American Beauty - O Inferno da Classe Média

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Da mesma forma que Michael Jackson o fez no verão de 2006, "American Beauty" me tocou no meu lugar especial, mas de uma forma muito mais agradável e menos agressiva. E por falar em tocante e desconfortável (mais uma vez, de um jeito bom), Kevin Spacey interpreta Lester Ruthmore, o perfeito retrato da classe-média americana suburbana sexualmente reprimida devido à padrões de beleza, hipotecas, Botox, Aspirinas e um ódio geral por todos ao seu redor. Um homem que vive uma vida, para muitos, invejável, em um lindo subúrbio cheio de árvores lindas e verdejantes, veteranos de guerra, casais gays suados e perseguidores com câmeras, com sua linda esposa sem vida e sua filha adolescente que é exatamente quem você está pensando que é, mimada, ingrata, angustiada, confusa, o sonho de todo pai. Preso neste pesadelo colorido e energético, Deus (ou melhor, o escritor) resolve que a vida não é um saco suficiente, e resolve que ele agora está apaixonado pela melhor amiga de sua filha, que tem apenas 17 anos. E isto levará a várias loucuras e aventuras divertidíssimas contento muitos monólogos existenciais, maconha, sonhos eróticos de Kevin Spacey, e a cor vermelho.

E em meio de tantos problemas e temáticas, o filme constrói uma espécie de redoma para si mesmo, com um charme que é quase impossível de se achar. Nesta pequena redoma, temos a vida diária de Lester, que anda uma linha tênue entre o hilário e o trágico, desconstruindo a psique da classe-média americana dos anos 90, e ainda assim, conseguindo tratar de questões universais sentidas até hoje. Problemas que questionam nosso valor como seres humanos, nossa busca por identidade e nosso escape do tédio mundano que construímos para nós mesmos. É como se passássemos metade da vida lutando para construir uma fortaleza, e a outra metade, tentado escapar dela. Uma realidade triste que faz para um dos filmes mais interessantes, engraçados e humanos dos últimos tempos, ouso até a dizer de todos os tempos. Muito disso vem do roteiro genial, que parte de uma história simples e singular, um homem de meia-idade quer pegar uma adolescente, coisa do dia-a-dia, e começa a se espalhar pelo bairro, analisando também, a vida dos vizinhos de Lester, tão bizarros como ele. Tudo isso sem perder o foco, indo além de um estudo de personagem para um estudo de sociedade, descontruindo muito dos velhos ideais americanos e nossa própria projeção pessoal, indo para o mais profundo dos lugares, Kevin Spacey se masturbando na cama. Mas, voltando ao assunto deste "estudo de sociedade", o filme não segue o estilo de algo como "Short-Cuts" ou "Pulp Fiction", onde pequenos eventos conectam diferentes histórias, mas também não segue narrativas clássicas e singulares como "Taxi Driver". Ao invés, fica no meio, as histórias são fortemente conectadas e muito bem exploradas, ainda assim, a história de Lester continua sendo a principal. Mas o filme não se limita a ela, mas explora também, a vida pessoal de sua filha, esposa e vizinhos que estão fortemente ligados a trama principal e influenciam de maneiras que não posso descrever sem estragar o filme.

Por falar em estragar: 1- esqueci de colocar o porco na geladeira. 2- Se eu fosse criticar algo neste filme, algo bem pequenininho que você pode nem notar, seria a cor vermelho. Sim, sim, sei que é estranho, e esse é provavelmente o único filme que vou reclamar disso. Mas, mas! Como todo bom filme, este contém uma boa dose de simbolismo, nada insano como Jodorowsky ou Lynch, mas de uma forma sútil, exceto pela cor vermelho. No filme (e isso é bem fácil de entender), a cor vermelha é um símbolo para paixão, luxuria, etc. E é usada tão frequentemente que me faz acreditar que o diretor tem um preconceito secreto contra daltônicos. Especialmente combinado com o uso frequente de rosas da cor ­________ (10 pontos se adivinhar) e você tem algo que pode distrair de cenas extremamente tocantes, o que realmente é um espinho numa rosa (sim, eu fiz essa piada (por favor me mate)). Mas, no fim das contas, posso até estar "nitpicking" e é algo que a muitos nem irão notar, mas me sentiria desonesto se não falasse do bom e do mal, mesmo que o mal seja apenas uma cor. Mesmo assim, o simbolismo não é ruim ou mal implementado, aliás, é muito longe disso. Com uma cinematografia que capturou muito dos conflitos internos dos personagens e adicionou uma nova camada de apreciação e entendimento para o filme, o simbolismo é o que deveria ser, a "cobertura do bolo". E com um bolo composto de atuações que mereciam todos os Oscars que Hollywood tem, e um pouco mais, uma trilha sonora que pontua perfeitamente o momento (assim como dando mais entendimento ao estado emocional dos personagens), um roteiro genial, uma direção genial, personagens interessantes e reais, onde até a iluminação se destaca (se tornando mais densa e teatral durante as cenas de sonho), e um final que consegue ser triste, devastador, lindo, poético e genial, tudo ao mesmo tempo, quem se importa se havia um cabelo na cobertura?

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