, e tudo ao seu redor começava sutilmente a flutuar, levitando suavemente. Era algo prazeroso, fora do comum, toda aquela sensação o invadia e em alguns momentos o deixava tonto, mas ele se deliciava com a situação. Sentados na mesa, ao redor dos dois flutuavam talheres, copos, inclusive as xícaras de café que pediram assim que chegaram orbitavam ao redor de suas cabeças, deixando derramar lentamente o conteúdo em forma de gotículas preguiçosas. "Não é fantástico esse nosso átimo literário poético? Ultimamente tenho espasmos líricos incríveis. Todo o universo se despeja dentro de mim maravilhosamente e eu me sinto um poeta cosmopolita, desenhando versos falando sobre japoneses, africanos, europeus, asiáticos, uma confluência de mundos, um êxtase", explicava Sérgio, enquanto pela avenida inesperadamente começou a passar uma manada de cavalos, provavelmente uns 200 em tons variados com suas crinas fantásticas, cavalgando intensamente, atravessando os sinais vermelhos da avenida. O Escritor Astronauta escutava o amigo falando, enquanto seu olhar seguia aquela cavalgada invadindo a cidade, cortando o trânsito numa velocidade atordoante. As mesas do café balançavam sutilmente com a passagem dos cavalos, um leve tremor de terra que não podia ser captado por nenhum sismógrafo, uma energia liberada que não podia ser medida de maneira alguma na Escala Richter. "Sempre tenho acompanhado a divulgação de seus trabalhos poéticos. Quando os leio, fico sem fôlego, você escreve de maneira incrível, Sérgio", disse o Escritor.
Depois que aquela manada de cavalos atravessou a avenida movimentada, um rastro de flores começou a crescer na extensão de toda rua asfaltada. "Fabuloso! Simplesmente fabuloso, divino! O poeta cria sempre a arte para que o mundo nunca duvide da existência dele. Tiramos pérolas de porcos e colhemos flores no aslfato, lançamos possibilidades de novas sensações para as pessoas que se atrevem a ler o que escrevemos", dizia Sérgio de maneira contida, porém entusiasmada. "Confesso que foi uma surpresa sua ligação e sua visita. Imaginei que não nos veríamos mais e nem teríamos uma oportunidade como essa para falarmos sobre tudo o que cada um está escrevendo", explicou o Escritor, e prosseguiu com as palavras, "Nos últimos meses tenho me dedicado especialmente ao meu novo trabalho, o que tem exigido de mim uma concentração total. Vivo cercado de ideias, os personagens habitam cada minuto do meu dia, tenho anotações espalhadas por todo o apartamento. Estou realmente em amplo processo de criação literária". Nesse momento, o escritor percebeu algumas imagens de sua história surgirem em sua viseira, e rapidamente sumirem, e depois aparecem flutuando translúcidas acima dele, imagens dos personagens, trechos escritos, passagens importantes já revisadas por ele. O Poeta espacial olhou para elas com uma expressão fascinada, extasiado com aquele material incrível já desenvolvido, enquanto dezenas de vagalumes piscantes começavam a voar dentro do ambiente do Café, desenhando luminosidades pelo teto. No Céu, por entre os prédios, uma Lua imensa começava a nascer com jeito de quem vigiava a Humanidade, deixando um rastro róseo entre as nuvens.
