Jovem e Bela

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Saí apressada, não queria olhar pra trás. O pensamento me martelava a cabeça, ele era o amor da minha vida, eu sempre soube disso, mas e quando eu não fosse mais jovem e bonita? Aquele cabelo branco, aquilo era só o começo, mesmo com apenas vinte e um anos eu não suportava a ideia de perder ele, a confusão não me deixava pensar direito, seria o certo esquecê-lo? Mas eu iria me privar de amores só por estar envelhecendo? Eu estava pensando besteiras, só tinha vinte e um anos, eu era tão jovem.

"Por que estás chorando?" - ele estava ali do meu lado já com uma taça de conhaque em mãos, meu santo Deus aquele homem me conhecia como ninguém.

Peguei a taça com o conhaque que ele me oferecia, era de abacaxi, o meu preferido, comecei a saboreá-lo pensando numa resposta, me sentia uma idiota pelo o que estava pensando, e mais idiota ainda por estar tomando sorvete ali no meio daquilo tudo.

"Você vai..." - travei naquele instante, a perguntava soava como uma ofensa. Uma blasfêmia contra seu amor, e ele esperava que eu fosse a última pessoa no mundo capaz de proferi-la.

"... pegar catapora esse ano? Reinventar a roda? Não pretendo fazer ambas as coisas, se é isso que está lhe incomodando." - ele disse e eu ri, ele tinha esse incrível poder - "Eu te amo" - ele me abraçou e descansei minha cabeça cansada em seu peito quente.

"Você vai me amar quando eu não for mais jovem e bonita?" - aquilo não parecia ter saído da minha boca, as palavras faladas pelos meus lábios estavam pairando o ar e percebi que a expressão dele mudava de preocupada para serena em uma gradiente de preocupação em compreensão. Ele me beijou e eu senti sua mão em minha nuca, nos deitamos e passamos a noite ali no jardim.

Não sei ao certo o que aconteceu com os meus convidados. Era meu aniversário de vinte e um anos naquela noite, a festa estava acontecendo na mansão dos pais dele, eu estava com um vestido lilás bem claro e quase branco, ele disse que o tal combinava com meus olhos azuis quase brancos. Ele trajava um terno preto, sua gravata era de um azul escuro que quase se confundia com a cor do próprio terno. Ele também escolheu seus trajes de acordo com seus olhos, negros combinando com seu cabelo. Eu havia ido ao banheiro lá pelas vinte e duas horas, tinha ido me perfumar com um perfume chamado Madame Beauxford que era o que eu havia usado no nosso primeiro encontro, acabei não achando o perfume no banheiro do quarto no qual eu estava hospedada. Ao voltar vi que estavam todos em um círculo voltado pra mim, ele estava no meio, com aquele sorriso bobo apaixonante, eu fiquei meio perdida, mas fui ao seu encontro.

"Concede-me uma dança?" - ele disse no meu ouvido com uma voz sensual, mas respeitosa.

Fiz uma reverência sem responder verbalmente e começamos a dançar, nenhum de nós havia realmente assistido as aulas de dança, estávamos numa fase que nos distraíamos apenas por olhar os olhos uns do outro, mas conseguimos não passar vergonha na frente de todos os convidados.

Ao acabarmos a dança veio a surpresa. Ele se ajoelhou e ergueu o anel com brilhantes e me fez a pergunta com a voz passando confiança.

"Me aceita como seu homem pela eternidade?" - dessa vez ele disse alto o bastante para todos ouvirem, ele parecia orgulhoso e corajoso.

"Sim" - respondi com toda a alegria na minha voz calma.

Logo após ele colocar a aliança em meu dedo e nos beijarmos falei que precisava voltar ao banheiro e ele riu, porém ao passar pelo espelho perto da porta que dava para o resto da casa eu arrumei meu cabelo e percebi o maldito cabelo branco que ali estava, peguei nele com a mão que estava minha aliança recém-colocada e fui bombardeada por pensamentos. E foi aí que eu saí desesperadamente dali, e ele percebeu assim que passei pela porta que dava diretamente para o jardim - e como é de se esperar não há banheiros e nem frascos de perfume Madame Beauxford nos jardins das mansões.

