Prefácio
Já conseguiu alguma vez ver o amor nos olhos das pessoas. Eu sim. O amor que vi e senti, foi tão intenso que eu imaginava poder toca-lo. Tudo começou com um olhar.
Mas antes, voltemos ao começo de tudo, ao início, pois você precisa saber antes a minha história.
Eu não fui planejada pelos meus pais. Fui concebida de forma acidental. Quando descobriu que estava grávida, minha mãe orou e pediu assim: Deus, o senhor sabe que não tenho condições de criar essa criança com todo o conforto que ela merece, e que em momento algum eu pensei em tira-la do meu ventre, mas eu gostaria muito que fosse um menino pois será mais fácil de cuidar e manter. Então ela esperou por nove meses e veio eu. Uma menina pequena, delicada e tão branca que ela disse que chegava a ser rosada. Sorrio ao lembrar dessas palavras carinhosas.
Não foi fácil me criar, disso eu tenho certeza. Meus pais se separaram quando eu ainda era um bebê. Minha mãe foi morar com a minha avó, que ajudou a dar a educação que precisei. Me apeguei a ela como se fosse a minha mãe (tanto eu a chamava e chamo até hoje de mãe). Desde criança fui ensinada a ser responsável, ou melhor, sempre tive muita responsabilidade sobre minhas costas.
Quando eu tinha seis anos de idade minha mãe arrumou um namorado, que hoje posso dizer que foi a melhor coisa que já aconteceu na vida dela. Ele lhe comprou uma casa para que deixasse de morar sob o teto dos outros. Ela me levou para morar consigo, mas passava pouquíssimo tempo comigo, levantava as 4 horas da manhã, me dava um beijo, dizia que me amava e ia trabalhar. Ao lembrar disso, lágrimas ameaçam correr pelo meu rosto. Eu me levantava as 7 horas, colocava meu uniforme de escola e ia estudar, andava um bom pedacinho de chão até chegar a escola. Já disseram que foi muita irresponsabilidade da minha mãe me deixar ir para a escola sozinha, mas ninguém estendeu a mão para ajudar quando ela precisou, aliás, ninguém perguntou se ela precisava.
Posso dizer que nunca tive tudo o que eu quis, mas nunca me faltou o que eu precisava, o essencial. Obrigada mamãe, por ser minha mãe.
Minha Historia
Desde muito, muito criança convivi com as decepções das mulheres da minha família. Começando por minha mãe que se decepcionou à beça com o meu pai. Minhas tias também se decepcionaram muito, tiveram suas filhas muito cedo e continuaram se decepcionando com seus maridos, foi ai que pensei: não é isso que eu quero pra minha vida, não quero ser só mais uma, quero deixar a minha marca na vida de alguém.
E durante anos me fechei, fui a mais grosseira e masculina possível, para que ninguém se interessasse por mim, mas por mais incrível que pareça de vez em quando aparecia alguém e me dizia: eu sei que por trás dessa menina bruta e grossa existe uma garota doce e sensível. Eu sorria e dizia pra ele ir jogar aquele papo pra cima de outra garota porque eu não estava e nem estaria disponível.
Funcionou durante bastante tempo. Pode-se dizer que eu não era uma garota de má aparência, mas as minhas atitudes afastavam os homens. Não entendiam, ou não queriam entender, que como mocinha romântica, ainda que disfarçada de mancho cínico, sempre achei o amor a coisa mais importante dos quatro cantos da terra.
Aos 3 anos de idade fui morar em Cuiabá-MT com a minha mãe e a minha avó. Minha mãe trabalhava muito e eu ficava o dia todo sem vê-la, muitas vezes chegava e eu já estava dormindo na casa de minha avó. Isso doía muito em seu coração, eu podia ver. E consequentemente doía no meu também. Mas era a única coisa que me incomodava, pois eu passava o dia todo brincando e me divertindo.
Sempre gostei de brincar de bolita, carrinho rsrsrs, fazer túneis em montes de areia :D (os túneis sempre me resultavam em muitos e muitos bichos geográficos nas mãos, já acordava e colocava as mãos dentro de vasilhas com água e muito muito gelo rsrsrs mas nunca deixei de brincar). Gostava de brincadeiras impróprias para meninas, mas era proibida pela minha avó de brincar com meninos, ela sempre foi muito rígida nesse ponto; dizia que meninos eram as únicas crianças que eu não podia brincar. E eu como uma boa menina que sempre fui, obedecia cegamente.
***
Durante todo o ano de 2000 minha mãe trabalhou para fazer o meu aniversário de 4 anos, comprou os ingredientes para a minha festa durante o ano. Todo mês ela comprava alguma coisa. Alguns dias antes do meu aniversário eu pedi a minha avó: mãe (minha avó) a mamãe (mãe biológica) trabalhou o ano todo para fazer o meu aniversário, ligue para o meu pai pra ele vir para a minha festa. Minha vó ligou e o que o meu pai disse foi: eu só vou se a sua mãe pagar a minha passagem e a da minha mulher (isso sem dúvida alguma não é algo que se diga a uma criança de 3 anos). Você não imagina como doeu a uma criança de 3 anos ouvir aquilo do próprio pai, mas eu engoli o choro e disse: se é para a minha mãe pagar a sua passagem e a da sua mulher, o senhor pode ficar ai, não precisa vir. Doeu. Muito. E eu carreguei a mágoa dessas palavras comigo. Nunca senti vontade de dizer ao meu pai: eu te amo papai; porque eu nunca tive um pai de verdade.
