Simon tinha razão, pensou Isabelle, o broscht do Veselka era, de fato, delicioso. Ela se lembrava bem do dia em que se sentaram à mesa próxima à janela. Ele, vampiro, bebia apenas café na ocasião.
O quão engraçado era... Naquele mesmo dia ela se autodeclarara namorada dele quando apareceram os subjugados de Camille. Agora, meses depois do episódio, lá ela estava, sentada num canto do mesmo café, esperando que ele passasse pela porta, pedisse comida humana, acenasse para ela e fosse embora sem realmente reconhecê-la. E era assim havia semanas.
Desde que Simon tornara-se novamente mundano e perdera todas as memórias do mundo das sombras, todas as manhãs ela ia ao estabelecimento para vê-lo, dizendo a si mesma que só queria ter certeza de que ele estava bem, seguro.
De fato, ela sentia sua falta. Falta da curva de sua nuca em suas mãos quando o beijava. Falta das mãos dele mexendo no seu cabelo; do seu hálito, mesmo que desprovido de calor, em seu pescoço. Ela sentia falta de tudo nele.
Mas talvez não apenas nele, talvez também no modo que a vida costumava ser: Alec, Jace e ela. Assassinatos casuais a demônios aqui e alí. Não que ela não gostasse de Clary. Embora não tivesse simpatizado com ela de primeira, esta se revelara uma boa amiga. Quando dissera a Clary que não dava muita importância a Simon, esperando que ele não fizesse o mesmo por ela ser "muita areia pro caminhãozinho dele", Clary a mostrara que Simon tinha, sim, seu valor. E ela, então, se apaixonara.
Droga, pensou ela, ele nem se lembra do meu nome! Desde quando Isabelle Lightwood se apaixona por caras que não a notam? Aliás, desde quando Isabelle se apaixona?
Ela soltou a colher na mesa e cruzou as pernas, frustrada. No mesmo momento, Simon atravessou a porta à direta dela. Olhou em volta e acenou com a cabeça ao vê-la.
Após tantos dias vendo-a lá, ele passara a considerá-la uma conhecida. "A Garota Mortal", ele a apelidara secretamente. Ele a achava linda com aquele cabelo longo e o andar leve, mesmo com as botas pesadas e, provavelmente, desconfortáveis. Geralmente, ele ficava intimidado com o poder que ela exalava. Hoje, porém, ela parecia mais "contida" então ele resolveu se aproximar.
O coração de Isabelle acelerou ao vê-lo caminhar em sua direção. Não crie falsas esperanças, disse a si mesma, controle-se, Izzy!
"Oi" ele disse "Te vejo aqui todo dia, posso sentar com você?"
"Sim, claro." respondeu ela.
"Você parece... diferente hoje" ele comentou.
"Diferente?"
A garçonete apareceu para anotar o pedido antes que ele pudesse responder. Quando ela se virou, ele continuou.
"O que você costuma pedir aqui?"
"Broscht" ela respondeu.
"Sério? Eu também! Adoro os que eles servem aqui!"
"É, um... amigo me trouxe nesse restaurante há um tempo" ela emendou nervosa e derrubou metade do copo de café na mesa. Com isso, Simon inclinou-se sobre a mesa, a fim de ajudá-la com a bagunça.
Imediatamente, Isabelle sentiu-se paralisada. Pendendo do pescoço de Simon, estava um pingente de rubi vermelho sangue. O seu colar.
"Você está bem?" perguntou Simon.
"Sim, estou." ela se recompôs.
Terminaram a refeição em silêncio e quando estavam partindo, pararam na calçada, às portas do estabelecimento.
"Foi bom te conhecer" disse Simon. As palavras atingiram Isabelle de forma negativa.
"Esse colar no seu pescoço, tem alguma espécie de história por trás dele?" indagou Isabelle. Simon pareceu confuso por um instante.
"Ah, esse rubi? Não lembro ao certo como o consegui, só... está comigo há bastante tempo." ele respirou fundo antes de continuar "Às vezes tenho a impressão de senti-lo pulsar, como um segundo coração. Parece estranho?"
"Não, de forma alguma."
"Já sei! Fique com o colar!"
"Mas você nem sabe meu nome..." ela completou, quase como um sussurro.
"Quem disse que não sei?" Simon a provocou.
Ela levantou o olhar que, mesmo confuso, se iluminou.
"Como assim?"
"Ah" disse ele tentando parecer casual, e não flertando "Eu a chamaria de... Belle. Fiz algumas aulas de francês, sabe? Significa 'bela'. Mulheres parecem gostar de francês" deu de ombros.
"Quase lá" retrucou Isabelle, entrando em seu jogo "Me chamo Isabelle. Isabelle Lightwood. Mas talvez eu prefira Izzy."
"Agora já sei seu nome e seu apelido. Viu? Já a conheço. Pode aceitar o colar agora?"
Ela balançou a cabeça tentando entender."Por que tanta insistência em presentear... Uma estranha?"
"Já disse, às vezes sinto-o pulsar e ver você me faz pensar que talvez precise de um segundo coração, mesmo que eu tenha a impressão de que, com esses seus saltos afiados, o meu é que esteja em maior perigo."
O coração de Isabelle deu um salto. Ele se lembrava parcialmente do seu nome e também tinha noção de quando Jace dissera, alto o suficiente para ela ouvir, que ela provavelmente pisaria em seu coração com os saltos das botas.
"Só o que me intriga é por que eu?" ela perguntou.
"Não sei" ele deu de ombros "Apenas me parece certo."
"Então, aceito, mas apenas por um dia. Quero ter certeza que nos veremos aqui amanhã para que eu possa devolvê-lo."
"Gosto desse acordo." disse Simon, tirando a corrente do pescoço e entregando-a "Te vejo amanhã, belle Isabelle!"
E cada um seguiu seu caminho, virando em direções opostas na rua.
Isabelle sorria, tocando o colar e sentindo os resquícios do calor de Simon. Ele conseguiu cumprir a promessa, pensou, lembrando-se de quando se despediram na sala dos tronos de Sebastian, meses antes.
"Veremo-nos novamente, Izzy, e eu o devolverei. Você vai ver." ele dissera. Izzy sorrira e retrucara:
"Apenas espero que ele te dê proteção durante esse tempo. Mas, veja bem, vampiro, promessa é dívida."
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Promessas Perdidas
FanfictionAntes que sua memória fosse apagada Simon fez uma promessa que provavelmente não cumpriria. O desejo de cumpri-la seria forte o bastante para superar a névoa do esquecimento do Mundo das Sombras? Pois Isabelle com certeza não desistiu de fazer-se...