"Isso é fantástico, você está desenvolvendo uma história que vai encantar muitas pessoas, transportando elas para um mundo incrível. Sua maneira de escrever é cativante, diferente, hipnotiza o leitor. Simplesmente fantástico", Sérgio sorria, enquanto os vagalumes passeavam ao seu redor. O Escritor agradecia pelos seus elogios, apesar de considerar a possibilidade de que ainda havia muitos trechos a serem reescritos, e algumas partes poderiam sofrer alterações até o final do processo de desenvolvimento narrativo. "Sempre tenho novas ideias surgindo, sempre estou retornando e reescrevendo algumas partes da história, procurando não deixar buracos e nem entrar em contradições com o enredo da trama", explicou, enquanto observava algumas das imagens que mostravam personagens e trechos narrativos. "Não se preocupe, quando você é tomado pelo processo criativo, ele te possui de uma maneira entorpecente, te mandando para outros mundos, fazendo viver em outros universos e canalizar todas as informações sobre eles. E você viaja entre eles constantemente". O Escritor fez um ar pensativo, ponderando sobre as afirmações de Sérgio, e olhou para a rua. Na calçada, uma estranha distorção fazia o ar vibrar em meio a pequenos raios e um estrondo metálico fez surgir um portal, de onde saiu inesperadamente um senhor vestindo impecavelmente terno, gravata e um chapéu escondendo sua careca lustrosa. Carregava uma maleta preta e trazia na mão um objeto dourado estranho, do tamanho de um celular. Parou um instante, olhou para objeto com uma expressão de quem estava obtendo informações para confirmar seus cálculos e concluir que havia chegado ao destino certo. "Outro Observador, sempre por toda parte, como seres onipresentes, sempre analisando as situações vividas pelas pessoas em qualquer lugar", concluiu o Escritor, lembrando dos misteriosos personagens surgindo estranhamente por toda sua história. Sua atenção voltou-se novamente para o amigo Poeta Espacial, que prosseguiu falando animadamente. Um som ambiente surgiu tímido, parecia os acordes iniciais de um piano, e o Escritor reconheceu o toque de "United States of Eurasia", uma das suas músicas favoritas do Muse. Sérgio prosseguia debatendo suas ideias líricas. "Não dominamos nenhum dos 4 elementos da Natureza, mas dominamos a Dobra da Escrita, esse elemento com o qual podemos direcionar todos os outros em nossos trabalhos literários. Não há limite para o que pode ser criado através da literatura e da poesia". O Poeta Espacial pegou uma xícara que flutuava entre eles e segurou calmamente em sua mão. Não demorou muito e uma pequena labareda de fogo se incendiou dentro da xícara, sendo apagada logo em seguida por uma espiral de água surgida do nada. O Escritor continuou observando atento enquanto via aquela mesma xícara ser petrificada e virar pó, se dissolvendo completamente no ar. Na esquina do Café, um garoto careca vestindo roupas de monge soltou um sorriso para ele e sumiu rapidamente em um pequeno tornado de ventos. Sérgio então pegou um papel onde estava escrito alguns versos, os mais recentes que ele havia criado, e o entregou para o Escritor Astronauta. "Veja, eu trouxe isso para você, espero que goste, eu escrevi pouco antes de vir para cá. É disso que você precisa para continuar sempre escrevendo". O Escritor pegou o papel e começou a ler, e suavemente enquanto lia, algumas imagens translúcidas começaram a aparecer ao seu redor, mansas, sutis, mas incrivelmente envolventes. Leu emocionado aqueles versos, como há tempos não tinha lido nada igual. Viu imagens de um semeador de ventos lançando palavras por toda parte na cidade, viu uma residência habitada por pessoas de todas as partes do mundo, conversando descontraídas em todos os idiomas. Logo abaixo do poema, havia um breve texto de despedida escrito por Sérgio. Enquanto lia aquela parte em que o Poeta Espacial dizia ter adorado aquele encontro e todo o debate literário e poético que tiveram, o Escritor sentiu a Gravidade ao seu redor voltar ao normal. Lentamente tudo parou de flutuar, os talheres, as xícaras, os pratos. Os vagalumes se esvairam mansamente, e só então depois de ter lido o poema e o texto final, o Escritor percebeu que o Poeta Espacial já havia partido. "Meu amigo, foi um encontro incrível, maravilhoso, um momento raro que desfrutamos em toda sua plenitude. Espero que goste do poema e do que eu trouxe para você nessa visita: Inspiração". O Escritor terminou de ler o texto. No café não havia mais ninguém, a não ser ele a escutar o trecho final de "United States of Eurasia".
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A Incrível Jornada do Fabuloso Escrinauta
Ficção GeralA narrativa do cotidiano estranho, inexplicável e surreal vivido por um escritor enquanto ele está escrevendo sua obra mais criativa.