Mas mudando de assunto; algum tempo depois minha mãe arrumou um namorado, que eu gostava muito e ele gostava muito de mim também, e era muito rico. Muito mesmo. Mas ele tinha o defeito de beber demais e não era um homem fiel. Quando criança não entendi o porquê de minha mãe ter se separado dele, mas hoje compreendo que o dinheiro não importa tanto quando existe o amor, e minha mãe não era feliz. Se mamãe estivesse com ele hoje eu seria uma menina rica e mimada, teria tudo o que sempre quis. Mas minha mãe seria infeliz.
***
Aos 6 anos minha avó decidiu se mudar para Ouro Preto-RO, e me trouxe consigo. Minha mãe veio algum tempo depois. Moramos por 2 anos em um sítio de uma sobrinha da minha avó (morar de favor na casa dos outros também não é bom, mas foram anos incríveis pra uma criança que nunca teve muita liberdade). Subia em árvores, brincava de casinha, cozinha em um pequeno fogão à lenha que minha avó havia feito pra mim. Era perfeito. O tempo que eu era a criança mais feliz do mundo e não sabia. Daria muita coisa para voltar àquele tempo e parar lá.
Mas lá minha avó e mamãe não eram felizes também. Estavam morando em uma terra que não lhes pertencia.
Meu tio-avô (irmão de minha avó) foi passar um tempo conosco e disse à minha avó: não quero e não gosto de ver você morando, trabalhando e cuidando de algo que não é seu, vamos embora comigo e eu vou lhe dar 1 alqueire de terra. É pouco mas será seu.
E lá fomos nós mudar de cidade novamente. A mudança foi bastante dificultosa, viajar de caminhão à noite não foi bom, a parte boa era que a cidade era bem pequena (podendo ser comparada a uma vila) e lá todos ajudavam. Colocar tudo em ordem novamente foi horrível. Eu e minha avó lavando a casa de cima a baixo (detalhe: eu tinha 7 anos de idade) e o marido da minha tia trazendo tudo da estrada onde havia ficado a mudança.
***
A escola era bem pequena, todos conheciam a todos, e eu odiava a minha professora. Nos fazia orar o pai nosso todos os dias antes de iniciar as aulas e era muito rígida. Mas hoje agradeço, diferente de muitas crianças eu aprendi a orar com a minha professora e não com a minha mãe. Foi uma experiência realmente muito boa.
Após as aulas eu voltava pra casa e ficava boa parte da tarde desocupada, brincava com os cachorros, com as galinhas e com os porcos rsrsrs. O resto da tarde eu ajudava a minha avó a capinar, roçar, prender os bezerros, e tratar dos porcos; umas das minhas maiores diversões era prender os bezerros com minha avó.
Nada era tão bom como acordar de manhã e ajudar minha avó a tratar das galinhas, tirar leite e ir pra escola. Essa era a minha rotina de todos os dias, eu adoraria poder voltar no tempo e reviver esses momentos milhões de vezes.
Um tempo depois minha rotina ganhou outra pessoa. Minha tia havia ficado viúva e viera morar conosco. Ela não parecia a mesma de antes, e eu como era uma criança não conseguia compreender o porquê. Mas dava a ela todo o carinho que podia, brincava, brigava, e lhe fazia muita raiva rsrsrs haaa dessa parte eu me lembro muito bem.
Um dia, em meio a essa rotina com minha tia, recebemos uma visita inesperada: meu pai. Eu estava no momento tratando dos porcos (coisa que eu insistia em fazer pois ficava toda suja e brincava bastante), minha avó gritou lá de longe: ****** seu pai está aqui.
Eu não me senti extasiada como a maioria das crianças se sentiriam ao receber a visita do pai depois de anos sem vê-lo, a primeira coisa que pensei foi em brincar um pouco mais, e de lá eu gritei: deixa eu tratar dos porcos primeiro, daqui a pouco eu vou mãe. Uma atitude muito estranha pra uma criança eu sei, mas nunca foi doida pelo meu pai, nunca senti sua falta.
Voltei, abracei-o, como manda o currículo, e voltei a brincar. Pra mim ele só era meu pai porque diziam, mas pra mim não seria mais do que um homem estranho pelo resto da vida.
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Entre AMOR e ÓDIO
RomanceJá conseguiu alguma vez ver o amor nos olhos das pessoas. Eu sim. O amor que vi e senti, foi tão intenso que eu imaginava poder toca-lo. Tudo começou com um olhar.