Naquele momento impiedoso, desejou que qualquer herói daquelas velhas histórias em quadrinhos pudesse sair dos gibis e salva-lo. Não havia outra maneira. Se eles não pudessem ninguém mais poderia.
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O sol estava escaldante e qualquer um que não tivesse passado protetor solar como devia, em pouco tempo estaria salpicando em vermelhidão. Não passavam das dez da manhã, entretanto, volta e meia aquele calor intenso surgia naquela região. Algo típico do verão.
Júlio estava sentado em um banco de frente para cozinha, ao lado de um bebedor. Usava uma calça de tek-tel azul, que aumentava ainda mais o calor. O uniforme era típico de escola: azul marinho, com uma listra branca horizontal e no peito o emblema da escola. Não gostava de usar jeans, apesar de ganhar muitos de sua tia Lavínia, ficavam, ou frouxas, ou apertadas de mais. Nunca comprou – isso acontecia raramente – ou ganhou um que se encaixasse no seu corpo magro, um pouco atlético, de mais de um e setenta de altura. Desde que suas esperanças em achar uma calça que se encaixasse – sem ter que mandar fazer pregas, essas geralmente pouco adiantavam, ou usar um cinto carreta obrigado pelo pai ou a avó – acostumou a usar agasalho por sentir-se mais confortável.
Distraído, girava um caneco de inox para passar o tempo e não percebeu quando dois garotos se aproximaram. “Pooow”. De repente o garoto mais alto, com um corpo sarado e olhos negros arregalados jogou o caneco longe, quase perto da entrada dos banheiros. Possuía um tom de desprezo em suas atitudes. Júlio tomou um susto e soube exatamente, o que se passava. Wellington o olhava com uma interrogação estampada na cara. Bruno, seu cachorro de estimação como pensava Júlio, se aproximou. Diferente de seu dono, Bruno era baixo com um nariz grande, tinha pequenos olhos castanhos. Sozinho não representava perigo algum. A única coisa que sabia fazer era acompanhar Wellington em suas malvadezas.
Wellington olhou para o lado, só para ter certeza que o comparsa estava presente para assistir a lamentável cena. Armou o circo:
-O que aconteceu que bibinha tá sozinha hoje? Ficou sem ter para quem dá? Foi isso? - sua voz causava repugnância. Ambos riram com tanto sarcasmo que Júlio chegou a ter náuseas. Os dois eram uma perfeita representação de completos idiotas. Qualquer pessoa em seu são juízo não gostaria de vê-los nem pintados de ouro. Júlio não podia deixar barato, sabia que se permanecesse em silêncio pisariam o quanto quisessem. Ele não tinha medo, os dois não passavam de cachorros que sabiam apenas acuar.
-E se for, o problema é meu – rebateu com ódio. Desde a oitava série os garotos começaram a caçoar dele. Tudo começou quando Wellington propositadamente escutou uma conversa entre ele e Verônica. Acabou por espalhar seu teor aos sete ventos. E lembrava-se perfeitamente daquele lamentável dia, onde as coisas tomaram rumos cruéis.
Três anos antes
Tinha tudo para ser um dia normal como qualquer outro. A lua se pôs, o sol nasceu, todo mundo seguiu sua monótona rotina. Tudo igual. Só na inquietude da alma de Júlio que algo não parecia tão normal assim. Estava no começo da oitava série.
-O que você queria me contar Júlio? – Verônica, sua melhor amiga, balançou os cabelos ruivos encaracolados, para que pudesse sentir o vento tocar a nuca.
-Eu não sei – murmurou, sem saber por onde começar. Naquela época era um pouco menor do que agora. O corpo nem começara a encarar as faces dos garotos da sua idade.
-Você fala que quer conversar comigo – olhou-o de lado – mas agora não sabe.
-Eu me sinto estranho – olhou para baixo encarando o banco de concreto onde seus pés estavam - eu não sei muito bem como te explicar.
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A verdade e suas formas abstratas
RomanceEm um espaço de privamento e violência, vive Júlio, de A verdade e suas formas abstratas. O romance é uma espécie de transformação progressiva. No início, Júlio é vítima da violência do pai, da intolerância religiosa da avó e do preconceito na escol...