É difícil, você sabe? Estar nessa carreira artística realmente não é fácil. Ainda mais quando você busca reconhecimento pelo que faz. A arte é complicada.
Vamos começar de cima, com o mercado de arte. Muita coisa é só especulação. É difícil entrar em uma galeria e ver pinturas e esculturas de alguém realmente talentoso, alguém que não fodeu ninguém para estar ali ou que não é amigo de um amigo. Você entra no salão milimetricamente organizado e vê um quadro comum, sem muita paixão ou algo que interesse, e lá está uma pessoa com cara de sábia o observando. É o truque, sabe, daqueles típicos de filme. Ela irá te perguntar "visceral, não? Dá para sentir os impulsos nas pinceladas" e você irá concordar.
O mercado de arte é só um dos problemas. As pessoas são um problema ainda maior.
Imagine que você passou uma semana pintando aquele quadro. Alguém vem e diz que ele é uma pilha de merda, o que você faz? Desiste? Muitos tem aquele acesso de raiva que só os artistas sabem ter, outros choram, outros acabam fodendo com a pessoa (em vários sentidos). Tem aqueles que mandam o espectador à merda e continuam o trabalho.
Imagine agora se você passou dois anos em um trabalho e um idiota chega e diz que seu trabalho é equivalente ao de uma criança de cinco anos. Acho que nem dá vontade de matar o infeliz, só de fazê-lo engasgar com o próprio sangue depois dos vinte e cinco socos no nariz.
Eu, por exemplo, tenho um grande problema com as pessoas desse ramo, principalmente por minha modalidade de pintura. Veja bem, ninguém reclama se fulano pinta com pincéis ou com o dedo, ninguém reclama se ele só joga tinta na tela ou se ele segue as mais divinas regras da pintura clássica. Mas se alguém tirar as calças e agachar sobre a tela, aí sim, vamos reclamar e dizer que isso não é arte.
Eu pinto com as bolas. É o jeito que consigo fazer arte. É libertador chegar em meu ateliê e... sim, eu tenho um ateliê, afinal, sou um artista. E sim, eu ando peladão pelo meu estúdio sem problema algum, afinal, eu pago a merda do aluguel todo mês. Enfim, voltando, é libertador chegar em meu ateliê e ver aquela tela branca estendida no chão, toda convidativa. A sensação de tirar as calças é tão boa que as vezes fico de camisa, mas não por que não quero tirá-la, simplesmente porque esqueci dela lá, no meu corpo.
Misturo os pigmentos em uma tigela um pouco maior que essa aí na sua frente, de cereal matinal. Assumo uma posição que demorei anos para aperfeiçoar e... agacho. Ah, devo dizer que o geladinho arrepia. As bolas entram em contato com a tinta facilmente, por isso criei a posição correta para não encharcá-las. Tinta demais e seu quadro vira um borrão de cor e pelos. Tinta de menos e ele vira só pelos. O ideal é encontrar o equilíbrio.
Aí o que acontece? Eu passo semanas, as vezes meses em meus quadros. Cada um deles expressando meus sentimentos mais profundos. Tem aquele que fiz com rápidas "pinceladas", com tons de vermelho e amarelo, ferozes e violentos. Corri com as bolas em contato com a tela, fiz curvas bruscas e até me machuquei em algumas pinceladas mais ferozes. Isso sim é paixão na arte, é um trabalho que te machuca mais que só emocionalmente.
Tem um quadro que pintei com respingos da tinta azul do meu saco. Chamo ele de Bolas Azuis. Só depois de exposto que percebi o trocadilho infeliz que havia criado. O quadro, tão belo e expressivo, não tem significado algum além do que ele é. Aliás, odeio quando perguntam "o que esse quadro significa?" Ele significa o que é, ali, no momento. Não há complexidade nisso.
Bolas Azuis foi um problema. Um jornaleco publicou uma foto dele fazendo uma piadinha e, ao invés de ser visitado por compradores de arte cultos e bem informados, pessoas comuns apareceram para ver o "cara que pinta com o saco". Meu ateliê lotou de repente e havia filas e filas —sabe que um paulistano adora filas, não é? Alguns galeristas me visitaram e me convidaram para expor, pessoas que não entendem nada de arte me ofereceram dezenas e centenas de milhares por algumas pinturas. Que inferno!
É claro que precisava pagar as contas, então fui no embalo deles. Vendi alguns quadros, expus em algumas galerias. Que horrível! Não estavam ali por minha expressão genuína e sim pelo modo que pintava meus quadros. Como ficava envergonhado com as pessoas pagando dinheiro por algo que elas não sabem apreciar! Eu tomava meu café Kopi Luwak e fumava meu charuto cubano com filetes de ouro enquanto sofria com a banalidade daquilo tudo. Bando de gente pobre de espírito, não sabem o que estão vendo, não entendem nada!
Resolvi me rebelar. Ah, como foi bom! Voltei aos primórdios artísticos, ao impulso da energia sentimental que move um artista. Meus últimos quadros foram pasteurizados, feitos mecanicamente, sem paixão. Fazia questão de deixar uns pelos aqui ou ali e imprimir o claro formato de meus testículos. Mas voltei! Agora sou um rebelde!
Fui à uma loja de artes no meio da madrugada. O dono, um amigo, me fez um favor de não estar presente e deixou a chave sob o capacho. Estar ali sem ninguém por perto só me custou duzentos reais, como disse, coisa de amigos. Lá dentro peguei alguns materiais e saí, na calada da noite, de volta para meu ateliê.
De manhã, produzia com as bolas, já que as câmeras das emissoras de TV e as lentes dos paparazzi não paravam de me perseguir. De madrugada... a rebeldia tomava conta de mim. Eu tirava o quadro do chão e o punha em um cavalete. Um cavalete! E sim, fazia isso, pode acreditar: pintava o quadro com pincéis. Sim! Os únicos pelos encontrados nessas pinturas eram, no máximo, de crina de cavalo. As bolas eram emuladas com simples movimentos manuais e as "expressões testiculares", termo cunhado por um jornalista, eram nada mais que movimentos dos pulsos.
Enganei muitos críticos. Ainda acham que pinto com as bolas. Não, tolos, pinto com as mãos mesmo, como qualquer pintorzinho sem criatividade. Vendo todos os quadros para idiotas que não sabem apreciar arte e mal eles sabem o que estão comprando.
A carreira artística não é fácil, sabe? Você deve fazer alguns sacrifícios para o bem da arte, para manter a pureza e poder dizer "sou artista".