Mas ali estava eu, acordada com meu vestido lilás quase branco ali intacto, abri os olhos e após o estranhamento de não estar em meu quarto fui espantada por outro estranhamento, eu estava só, olhei em volta, seu terno estava lá e junto a ele uma carta, peguei o terno e a carta e entrei na casa, um silêncio confortante rodeava o ambiente, só se ouvia os pássaros da manhã, eram oito horas, tudo estava limpo e com um cheiro agradável, uma aura de paz. Tomei banho e coloquei minha camisola que era da cor do vestido da noite passada. Olhei para cômoda e lá estavam nossas fotos, vi naqueles nossos sorrisos os velhos dias quentes de meio de Julho, vi naqueles olhares loucos quando eu e ele éramos selvagens para sempre, aquele tempo estava acontecendo, aquilo era só o começo.

Logo percebi que não havia ninguém na casa, achei estranho, pois, a casa estava sempre muito alegre e animada, sempre cheia de visitas e de empregadas andando de cá pra lá com vasos de flores e jarras de suco de pêssego recém-colhido - tais empregadas que andavam sempre muito alegres, pois eram bem tratadas pelos patrões e também eram muito bem pagas, muitas delas já idosas eram amigas de todas. Lembro-me de não me importar com isso, a casa era muito segura e todos deviam estar se divertindo já que era sábado - meu dia preferido da semana, diga-se de passagem. Tomei um suco de laranja que estava logo em cima do balcão da cozinha e voltei para o quarto, pronta para ler a carta. Ela tinha sido muito bem embrulhada em um envelope feito de um papel vermelho vinho que imitava camurça, um laço branco ao redor e com nossos nomes pintados com tinta branca. Abri a carta e tinha cheiro de flores e orvalho da manhã, era meu perfume Madame Beauxford, em tinta vermelha estava escrito "Sua resposta, meu grande amor". Abri a carta e deitei na cama para lê-la.

"Meu grande amor,

Sei que não foi de sua intenção me ferir ou me ofender com a pergunta da minha noite anterior, afinal o que mais esperaria de uma donzela se não a busca pelo amor eterno?

Eu tenho a maior certeza de que nunca vou me abusar de olhar sua linda face e usufruir estar na presença de sua alma eléctrica. Sei que não sou o mais galanteador dos caras que já flertaram com a vossa beleza e graça, mas tenho certeza de que fui eu quem conseguiu teu coração, eu vejo isso em teus olhos quando me olha, eu sinto isso em tua pele quando me abraça, e espero que você sinta o mesmo.

A resposta que te dou é que vou sempre amar, por isso te pedi em casamento, a única coisa que poderá nos separar é sua vontade e a própria morte.

Eu te amo e vou te amar até quando não for mais possível respirar.

Mas e você? Também me amarás quando eu não for mais jovem e belo? Eu sei que vai, e se estiver certo espero que você coloque o seu vestido que está no quarto de minha mãe, pois, estaremos todos esperando você para me dizer sua resposta no altar, o seu chofer está te esperando. Espero que goste de lírios.

Com amor, seu futuro marido"

Lágrimas quentes escorriam do meu rosto, fui correndo até o quarto de sua mãe e coloquei o vestido, era um vestido branco - mas não totalmente branco, sentia-se um pouco de lilás - era simples, mas não demais, era exatamente o que eu imaginava, e lá estava um buquê de lírios, fiz uma trança e amarrei-a em um coque, coloquei meu perfume Madame Beauxford e fui ao encontro do meu amor, esse era só o começo do resto da minha vida.

O casamento foi lindo, nós dois tivemos uma vida muito divertida, claro que havia altos e baixos, mais posso garantir que os altos valiam a pena. Os dias quentes de Julho sempre tinham o mesmo cheiro doce, e Madame Beauxford sempre esteve com a gente.

Agora enquanto escrevo isso estou olhando para o seu corpo, nesse terno que combinaria com o seus olhos se não tivessem fechados. No final das contas só a morte nos separou, depois destes sessenta anos que passaram rápidos demais para dois amantes apaixonados. Despeço-me dele agora, pra sempre, mas não totalmente, meu amor continuará o mesmo e ele sempre estará vivo em meu coração. Olho para nossos filhos que choram.

"Por que não choras, mamãe?" - me pergunta a mais velha.

"Eu e seu pai sempre fomos muito felizes para agora chorar de algo que não seja agradecimento e amor" - eu digo calmamente.

Mas, meu amor, agora eu sei, onde você estiver eu sei que sempre vai me amar mesmo eu não sendo mais jovem e bela, me espere quando eu também parar de respirar, pois, só aí tudo vai valer a pena e ficaremos juntos pra sempre. E nem juventude, nem beleza e nem tempo irá nos separar.

Jovem e BelaOnde histórias criam vida. Descubra agora