VLADIMIRSKAYA OBLAST, RÚSSIA
Pyotr Luzhkov estava prestes a ser morto e sentia-se grato por isso.
Era final de outubro, mas o outono já se tornara uma lembrança. Havia sido breve e feioso, como uma velha babushka tirando depressa um vestido puído. E agora aquilo: céus de chumbo, frio congelante, neve soprada pelo vento. A cena de abertura do inverno interminável da Rússia.
Mesmo sem camisa e descalço, com as mãos atadas atrás das costas, Pyotr pouco percebia o frio. Na verdade, naquele momento, ele precisaria ser duramente pressionado até para lembrar seu nome. Achava que estava sendo levado por dois homens através de uma floresta de bétulas, mas não tinha certeza. Fazia sentido estarem em uma floresta. Era onde os russos gostavam de fazer seu trabalho sujo. Kurapaty, Bykivnia, Katyn, Butovo... Sempre nas florestas. Luzhkov estava a poucos momentos de se envolver com uma grande tradição russa. Iam lhe conceder uma morte entre as árvores.
Quando se tratava de matar, havia outro costume russo: causar o máximo de dor. Pyotr Luzhkov havia sido forçado a escalar montanhas de dor. Tinham quebrado seus dedos das mãos. Tinham quebrado seus braços e costelas. Tinham quebrado seu nariz e seu maxilar. Tinha sido surrado até quando estava inconsciente. Bateram nele porque lhes disseram para assim o fazer. Bateram nele porque eram russos. Só paravam quando estavam bebendo vodca. Depois que a vodca acabava, batiam nele com mais força ainda.
Agora chegara ao trecho final de sua viagem, a longa caminhada até uma cova sem identificação. Os russo tinham uma expressão própria para isso: vysshaya mera, a mais elevada forma de punição. Era normalmente reservada para traidores, mas Pyotr Luzhkov não traíra ninguém. Fora enganado pela esposa do seu patrão, o qual acabara perdendo tudo. Alguém tinha que pagar. No final, todo mundo pagava.
Via seu chefe agora, parado sozinho em meio aos troncos finos das bétulas. Casaco de couro preto, cabelos grisalhos, uma cabeça enorme. Estava olhando para a pistola de alto calibre que tinha na mão. Luzhkov tinha que lhe dar crédito. Não havia muitos oligarcas com estômago para se incumbir pessoalmente de assassinatos. Mas também não havia muitos oligarcas com ele.
A cova já tinha sido aberta. O chefe de Luzhkov a estava examinando com cuidado, como para calcular se seria calcular se seria grande o suficiente para conter um corpo. Quando Pyotr foi forçado a se ajoelhar, sentiu o cheiro característico da colônia dele. Sândalo e tabaco. O cheiro do poder. O cheiro do demônio.
O demônio lhe deu mais um golpe na lateral do rosto. Luzhkov não sentiu. Então, o demônio encostou a arma na parte de trás da cabeça de Pyotr e desejou-lhe uma noite agradável. Luzhkov viu um lampejo rosado de seu próprio sangue. Depois, a escuridão. Finalmente estava morto. E era grato por isso.
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O desertor
Science-FictionQuando o homem mais perigoso do mundo é seu inimigo, não se pode cometer o erro de deixá-lo vivo. Uma história de Gabriel Allon.