Beyonders: indo além - livro 1, A Tríade

Prólogo

Em um mundo mediado por nossas percepções, só existe a realidade interpretada. E a percepção ínfima de nossos sentidos é uma síntese do potencial de nossas mentes.

O corpo animado humano segue as leis desse universo material, um código de manifestação complexo, mas limitado. Porém alguns extrapolam o comum e representam todo o potencial do que pode vir a ser um humano, além do tecido ilusório da realidade que nos cerca e além dos meros sentidos físicos.

São esses os que vão além, Beyonders.

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A sala 09

− Você tem certeza de que é isso o que deseja? - Perguntou a figura sentada calmamente em sua cadeira branca, sem pés, flutuando em um espaço sem limites definido.

−  Sim, já pensei, ponderei, testei mentalmente todas as possibilidades, e é a melhor opção.

− Meu amigo, você sabe que essa pode ser uma das últimas vezes...

− Estou plenamente consciente disso, meu antigo amigo. Mas é necessário.

− Você sabe, eu preciso perguntar. E também não entendo muito bem os níveis emocionais que ainda o prendem a essa missão. Mas compreendo a urgência. Você está tão aberto à leitura quanto poderia. Se pudesse, trocaria de lugar com você.

− Mas não deve, nem seria o caso. Já debatemos com todos, me parece que eu sou a escolha mais acertada.

− Pois bem, continuemos.

O ambiente começa a transmutar. Nuvens mudam de forma, na medida em que a atenção se volta a elas . Ambos seguem por um corredor que parece acadêmico, mas com um silêncio palpável. Pessoas de todos os tipos com um olhar sem urgência e um semblante sem preocupações passam com destino certo. As salas tem números em relevo branco, em todo o espaço de um prédio alto, com uma iluminação agradável, mas de origem indefinida.

− Devemos encontrá-la na sala 09. É por aqui.

O corredor termina em uma espécie de hall arredondado, com outras portas para vários outros corredores. Acima uma abóboda de vidro em um pé direito gigantesco de estilo grego transparece um céu azul sem nuvens, e raios de luz iluminam o espaço trazendo uma sensação de manhã e frescor. Mas não é de manhã e nem há qualquer tipo de ventilação.

− É por aqui, à direita.

Adentram em um novo corredor, agora mais largo com espaços muito maiores entre as salas. Após alguns passos a porta que parece ser um espaço fumê no vácuo, acusa em letras brancas que flutuam:

Sala 09 – particularidades da matéria.

− Ela já deve estar nos esperando.

− Certamente está. E já faz um tempo.

− Um bom tempo, eu diria. - A voz feminina ecoou na mente dos dois amigos, que súbito se viram diante de uma figura que aparentava 40 anos e transparecia calma, sabedoria e uma sensação de que todo o conhecimento do mundo era algo extremamente simples de ser aprendido. Ao mesmo tempo instalou-se uma sensação nostálgica de tempos mais simples e problemas menos complexos. Um tempo onde planejar em nível cósmico ainda não era um hábito e as ações eram muito mais voltadas para si do que para todos.

− Um bom intervalo se passou, minha querida amiga.

− Três séculos contados no tempo do bom e velho planeta, meu caro amigo.

− É verdade. Apenas a pouco relembrei. Fica cada vez mais fácil. E quanto mais fácil, menos difícil abrir mão.

− Você aprendeu muito em muito pouco tempo. E você Rodolfo, continua evasivo, me parece?

Rodolfo saiu de suas divagações.

− Lembranças, Crisálida, são muitas para dar conta em tão pouco tempo.

− O tempo é uma variável cognitiva, meu amigo, e você já sabe disso faz um bom tempo.

− É confortante ver que trocadilhos terríveis ainda fazem parte do seu temperamento, Crisálida. Ainda lhe chamam assim?

− É o meu signo preferido. Sempre em renovação.

Em um breve e indeterminado período, longo o suficiente para viver uma vida inteira, os três trocaram impressões sobre experiências vividas em comum. Sincronicamente, os três deixaram de lado as lembranças com a mesma facilidade em que as iniciaram, para ocupar na mente assuntos mais prioritários.

− Vamos aos fatos meu caro amigo. O estágio no qual você está retornando é diferente de todos os outros. Há leis que você já conhece e já podem, em seu atual nível, serem direcionadas pela vontade e manipuladas caso seja necessário. Iremos nos aprofundar aqui na sala 09, um número que aprecio muito, pelos motivos que vocês já conhecem, por um período cognitivo indeterminado. O que irá contar será apenas a sua percepção. Seu estado de consciência irá determinar o aprofundamento neste aqui e agora. Você compreendeu?

− Sim, perfeitamente.

Como vocês sabem, a evolução humana encontrou um grande obstáculo. Eu estou mediando nos altos conselhos, mas está difícil. Querem abrir mão do planeta, começar de novo, eles dizem. Eu não quero. Ainda vale a pena tentarmos, mas precisaremos acelerar. E é aí que entra termos escolhido você, Axion, pelos motivos já sabidos.

– Quando começamos?

– Passo a passo, meu querido amigo. Um de cada vez.